Eu vou me sentir melhor se der a entrevista. Não vou ficar aqui apanhando sozinha. Parece até que estou me escondendo.” Com essas frases, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pôs um ponto final numa áspera discussão com o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, na sexta-feira 4. O bate-boca aconteceu no fim da tarde, no gabinete da ministra, no quarto andar do Palácio do Planalto. Dilma chamou Franklin para comunicar sua decisão de falar à imprensa com o objetivo de rebater reportagem da Folha de S.Paulo que trazia detalhes do dossiê sobre os gastos do presidente Fernando Henrique e de dona Ruth Cardoso. O ministro ponderou que, como o governo não dispunha de novos elementos, era prudente aguardar melhor oportunidade. Dilma fincou pé. Afinal, quem está na linha de fogo é ela. Franklin viu-se forçado a concordar e colocou a sala de briefing à disposição da colega. A assessoria de Dilma convocou a imprensa às pressas e a entrevista começou pontualmente às 17 horas, em meio à correria de repórteres. Sem esconder o nervosismo, a ministra defendeu-se por meia hora, tentando convencer mais pela força das palavras do que pelos argumentos. Ao fim de 50 minutos, Dilma deixou a sala mais desgastada do que entrou.

O embate entre a enérgica ex-guerrilheira da VAR-Palmares e o cerebral ex-dirigente do MR-8, que comandou o seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969, mostra bem o clima de tensão e desconfiança que tomou conta do Palácio do Planalto nos últimos dias. O ambiente agravou-se com a entrada em cena da Polícia Federal, encarregada de investigar o vazamento do dossiê e apontar seu autor. Enquanto a PF faz seu trabalho, os funcionários da Presidência chegam a dizer que o salário não justifica tamanho desconforto. Os gabinetes se digladiam numa guerra surda. Ninguém confia no outro. Entre a Casa Civil e a Secretaria de Imprensa da Presidência abriu-se um enorme fosso. Apesar da cortina de silêncio baixada no Palácio à espera das conclusões da PF, é corrente o comentário de que Dilma está profundamente irritada com Franklin Martins.

DISCREPÂNCIAS Dilma e Franklin, estratégias em conflito

No dia seguinte à frustrada entrevista, a ministra continuou a apanhar sozinha. Para seu desespero, alguns jornais revelaram que “fontes do Planalto” consideraram suas declarações desastrosas, capazes de enterrar suas chances como pré-candidata à sucessão de Lula. Uma semana antes, Dilma já se sentira vítima do mesmo canal de intrigas. Diante da notícia de que a secretáriaexecutiva da Casa Civil, Erenice Guerra, teria sido a autora do dossiê, “fontes do Planalto” afirmaram que ou Dilma esclarecia os fatos ou corria o risco de perder o cargo. Pouco habituada a esse tipo de tiroteio, “a ministra se sentiu extremamente vulnerável”, dizem pessoas próximas. E ainda mais desorientada ficou quando ganhou força a informação de que ela foi vítima de “fogo amigo”. Ou seja, funcionários da Casa Civil, ligados ao ex-ministro José Dirceu, teriam enviado a parlamentares do PT amostras do dossiê contra FHC, e estes alimentaram os veículos de comunicação, com o objetivo de intimidar a oposição. Mas, em outra versão, o objetivo seria matar pela raiz a candidatura de Dilma, que vem sendo testada pelo presidente Lula. E o vazamento poderia ter saído da Secretaria de Comunicação. O presidente Lula contribuiu para aumentar a desconfiança quando, em reunião com a bancada do PDT, afirmou: “O que quero é saber quem vazou. Não me interessa se foi um ministro ou se foi um funcionário humilde. Eu quero saber, porque essa pessoa pode vazar outras coisas importantes do governo”. Parece força de expressão, mas o curioso é que ninguém havia falado na hipótese de um ministro ser o autor do vazamento. Além disso, dificilmente um funcionário humilde teria acesso a “coisas importantes do governo”. Por essas e outras, a batata da Secretaria de Comunicação está assando. Franklin Martins, porém, garante que nada tem a ver com as tais “fontes do Planalto” e afirma que a hipótese do fogo amigo partindo de seu gabinete é fantasiosa. “Isso não tem lógica alguma. É uma loucura. Que interesse eu teria em dar munição aos partidos de oposição?”, descarta. Para Franklin, quem difunde a teoria do fogo amigo é exatamente a oposição. O ministro está certo de que a investigação da PF trará a verdade à tona. E a corda, diz ele, vai arrebentar do lado do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que não nega que viu o dossiê. “A versão do senador não se sustentará por muito tempo”, aposta.

Tanto Franklin quanto Dilma acreditam que tudo será esclarecido de acordo com as explicações oficiais. Já o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que “organizar dossiê de natureza política não é ilegal. O crime é vazar os documentos”. Mas quem conhece Sergio Menezes, o delegado da PF destacado para o caso, não vê motivo para otimismo. Escolhido a dedo por Genro, que também sonha em suceder a Lula, Menezes é metódico e determinado. Ele cuidou do inquérito do mensalinho, do ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que acusou o próprio Severino de pagar propina a Sebastião Buani, que gerenciava um restaurante terceirizado na Câmara. Na terça-feira 8, Menezes só deixou a Casa Civil às 22 horas, depois de recolher os sete computadores que armazenavam o banco de dados e os enviar ao Instituto Nacional de Criminalística para perícia. O delegado vai ouvir todos os funcionários do Palácio envolvidos no levantamento e advertiu que não fará uma investigação chapa-branca. “Vou seguir a linha do inquérito do mensalinho”, comentou Menezes com subordinados. À espera do desfecho do inquérito, Dilma não esconde sua apreensão. Por mais que Franklin Martins afaste a hipótese de fogo amigo, a ministra está convencida de que seus inimigos habitam o Palácio do Planalto. Colaborou Hugo Marques