Se os progressos em relação à melhor qualidade de vida do portador do HIV são evidentes, o mesmo não se pode dizer do preconceito que sempre castigou essa população. Mais ou menos explícito, ele continua a existir. Mas felizmente surgem contra-ataques. O mais recente – e um dos mais importantes – foi lançado há duas semanas em São Paulo. Foi aprovada no Estado uma lei que multa os que discriminarem cidadãos soropositivos. É a primeira legislação do gênero no País. De autoria do deputado Roberto Gouveia (PT), a lei é abrangente e determina, por exemplo, que é proibido solicitar exames de HIV a candidatos de concursos, impedir ingresso de crianças infectadas em escolas ou até exigir que funcionários contaminados informem a empresa sobre sua condição.

A aprovação da lei vem numa boa hora. Antes, os portadores discriminados recorriam à Justiça, que não dispunha de uma legislação específica sobre o assunto. “O juiz interpretava caso a caso, o que é muito subjetivo. Agora, há uma lei”, afirma Aurea Abbade, advogada do Grupo de Apoio e Prevenção a Aids (Gapa). Segundo ela, a existência da lei mostra que não evoluímos o suficiente para entender que o portador de HIV é um cidadão com deveres e direitos como qualquer outro. Histórias como a de G.C.D., 37 anos, mostram o quanto a advogada está certa. G.C.D. foi cauteloso na hora de revelar à empresa onde trabalhava que era soropositivo. Fez até declaração em cartório afirmando que a informação era sigilosa e não poderia ser usada para demiti-lo. Durante um ano não teve problemas, mas, quando sua chefe soube de sua condição, tudo mudou. Ele foi ameaçado de demissão, sua mesa foi desinfetada e seus papéis, jogados. O funcionário procurou um advogado e a empresa voltou atrás. A companhia manteve salário e benefícios, mas preferiu não tê-lo por perto. “A sensação foi pior do que a do dia em que busquei o diagnóstico”, conta.

A novidade pode ajudar a mudar esse cenário. Para Tácito Molica, diretor do Grupo de Incentivo a Vida (GIV), o preconceito está ligado à falta de informação quanto a prevenção e contaminação pelo vírus. “A esperança é que com a lei as pessoas comecem a se interessar e pensem duas vezes antes de discriminar alguém”, prega.

DESTINO: África

Agência Nacional de Pesquisa em Saúde (ANRS) da França acaba de fechar uma parceria com o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro para estudar a produção de remédios contra a Aids a baixo custo e a política de distribuição desses medicamentos no Brasil. O objetivo é obter informações que ajudem a desenvolver um projeto que auxilie a conter a epidemia na África. “O programa brasileiro de distribuição de medicamentos gratuitos existe desde 1998 e é garantido por lei. Aqui, os pacientes não têm direito somente ao coquetel, mas à internação e a todo o atendimento. Por isso somos um modelo”, conta Lia Hasenclever, professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do projeto no Brasil.

Nessa primeira etapa, pesquisadores franceses vieram conhecer o programa anti-Aids do governo federal e visitar os laboratórios nacionais Cristalia e Farmanguinhos, produtores de algumas das drogas que compõem o coquetel. O gerente de pesquisa do laboratório Cristália, Valter Russo, conta que, de 1994 para cá, a média do preço dos medicamentos para Aids caiu 70% para o Ministério da Saúde. “Isso ocorreu porque a produção nacional é completa. Em 1994, começamos a desenvolver a síntese química dos medicamentos, processo que antes só era feito por grandes empresas”, revela. É o Brasil mostrando que tem mais do que jogadores de futebol a exportar.