SHUTTERSTOCK

TRANQÜILIDADE Os niteroienses têm hospitais
bem equipados e mais gastos com saúde pública

Imaginemos que o mosquito da dengue, o Aedes aegypti, sofra algum tipo de mutação mágica ao atravessar a ponte Rio-Niterói, exatamente neste sentido, do Rio de Janeiro para a cidade vizinha, ambas no Estado fluminense. Isso poderia explicar por que o maldito mosquito que infecta 558 pessoas a cada grupo de 100 mil habitantes no Rio não faz o mesmo estrago do outro lado da ponte, onde pica 220 moradores para o mesmo grupo. Enquanto os cariocas são vítimas de uma das piores epidemias de dengue dos últimos anos, Niterói, distante do Rio apenas os 13 quilômetros da ponte que liga os dois municípios, é considerada cidade-modelo no combate à doença. Lá, até agora, não há surto nem registro de morte devido à doença. Há apenas um óbito sob suspeita, mas a apuração ainda não foi concluída. Os cariocas choram seus 47 mortos, rezam pelos quase 50 mil supostamente infectados e vivem uma paranóia coletiva devido ao medo. Já os niteroienses dormem tranqüilos. Por que, se as cidades são tão próximas?

A resposta, claro, não passa pela opção do mosquito em devastar o Rio e poupar sua vizinha. Apenas, os moradores de Niterói têm mais sorte por terem administradores que se preveniram para o ataque, que todos sabiam que iria acontecer, do Aedes aegypti. Um dos responsáveis pelo triunfo, segundo especialistas, é o programa Médico de Família, modelo copiado de Cuba, implantado há mais de uma década. São 102 equipes que visitam as residências e atendem, semanalmente, 250 mil pessoas. Nunca são desmobilizados, também, os 400 agentes sanitários que percorrem a cidade em busca de focos de leptospirose, caramujos gigantes e dengue, entre outros. Essas ações são de prevenção permanente.

Completa o quadro uma área de saúde organizada, segundo o secretário de Saúde, Luis Roberto Tenório. “Temos rede de policlínicas e hospitais muito bem-estruturada, com funcionamento integrado”, explica. Tenório acentua que o médico que ocupa cargo similar ao seu, no Rio, Jacob Kligermam, não tem culpa da crise porque ele também “é vítima da visão equivocada de saúde pública que vigora na cidade”. O erro estaria em “não ter feito o dever de casa” e basear todo o sistema no funcionamento do hospital: “Esse modelo diz que tudo tem de ser tratado no hospital, a verminose, a dengue, etc. Isso não se sustenta.”

Vale registrar que o prefeito de Niterói, Godofredo Pinto (PT), aplica em saúde quase 50% a mais de recursos que a lei determina. Pela legislação brasileira, devem ser investidos 15% do orçamento municipal e ele aplica, nesta área, quase 24%. “Saúde é investimento e planejamento”, resume. De janeiro até agora, das 1.617 pessoas supostamente infectadas, apenas 85 foram confirmadas em Niterói, cuja população é de 474 mil habitantes. No Rio, são 47.183 casos registrados no mesmo período, num universo de seis milhões de moradores. O mosquito, de fato, não passa por mutação alguma na travessia da ponte. Apenas, Godofredo Pinto sabe que a dengue não é um acontecimento episódico e, sim, cíclico.

O reforço gaúcho
O reforço de médicos para ajudar no combate à dengue, no Rio, veio de vários Estados. Depois de obter autorização do Cremerj para trabalhar na cidade, os profissionais foram se distribuindo entre as unidades de saúde cariocas. Para muitos desses voluntários, é também a oportunidade de se aprimorar no tratamento e combate de epidemias. Foi o que disseram algumas das especialistas que vieram na delegação do Rio Grande do Sul, com 15 jovens médicas. “Sabemos que a saúde pública no Rio é muito precária. Nossa expectativa é também aprender”, disse a gaúcha Fernanda Schwertz, que pretende se especializar em medicina de família e comunidade. Uma experiência de mão dupla.

PAULO ALVADIA/AG. O DIA

SOLIDARIEDADE As médicas gaúchas
Virgínia Nóbrega (à esq.), Janaína Andriguetto
e Fernanda Schwertz