Leões, girafas e tambores. Quando se pensa em África do Sul, imagens da vida selvagem e da cultura negra são as primeiras coisas que vêm à cabeça. Berço da humanidade, o continente africano atrai um número cada vez maior de turistas, curiosos para desvendar seus mistérios. Segundo dados oficiais, só a África do Sul recebeu 5,8 milhões de visitantes em 2001. Destes, 4,1 milhões residem em outros países da África, como Lesoto, pequena nação cravada no meio do território sul-africano, de onde partem 1,5 milhão de turistas. O restante chega dos quatro cantos do mundo, em especial da Inglaterra, Alemanha e Holanda. Agora, a África do Sul se empenha para se firmar como destino turístico em regiões da América e da Ásia que nunca prestaram atenção a seus atrativos. “Até o fim do apartheid, visitar a África do Sul era politicamente incorreto. Oito anos após a eleição de Nelson Mandela, o fluxo de turistas aumentou muito e hoje cresce em média 4% ao ano”, diz Blacky Komani, diretor da South African Tourism para a América, segundo homem na hierarquia do órgão de turismo daquele país.

O Brasil envia 17 mil turistas por ano. Não há quem não delire ao encarar um elefante, livre e enorme, a dez metros de distância. Recentemente, no entanto, atrativos raramente associados à região têm conquistado visibilidade internacional. A África do Sul possui hotéis de altíssimo nível, restaurantes de causar inveja a muitas nações européias e vinhos que merecem elogios de qualquer sommelier. Blacky Komani destaca o câmbio local favorável como mais um motivo para conquistar os brasileiros. Um rand está cotado a US$ 0,10 ou R$ 0,25. Uma corrida de táxi que em São Paulo custaria R$ 15 pode sair por 20 rands em Johannesburgo, assim como uma dose de uísque escocês vale 8 rands no bar do hotel, o equivalente a R$ 2. Da mesma maneira, um jantar em um restaurante chique – com entrada, prato principal, sobremesa e vinho – não ultrapassa US$ 15 por pessoa, algo impossível nos Estados Unidos. A confiança na demanda brasileira é tanta que a South African Airways, companhia estatal de aviação, lançou na segunda-feira 1º o quarto vôo semanal entre São Paulo e Johannesburgo.

Do sofisticado ao rústico, opções de passeios não faltam. Difícil é montar um roteiro com menos de dez dias. Johannesburgo, porta de entrada para a África do Sul, foi escolhida para ser a sede da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – a Rio + 10 – entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro. Poluída e violenta, a principal cidade sul-africana não possui atrativos suficientes para conquistar os 65 mil visitantes, provenientes de 189 países, esperados para o encontro. A novidade é o Museu do Apartheid, inaugurado em dezembro do ano passado, que apresenta imagens, fotografias e documentos para explicar a intolerância racial que virou sinônimo da história do País desde 1923, quando foram designados os primeiros bairros específicos para abrigar a população negra. A partir da década de 50, a eles foram designadas estações de trem específicas, restaurantes e banheiros públicos especiais. Até em certos bancos de praça foram proibidos de sentar. Logo na entrada do museu, o visitante ganha um cartão com as palavras “branco” ou
“não-branco” – que pode não corresponder a sua cor de pele verdadeira. O objetivo é proporcionar ao turista a sensação nada agradável de ser discriminado. E ai daquele que desrespeitar o caminho determinado por seu cartão…

Em Soweto, bairro planejado para afastar os negros do centro de Johannesburgo, fica a casa onde Mandela morou antes de ser preso, em 1964. Pintado nos muros e até em vitrais de igrejas, o rosto do ex-presidente está por toda parte, como o de Che Guevara em Havana. Na costa sudoeste do país, barcos apinhados de turistas saem da Cidade do Cabo para Robben Island, conhecida também como Ilha das Focas, só para ver o presídio político onde o ídolo da resistência negra morou por 27 anos. Cravada no litoral do Atlântico a poucos minutos do lendário Cabo da Boa Esperança, a Cidade do Cabo, sede do Poder Legislativo, parece o Rio de Janeiro com suas montanhas. À beira do mar, com 1.067 metros de altura, a Table Mountain é a versão africana do Pão de Açúcar, com direito a bondinho e descida de rapel para os mais corajosos. Ao pé da montanha, na praia de Bantry Bay, uma casa com dois quartos não sai por menos de US$ 500 mil, mais de R$ 1,4 milhão.

Mas ninguém volta da África do Sul sem fazer pelo menos um safári. Além do famoso Kruger Park, um parque nacional com 2,5 milhões de hectares e mais de dois mil leões, localizado na divisa com Moçambique, há cerca de 200 reservas privadas especializadas na prática de safári no país. Uma delas, a Shamwari Game Reserve, fica a uma hora de Porto Elizabeth e recebeu pelo quarto ano consecutivo um prêmio internacional de melhor unidade de conservação. “Começamos em 1991 com seis leões e hoje temos dez. Eram 29 elefantes e hoje são 60”, enumera o gerente geral Joe Cloete. Incentivada por ambientalistas, a prática é apontada como responsável por salvar da extinção os Big Five, como é chamado na
África do Sul o quinteto leopardo-leão-rinoceronte-elefante-búfalo. “É preciso manter um número grande de antílopes para alimentar os leões. Só no ano passado, nossos seis leões consumiram 118 animais. O preço dos bichos é alto. Um leão custa US$ 2,5 mil, um rinoceronte branco,
US$ 37 mil, e um preto, US$ 55 mil”, conta Cloete. Os turistas, claro, trocaram os rifles por máquinas fotográficas e substituíram as tendas de lona por luxuosas hospedarias com conforto e estilo, os lodges. Nada comparável às tendas de palha dos autênticos habitantes da savana nem às ocas dos zulus.

Das nove etnias que formam a população original da África do Sul, os zulus são o grupo hegemônico. Sua língua é também a mais praticada no país depois do inglês. Há na África do Sul 11 idiomas oficiais: o inglês, o africâner – imposto pelos colonizadores holandeses – e nove línguas nativas. Enquanto os idiomas indígenas no Brasil se restringem às aldeias, os negros daquele país (90% da população) preferem conversar entre si em línguas pátrias, como zulu, sotho, venda ou xhosa. Muitos costumes ainda se mantêm. “Os homens podem se casar com até quatro mulheres. Mas poucos o fazem porque é muito caro. Para cada sogro é preciso pagar um dote que chega a US$ 20 mil, o equivalente a 15 vacas, dependendo da noiva. As mulheres brancas não custam nada”, brinca Julius Mkhize, um solteiro de 26 anos, guia na Shamwari Game Reserve.

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Aprender duas ou três palavras em dialeto africano, visitar uma autêntica casa zulu e assistir a uma apresentação de dança são espetáculos à parte. No Shakaland, um parque a uma hora e meia de Durban, no Estado de Kwazulu-Natal, uma grande família zulu ainda reside em ocas, utiliza ervas como medicamentos e confecciona o colorido artesanato desenvolvido por seus antepassados. Não se assuste se uma jovem seminua lhe oferecer um gole da amarga cerveja de milho que acabou de fazer. Faz parte do ritual de boas-vindas deste povo, misterioso e cativante como todo o seu país.


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