A segunda-feira 1º de julho entrou para a história como o dia em que os pentacampeões mundiais aterrissaram em Brasília. Mais de 500 mil pessoas foram às ruas, numa das maiores concentrações já registradas na capital. No Palácio do Planalto, a descontração era tanta que o corintiano Vampeta chegou a dar cambalhotas na frente do presidente Fernando Henrique Cardoso. Um clima de euforia generalizado, bem distante de exatos oito anos atrás, quando um tenso ministro da Fazenda anunciava o nascimento do Plano Real, a âncora que debelaria a inflação galopante e lhe daria dois mandatos de presidente da República.

O aniversário não passou em branco. O real registrou, oito anos depois do nascimento, seu menor valor em relação ao dólar. A cotação da moeda americana foi a R$ 2,90. O mercado financeiro, tão nervoso quanto os torcedores cariocas que jogaram pedras no ônibus da Seleção no final antecipado do desfile da vitória, só ofereceu uma trégua na quarta-feira 3. A Bolsa, que operava em baixa, e o câmbio, sempre pressionado, reagiram bem após o Banco Central (BC) anunciar que vai torrar
US$ 1,5 bilhão das reservas até o final do mês para segurar a cotação do dólar. “Estamos gerando liquidez, não é uma intervenção”, disse o diretor de Política Monetária, Luiz Fernando Figueiredo. Desde então, o mercado está consumindo uma “ração diária” (nas palavras dos próprios operadores) de dólares para se manter calmo.

A operação funcionou durante dois dias. Na quinta-feira, a boataria em torno das pesquisas eleitorais fez o dólar voltar a subir 1%, para
R$ 2,883 (às 15h). O economista Guido Mantega, assessor econômico do candidato petista à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, apoiou, com ressalvas, a decisão do BC. “Não é só especulação. Há uma demanda real por dólares em espécie para pagamento de compromissos externos. O setor privado só vem conseguindo rolar a metade de suas dívidas. O restante tem que ser liquidado”, explica. Pelas contas do economista, ao longo do segundo semestre empresas brasileiras terão que buscar no mercado cerca de US$ 7,5 bilhões. Mas, depois de outros cálculos, Mantega chega a uma conclusão otimista. “Se o quadro não piorar, o País terá dólares suficientes para fechar o ano. O BC tem cacife para bancar esse jogo”, diz. A crítica de Mantega à operação diz respeito ao limite diário de US$ 100 milhões que podem ser colocados no mercado. “A demanda do mercado não é fixa.”

Mesmo com os elogios da oposição, ainda restam dúvidas a respeito da durabilidade da eficácia da “ração”. Afinal, desde meados de maio o
BC tem lutado contra o nervosismo do mercado e outras medidas, como o aumento do depósito compulsório
pelos bancos, já foram solenemente ignoradas pelos operadores. O economista-chefe do Lloyds TSB, Odair Abate, acredita que a medida, apesar de necessária, não é suficiente para conter a desvalorização do real. “A apreensão do mercado com as eleições e o futuro governo demandam sinais mais tranquilizadores”, diz. O ex-diretor
da área externa do BC, Emilio Garofalo Filho, disse à Agência Estado que a
taxa de câmbio deve continuar flutuando, mas num outro nível e com um grau menor de volatilidade. “O BC mostra com essa decisão que finalmente a Copa do Mundo acabou e ele despertou para o fato de que sua presença é fundamental para o mercado.”

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, por sua vez, adotou um discurso de pentacampeão e destacou a redescoberta da auto-estima brasileira. Ele disse que empresários, trabalhadores e toda nação deveriam adotar esse mesmo espírito que levou a Seleção Brasileira de futebol à conquista do pentacampeonato. “O Brasil já viveu outros momentos de turbulência e foi capaz de superá-los. E não será diferente desta vez.”

O problema de Malan é que os investidores estrangeiros podem ter se encantado com os Ronaldinhos, mas, no campo financeiro, ainda olham para o Brasil com muita desconfiança. Em várias reportagens nos últimos dias, o jornal financeiro inglês Financial Times foi o porta-voz informal das críticas da comunidade financeira internacional. O diário classificou a situação brasileira como “crítica” e apontou um esfriamento generalizado dos mercados de títulos de países ditos emergentes por conta da nossa crise. “O risco de contágio brasileiro é crescente”, imprimiu o jornal, citando o economista-chefe do banco ING, Philip Poole.

As agências internacionais de classificação de risco catalisaram a crise na forma do rebaixamento da cotação dos títulos da dívida brasileira. Elas influenciam a decisão do investidor ao graduar o nível de risco de cada país estudado. A última a cravar tinta vermelha no boletim do Brasil foi a Standard & Poor’s. A diretora da agência, Lisa Schineller, no entanto, disse não acreditar que o País está à beira de um calote. O Fundo Monetário Internacional (FMI) fez coro e afastou a possibilidade de colapso no curto prazo. O risco-país, calculado pelo JP Morgan, também continua refletindo o medo em relação à saúde financeira do Brasil, que é colocado ao lado da Nigéria como de altíssimo risco para investimento. Na prática, o dinheiro estrangeiro tem ido embora. Junho registrou a maior evasão de divisas internacionais da Bolsa de São Paulo desde dezembro de 1998 (véspera da desastrada desvalorização do real): R$ 1,014 bilhão bateu as asas de volta ao país de origem.

O presidente do BC, Armínio Fraga, disse que o Brasil precisa de 30 meses para receber o chamado “investment grade” das agências de classificação – um patamar de confiança elevado, praticamente um sinal verde para os negócios estrangeiros no País. “É um projeto perfeitamente factível, as bases estão lançadas. Se formos disciplinados, poderemos obter isso”, afirmou. Representando o setor produtivo, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Horacio Lafer Piva, estrilou com o prazo, que considerou “demasiado”. “É preciso baixar rapidamente a taxa de risco do Brasil. Ela impede o crescimento de investimentos e do País.”

Mais uma prova de que a crise vai durar, pelo menos, até que os votos da eleição presidencial sejam apurados, foi dada na terça-feira 3. Tudo corria com relativa tranquilidade até que uma suposta pesquisa do Vox Populi começou a circular pelo mercado. O levantamento, que mostrava uma subida do candidato do PPS, Ciro Gomes (e por isso causou estragos, fazendo o dólar bater mais um recorde, chegando a R$ 2,91), só foi divulgado no final da tarde da sexta-feira 5.

Num corte rápido para a economia real, longe das mesas de
operações, é possível observar sinais preocupantes. A indústria automobilística, por exemplo, apontou uma queda de 9,7% na produção no primeiro semestre, em relação ao ano passado. As vendas no mercado interno despencaram ainda mais, um total de 17,7%, na comparação semestral. Com o mercado interno retraído e com a Argentina aniquilada (as exportações caíram 16,1%), os pátios lotam e as montadoras já acenam com demissões.

Nas telecomunicações, o cenário também é dramático. A inadimplência bate recorde atrás de recorde e as dívidas em dólar das operadoras tornam-se, aos poucos, insustentáveis. O desemprego na Grande São Paulo beira os 20% (o que significa que um entre cinco adultos está parado). A inflação dá sinais de força e já beira os 6% no acumulado do ano (nos oito anos de real, a conta já supera 100%). O crescimento da economia, nos 12 meses encerrados em março, é de insignificante 0,5%.

O presidente da Varig, Ozires Silva, faz um relato precioso do efeito da crise financeira na vida das empresas. Segundo ele, a desvalorização do câmbio nos últimos meses anulou toda a economia de custos conseguida pela empresa desde setembro do ano passado. Diante disso, ele disse esperar uma definição rápida do BNDES sobre o aporte de
US$ 300 milhões solicitado pela empresa como uma ajuda emergencial. A expectativa é de que a operação seja fechada até 30 de outubro deste ano, mas Ozires espera que isso ocorra antes desse prazo.

A crise, cujo estopim definitivo foi acendido pelo Banco Central no final de maio, quando antecipou as mudanças das regras da remuneração dos fundos de investimento e, por tabela, provocou a desvalorização dos títulos da dívida brasileira, acabou por reavivar um fenômeno típico da era inflacionária, anterior ao Plano Real. A boa e velha caderneta de poupança voltou a brilhar. A fuga dos investidores das aplicações em fundos de investimento rendeu à caderneta a maior captação líquida de sua história, iniciada em 1966. Segundo o BC, a modalidade de investimento recebeu, em junho, R$ 6,092 bilhões. Em maio, apenas
R$ 499 milhões haviam ingressado na poupança – um investimento considerado de baixo risco e baixa remuneração pelos analistas.

Colaboraram: Célia Chaim e Sônia Filgueiras

Cresce a tensão pré – eleitoral

Embolou o meio-de-campo. O Jornal do Brasil publicou no sábado 6 a pesquisa do instituto Vox Populi, que aponta empate técnico na disputa pelo segundo lugar na corrida presidencial. Ainda dentro da margem de erro, a sondagem mostra que o candidato do PPS, Ciro Gomes, ultrapassou, pela primeira vez, o tucano José Serra. De acordo com o levantamento, Lula (PT) manteve a liderança, com 39% das intenções de voto. Em meio à embriaguês cívica pelo pentacampeonato, a pesquisa Vox Populi foi feita nos dias 2 e 3 deste mês, quando o presidente Fernando Henrique participava da megacomemoração em Brasília ao lado dos craques da Seleção, transmitida pela tevê durante dez horas para todo o Brasil. O resultado prova que a conquista da Copa do Mundo não beneficiou o candidato do governo.

Os analistas atribuem o crescimento a uma combinação da exposição na televisão com a utilização da atriz global e namorada do candidato, Patricia Pillar, como âncora dos programas da coligação. A reviravolta afeta não só os humores dos operadores de mercado. Serra passou a semana se recusando a comentar pesquisas, mas, na quinta-feira 4, reconheceu que os números são flagrantes de momento e minimizou o crescimento do adversário: “É normal, porque houve uma exposição grande dele (Ciro) na televisão. Qualquer candidato que aparece muito acaba subindo.” O presidente do PMDB, Michel Temer, foi na mesma linha: “Os números não devem impressionar muito neste momento. O que vale, mesmo, é a campanha na tevê. A flutuação agora é mais que natural.” O presidente do PT, José Dirceu, apesar do crescimento de Ciro, não acredita na manutenção dos índices: “Acho até que pode não haver segundo turno, mas, se houver, o adversário deve ser o Serra.” Feliz pelo pulo nas pesquisas, Ciro preferiu ironizar Serra: “Recomendo que ele tome Maracujina ou um genérico. Ele vem demonstrando um nervosismo desproporcional. Ainda vamos ter muita emoção até outubro.”

Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz

James Wygand, ou um gringo confuso

James Wygand, 59 anos, é um americano de New Jersey que adora o Rio de Janeiro, torce pelo Fluminense e passou impunemente pela Copa do Mundo. Enquanto a equipe de seu país permaneceu na competição, ele torceu pelos Estados Unidos até as quartas-de-final (sabendo que a seleção americana estava dando passos maiores que as pernas). Depois, vestiu a camisa verde-amarela e comemorou o penta sem drama de consciência. Wygand está aqui há 37 anos, mais da metade de sua vida, o que até permitiria dizer que ele é mais da metade brasileiro. É gerente-geral para o Cone Sul da empresa Control Risk, uma das maiores do mundo na área de segurança empresarial, com atuação muito forte na área de inteligência corporativa. A Control Risk é frequentemente consultada por estrangeiros sobre investimentos no Brasil, aquisições e fusões com empresas brasileiras. As opiniões de James Wygand, especialista exatamente nessa área, pesam muito entre os clientes “aliens” da empresa. São opiniões que vão contra a corrente do mercado financeiro, que se transformou em uma gangorra movida a pesquisas eleitorais. Wygand, que não vota, admite no artigo que se segue que voltou a ser um “gringo confuso” diante da especulação de que uma só pessoa possa levar o Brasil ao caos.

“Lembro-me do dia em que cheguei ao Brasil. Fui direto a Copacabana e fiquei deslumbrado com a beleza do lugar. Disse ali mesmo que levaria algum tempo antes de sair deste país tão bonito.

Continuo deslumbrado – não somente com a beleza do Rio de Janeiro, mas também com as especulações sobre as eleições presidenciais e a noção de que, após eleições diretas para a Presidência, uma nova Constituição e até um impeachment, ainda há quem diga que a eleição de uma só pessoa pode levar o País ao caos. No mínimo, é estranha essa hipótese. Como dediquei a minha vida profissional a “interpretar” o Brasil para investidores estrangeiros, sinto-me na incumbência de dar algum palpite neste “bafafá” todo acerca do “caos hipotético”.

Digo, destarte, que para mim o brasileiro deve eleger quem quiser para seu presidente. Eu não voto. Nem confesso nenhuma preferência entre os candidatos. O que acho interessante é este “zué” todo lá fora. Acho que seria bom colocar as coisas no seu contexto para começar. Em primeiro lugar, eleições livres fazem parte do exercício da democracia. Segundo, os que acham, ou sempre acharam, que o povo não sabe o que quer estão totalmente enganados. Terceiro, deve-se presumir que um indivíduo pode rasgar a Constituição, anular o Congresso e subverter o Supremo Tribunal simplesmente porque foi eleito? Quarto, deve-se presumir que o povo brasileiro e os seus governantes não aprenderam nada durante os últimos 37 anos em que estou aqui?

Como “residente e domiciliado” no Brasil, pai, fã incontestável da bossa nova e do Tom Jobim, carioca de espírito, tricolor convicto e simplesmente “curioso”, vivo os mesmos problemas que os outros. Sofro com a violência urbana e a falta de infra-estrutura social. Fico preocupado com a distribuição desigual de renda, com a pobreza e com outros problemas que tanto afligem os brasileiros. Porém, testemunhei muitas mudanças neste Brasil. Levei essas mudanças às empresas multinacionais que aqui investiram durante os últimos 37 anos.

O Brasil mudou. É um país moderno, dotado de instituições que podem muito bem funcionar – e funcionar bem. Não posso acreditar, baseado no que já vi até o presente momento, que uma só pessoa possa levar o País ao caos, ou ao paraíso, sem contar com as instituições criadas e fortalecidas durante muito tempo. Será que este país é tão frágil assim? Será que uma coletividade de mais de 170 milhões de pessoas não sabe o que quer? Possível? Sim.

Provável? Duvido!

O verdadeiro “truque” da democracia não é a predominância da maioria, mas a garantia dos direitos da minoria. Seja quem for o eleito, a preservação da democracia depende desse simples fato. Qualquer que seja o eleito, ele terá que garantir os direitos de todos. E, se não o fizer, bem, tem o processo de impeachment que já foi utilizado com sucesso. Ou não?

Aos meus colegas, gringos de todas as nacionalidades, dentro e fora do Brasil, digo: “Não esquentem, o Brasil sabe o que quer e pode resolver os seus problemas sem palpite.” Lembro-me que os EUA sobreviveram ao impeachment de Richard Nixon, à guerra do Vietnã que dividiu o país ao meio e entre gerações, à invasão da sua embaixada no Irã, ao assassinato de um presidente, de seu irmão e de um líder negro de enorme influência, a um ataque terrorista no maior símbolo do capitalismo americano, tudo dentro destes mesmos 37 anos em que estou no Brasil, e os Estados Unidos não entraram no caos. Ao contrário, se fortaleceram. Será que o Brasil, por causa de uma só eleição, haverá de ruir? Tenho as minhas dúvidas!”