O microempresário tucano Fernando Tenório Cavalcanti foi procurado em junho de 2001, em São Paulo, por um suposto funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que se identificou com a discrição habitual: “Meu nome é César.” O araponga convidou Tenório para um encontro pessoal no 12º andar de um prédio da avenida Prestes Maia, no centro da capital paulista, que abriga também o Ministério da Fazenda. O convite serviria para detalhar as supostas denúncias que o empresário teria feito contra o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, na Polícia Federal. Tenório foi, o araponga não, mas a história pode revelar a estreita relação entre a PF e a Abin. O enredo dessa tentativa de conversa, contado a ISTOÉ na terça-feira 2, em Brasília, pelo líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha (SP), terminou desembocando numa das maiores encrencas do governo Fernando Henrique Cardoso: a suspeita de que a PF estaria se transformando num braço político da candidatura José Serra, sob o amparo do general Alberto Cardoso, chefe da Abin. Na quinta-feira 4, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) fez um protesto diante do edifício-sede da PF, na capital, criticando a manipulação da instituição. “A polícia está sendo usada politicamente contra o Lula, como foi usada no caso Roseana. O Ciro que se cuide. Hoje quem manda na PF é o general Cardoso”, acusa o presidente da Fenapef, Francisco Garisto.

O nome de Fernando Tenório Cavalcanti apareceu, em novembro de 2000, no ofício explosivo que o escrivão de polícia Roberto Barreto enviou ao delegado Alberto Lasserre, informando que o empresário, identificado como ex-prefeito de São Bernardo do Campo (SP), acusava Lula de comprar imóveis em nome de laranjas. O documento levava o timbre da CPI do Narcotráfico, onde Lasserre prestava assessoria. O próprio Lasserre, também usando um papel oficial da CPI, deu início à investigação. Os documentos não integram o relatório da CPI. “Nunca ouvi falar de nenhuma denúncia contra Lula. Não poderia andar sem a CPI aprovar”, condena o ex-relator, deputado Moroni Torgan (PFL-CE). A história está recheada de contradições e irregularidades. A denúncia não tinha relação com tráfico, Tenório Cavalcanti nunca foi prefeito e, mesmo sem haver o que apurar, só agora o inquérito foi arquivado. O mais grave: Tenório diz que nunca acusou Lula. O delegado Lasserre responde agora a uma sindicância. “Eu reconheço que possa estar sendo usado politicamente”, defende-se o delegado, dando a pista dos possíveis beneficiários do escândalo: “É o Serra que ganha com isso? Não, é o Lula, que posa de vítima.” Sobre a identidade dos responsáveis pela tramóia, Lasserre diz: “Isso tudo é briga interna na PF.”

O governo não imaginava que a briga pelo controle da PF se transformasse num pesadelo eleitoral. A primeira crise da era FHC veio com a demissão do diretor da PF Vicente Chelloti. A degola abriu uma guerra entre o órgão e o chefe da Abin, general Alberto Cardoso. De lá para cá, o Ministério da Justiça, ao qual a PF é subordinada, passou a ser comandado por tucanos: José Gregori, Aloysio Nunes Ferreira e, agora, Miguel Reale Junior. Os chefões da polícia foram escolhidos a dedo. Primeiro o delegado Agílio Monteiro Filho, hoje candidato a deputado federal pelo PSDB mineiro, e, atualmente, Itanor Carneiro. A PF nunca esteve envolvida em tantos casos nebulosos de grampos e espionagem política. O mais curioso é que as vítimas são sempre adversárias do governo.

Em Santo André, o PT também acusa a PF de agir politicamente, quebrando o sigilo telefônico de uma dezena de suspeitos usando como argumento o narcotráfico. O pretexto da PF está sendo investigado pelo Ministério Público. O PT comparou a operação a Watergate – a espionagem política que levou o então presidente dos EUA, Richard Nixon, à renúncia. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, desconsiderou a denúncia feita contra o presidente do PT, José Dirceu, pelo procurador-geral Geraldo Brindeiro. Disse que se tratava de uma acusação de “ouvi dizer”.

Primeira vítima – Um outro caso envolvendo a PF acabou implodindo a candidatura da pefelista Roseana Sarney. Em março deste ano, quando a PF invadiu a empresa Lunus, do marido de Roseana, Jorge Murad, encontrou R$ 1,3 milhão. A operação soou como espionagem. O chefe do clã Sarney acusou os tucanos pela tocaia e apontou o dedo para o então ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, para Serra e para Agílio Monteiro. Esquadrinhando os documentos da apreensão da dinheirama, o advogado da família Sarney, Antônio Carlos de Almeida Castro, reforça: “Nada foi fortuito. O juiz foi induzido a erro na invasão da empresa.” O argumento do advogado se atém ao verbo usado pelo Ministério Público para autorizar a batida policial. Duas empresas eram suspeitas na roubalheira da Sudam: a Agrima e a Nova Holanda. “A Lunus, onde estava o dinheiro, não tinha projetos na Sudam. Para fazer a vinculação, o MP afirmou que a Nova Holanda tinha como acionistas a Agrima e a Lunus. Só que não é verdade”, diz o advogado. De fato, no seu pedido, o procurador de Tocantins, Mário Lucio Avellar, afirma que a Agrima “é composta pela Lunus”. A Lunus saiu formalmente da Agrima em 1993. A Justiça vai dar a palavra final.

A bronca dos federais, no protesto da Fenapef, tem um histórico: três delegados foram afastados de casos rumorosos envolvendo tucanos graúdos. A primeira vítima foi Deuler da Rocha, que investigava o caixa de campanha dos tucanos, Ricardo Sérgio de Oliveira. Ele foi afastado pelo superintendente da PF no Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, amigo e ex-assessor do candidato José Serra. O degredo também foi o destino do delegado José Castilho, que apurava as penas de tucanos no envio de dinheiro para o Exterior, via contas CC-5. O delegado Deuselino Valadares foi outro afastado, no caso Sudam, após Roseana ser detonada. Nunca, como agora, a Policia Federal foi tão policiada.