Entre os mais de quatro mil livros acumulados na sua biblioteca voltada para a cultura popular, o ator, músico, cantor, mímico e bailarino pernambucano Antonio Nóbrega, 50 anos, tem uma predileção especial por um pequeno volume chamado Lunário perpétuo, editado no Porto, em Portugal, e avaliado em R$ 5 mil. Presente de um amigo, o raro almanaque trata de astrologia, de medicina popular, de conselhos de veterinária, da vida dos santos, de conhecimentos agrícolas e de uma infinidade de outros assuntos e generalidades. A preferência tem uma razão especial. Por quase 300 anos, este tipo de publicação se manteve como uma das mais lidas no Nordeste, principalmente por cantadores da tradicionalíssima arte de versejar. Foi inspirado nestas páginas fantasiosas que Nóbrega concebeu o CD e o espetáculo musical comemorativo de seus 30 anos de carreira, intitulado Lunário perpétuo, em cartaz no Sesc Pompéia, em São Paulo, a partir da quinta-feira 11. “Aquele livrinho do povo representa para mim um grande imaginário que referencia tudo o que tenho feito nestes anos”, afirma o multiartista, autor de espetáculos antológicos como Brincante, Segundas histórias e Figural.

À frente de um cenário composto de gravuras nordestinas e fotos
de seus antigos trabalhos, entre outros objetos, Nóbrega e sua banda
de sete músicos desfilam uma inspirada coletânea de cirandas, frevos
e choros, além das formas ancestrais de cantoria e de versões
musicadas dos chamados romanceiros de tradição oral. Na maioria dos números musicais, Nóbrega empunha uma de suas 20 rabecas, instrumento que o fascina com sua sonoridade “roufenha e áspera”. Desde que foi apresentado a uma rabeca, presente do escritor Ariano Suassuna nos tempos do Quinteto Armorial, o artista aposentou seu violino e se dedica a dar nobreza a ela, geralmente produzida de modo rudimentar pelo próprio tocador. “A maneira de o rabequeiro fazer sua música tem uma acentuação, uma ornamentação e uma sintaxe diferente da música clássica. Traz os rudimentos e a base de uma articulação brasileira de tocar.”

Nóbrega já havia cursado um ano de direito, um ano de letras e
estava inclinado a seguir a carreira de diplomata quando Suassuna – mentor do Movimento Armorial – o convidou para integrar o histórico projeto musical que buscou uma síntese entre o erudito e o popular.
“Fui me adentrando devagarinho num imaginário que foi me completando, me vestindo de uma maneira muito mais intensa e integral e do qual nunca mais me apartei”, conta. O resultado desta paixão foi o nascimento de um alter ego, o Tonheta, arquétipo do bufão e da desordem, figura presente em outras épocas e culturas. Na commedia dell’arte, por exemplo, seu parente próximo atende pelo nome de arlequim. “Sei o meu tamanho e não tenho a absoluta pretensão de dizer que o Tonheta seja a síntese de vários personagens famosos, senão seria o maior personagem jamais criado”, afirma Nóbrega, que, no ambiente familiar, é carinhosamente chamado de Toinho.