SÓCIOS IMPROVÁVEIS A estilista Maria Alice
era uma socialite, mas tinha o técnico Damião Oliveira
como seu sócio

Damião Cristiano de Souza Oliveira, 35 anos, vive precariamente com a mulher e quatro filhos em um único cômodo cedido por sua irmã, no bairro da Mangueira, na periferia de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Em 2001, ele foi demitido de uma empresa prestadora de serviços para a Telemar e só conseguiu novo emprego este ano, em um supermercado. Um dos motivos que levaram Oliveira a permanecer tanto tempo desempregado foi o fato de não conseguir convencer a Receita Federal de que não era um empresário especialista em fraudar o Fisco. Oficialmente, Oliveira era um executivo que movimentava contas milionárias e estava mergulhado em dívidas. Nos papéis, o peão da periferia de Nova Iguaçu era sócio da estilista Maria Alice Tapajós Gomes, socialite carioca residente num luxuoso edifício no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.

A história que fez de Oliveira um milionário picareta começa em 1992, quando ele perdeu a carteira de identidade, o CPF e o título de eleitor. Como manda a lei, Oliveira registrou a perda em uma delegacia de Nova Iguaçu e, depois, tratou de tirar nova documentação. Não se sabe como, os documentos perdidos foram parar na sociedade da famosa estilista Maria Alice Tapajós, que teve uma grife com seu próprio nome, hoje extinta, e clientes colunáveis. Maria Alice é acusada pelo Ministério Público Estadual de usar o nome de Oliveira para criar um sócio que herdasse suas dívidas. Sem saber de nada, ele se transformara em dono de empresas quebradas. O desespero chegou quando ele recebeu ordens judiciais para saldar débitos e, ao entregar uma declaração de isento à Receita Federal, foi informado de que era "dono" de cinco confecções e de que o Leão estava ansioso para encontrá-lo.

Depois de quatro anos de investigação da Delegacia de Defraudações, a promotora de Justiça do Rio, Dora Beatriz Wilson da Costa, denunciou, em 13 de março, Maria Alice, seu marido, José Mário Tournillon Ramos, seus filhos José Francisco Tapajós de Oliveira e Antonia Tapajós de Oliveira Ramos, além da comerciária Patrícia da Rocha Carvalho, por falsidade ideológica, formação de quadrilha ou bando e concurso material – crimes cujas penas somadas podem ultrapassar quatro anos de prisão para cada um dos acusados. A denúncia foi recebida pela juíza Natascha Maculan Adum, da 32ª Vara Criminal, e transformada no processo número 2008.001.060664-0. O interrogatório dos acusados, das testemunhas e da vítima está marcado para 11 de junho, às 14 horas. Na ocasião, Oliveira conhecerá sua "sócia" nas confecções. A Receita Federal está levantando se houve sonegação fiscal e qual é o valor total das dívidas das empresas.

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Por mais de dez anos, segundo documentos da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, a identidade de Oliveira foi usada em alterações contratuais das empresas de Maria Alice Tapajós. Ele foi transformado em sócio nas empresas Go West Confecções Ltda. (já falida), Ramos e Abranches Comércio de Vestuário Ltda., JMR Comércio de Roupas Ltda., JMA Comércio de Roupas Ltda. e MAT Comércio de Roupas Ltda. Em comum, além do nome de Maria Alice, essas empresas tinham endereços fictícios e as assinaturas falsificadas de Oliveira e de João Denílson Farias Rosa, um outro laranja. Os endereços dos dois nos contratos também eram fictícios, segundo o delegado Fernando Vilapouca de Souza, da Delegacia de Defraudações, que coordenou o trabalho das perícias contábeis e de grafotécnica, com as quais foi possível constatar as fraudes e falsificações de assinaturas.

FUSÃO CROMÁTICA SOBRE FOTOS: ADREA HAGGE/AG. ISTOÉ E FABRIZIA GRANATIERI/AG. ISTOÉ

SEM SAÍDA Damião morava na Baixada Fluminense,
estava desempregado, mas vivia sob a mira
dos fiscais da Receita Federal

Afundado num mar de lama que não entendia, Oliveira chegou a pensar em pôr fim à própria vida. "Perdi a fé e abandonei a Igreja Maranata. Passei a ter problema de pressão alta e pensei em me matar", disse à ISTOÉ. Ele se emociona ao lembrar que passou por dificuldades com a família, cuja sobrevivência dependeu da caridade alheia. E revolta-se ao saber que chegou a passar num concurso para a Cedae, mas sua admissão foi vetada devido ao episódio do qual fora vítima. "Também perdi o direito de fazer o concurso do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar. Minha vida acabou."

O mapa das alterações contratuais fraudulentas está delineado no processo. A MAT Comércio de Roupas, antiga Alice Tapajós Confecções, inicia suas atividades em 19 de dezembro de 1994, tendo como sócios-gerentes Maria Alice Tapajós e seu marido, José Mário Tournillon Ramos. Em 6 de março de 1996, José Mário sai e entra como sócia a Go West Confecções Ltda. No dia 17 de março de 1998, Maria Alice deixa a empresa, dando lugar a Damião Cristiano de Souza Oliveira e o outro laranja, João Denílson Farias Rosa. Com datas diferentes, o esquema se repete na JMA Comércio de Roupas Ltda., JMR Comércio de Roupas e Go West Confecções. A Ramos e Abranches Comércio de Vestuário tem apenas como sócios os dois laranjas.

Maria Alice, nome influente da sociedade carioca e da moda nacional, teve seu auge profissional nas décadas de 80 e 90. A queda de sua cadeia de grifes coincide com o seqüestro do qual foi vítima, em julho de 1991. Ela foi libertada após o pagamento de US$ 100 mil de resgate. Ao ser procurada por ISTOÉ, a estilista mostrou- se preocupada com a divulgação do caso e afirmou que sabia que um repórter da revista tentava localizá- la. Sobre as acusações, limitou-se a dizer que não sabia de nada. Mas frisou: "Isso (a reportagem) vai acabar com a minha vida".


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