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Irencyr Beltrão, um dos pioneiros do surfe no Rio de Janeiro, encontrou em seu arquivo essa imagem
única clicada no Arpoador, em 1959. Mais à esquerda na onda, de short preto e sem camisa, ninguém
menos que Jorge Paulo Lemann. Um dos mais admirados empresários do mundo e o homem
mais rico do Brasil, começava a ter contato com o real significado do conceito de “liquidez”.
O próprio Irencyr aparece no meio em pé com Mucio Palma à direita

Recentemente, um fato parou o mundo dos negócios no Brasil. Uma companhia cervejeira, que já havia ultrapassado a Vale, acabara de superar nada menos que a Petrobras em valor de mercado, tornando-se a empresa mais valiosa do País. Nessa hora, novamente os spots se voltaram para a lendária figura de Jorge Paulo Lemann. O líder do grupo egresso do mercado financeiro que trouxe para o mundo empresarial uma visão mais científica de gestão e passou a aplicar técnicas mais conhecidas até então por engenheiros, em universos como os de recursos humanos, formação de preços, remuneração variável, mensuração de resultados, metas, performances, etc… obtendo lucros e números invejáveis e colecionando ao mesmo tempo quantidade considerável de críticos e desafetos. Mas é fato que há poucos empresários no Brasil mais observados e admirados por seus pares aqui e fora do País. O que pouquíssimos sabem é que, bem antes de se aprofundar nos estudos, de ir para Harvard, de se aproximar do professor Falcone, de encontrar sócios certos e de ganhar experiência e conhecimento nas mais diversas fontes, foi nas ondas do mar que Jorge Americano, como Lemann era conhecido por seus camaradas no Arpoador dos anos 60, aprendeu lições que utiliza até hoje para tomar as decisões que costumam gerar bilhões de reais. Numa reportagem para a edição de dezembro da “Trip” dedicada inteiramente à praia, o jornalista Pedro Só mergulhou fundo na apuração e conta o que segue: “O Jorge era o mais habilidoso, o melhor de todos nós, disparado”, relata Arduíno (Colasanti, ator e mergulhador italiano radicado no Brasil e contemporâneo de praia de Jorge).

O Jorge em questão é Jorge Paulo Lemann, um dos controladores da AB Inbev, o 36º homem mais rico do mundo, que no final de novembro ultrapassou Eike Batista no posto de mais rico do Brasil. Filho de suíços, Lemann morava no Leblon, em uma casa belíssima em frente ao canal da rua Visconde de Albuquerque. Segundo as memórias dos contemporâneos, era o único que tinha carro, um Ford cinza conversível. Aos 73 anos, o empresário gosta de recordar os tempos de praia, vividos entre 1959 e 1961, antes de trocar o Arpoador pela mais conceituada universidade americana.

Foi o que fez no ano passado, em São Paulo, na palestra “O que aprendi em Harvard”, ao citar que era “um dos melhores surfistas do Rio”. Lemann enalteceu a ideia de assumir riscos de forma responsável, algo que a universidade raramente ensina. Confundindo as unidades de medida, contou sua experiência com ondas de “dez a 12 metros” (certamente dez a 12 pés, algo entre três metros e três metros e meio) numa ressaca em Copacabana. “Eram tão grandes que era impossível nadar por baixo delas. No final, encaixotavam. (…) Peguei a onda, senti o sangue todo correndo para os pés, a velocidade era muito maior do que a que estava acostumado. E consegui sair antes que encaixotasse. Meus colegas falaram: ‘Vamos voltar’. Eu disse: ‘Pra mim, chega’. Gostei de sentir aquele perigo, mas não queria repetir. (…) Em vários momentos da carreira me lembrei daquela onda, me dava mais segurança do que tudo que aprendi na faculdade. Tomar riscos no esporte contribuiu muito para tudo que aconteceu na minha trajetória.” (Nos anos 90, depois de muito tempo sem surfar, Lemann foi ao Havaí e não resistiu a alugar uma prancha. Foi castigado com uma queda que lhe fraturou a costela.)

Lemann quase foi expulso de Harvard por comemorar o fim de seu primeiro ano letivo soltando cabeções de nego – de fabricação brasileira! No Rio, chegava a matar aulas em dias de mar excepcionalmente bom. Seu sonho de moleque era ser o maior tenista do mundo (foi pentacampeão brasileiro e jogou pela Suíça na Copa Davis de 1962), mas as ondas grandes o levavam para outra dimensão. “Era emocionante. Minha mãe às vezes tinha que me tirar do mar para me levar para um torneio de tênis”, revelou, em depoimento a um documentário (ainda inédito) sobre a história do surfe no Brasil.

Com as pranchas inadequadas e pesadas da época, aconteciam acidentes: Lemann precisou costurar a testa e teve cortes nos dedos após algumas trombadas. Mas aprendeu no Arpoador lições que soube tornar valiosíssimas: “Só treinando, só praticando, só ousando você consegue as coisas. Pegar as maiores ondas possíveis, fazer as coisas mais difíceis… Tudo isso me ajudou a me tornar o empresário que eu sou.”

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente