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A novela “Avenida Brasil”, que se tornou mania nacional e cravou a maior audiência do ano (51 pontos no Ibope), não teve apenas como trunfo a presença da personagem Carminha (Adriana Esteves), a mais pérfida vilã da tevê desde os tempos de Odete Roitman. A primeira de suas ousadias foi trazer para o primeiro plano classes sociais que, de um modo geral, só apareciam no posto de coadjuvantes nos chamados “núcleos cômicos”: as classes C e D, que englobam os moradores dos subúrbios e da periferia. Inspirado em Nelson Rodrigues, que esquadrinhou os arrabaldes do Rio de Janeiro em suas “tragédias cariocas”, o autor João Emanuel Carneiro criou um bairro fictício chamado Divino e fez a festa com uma alegre mistura que ia de jogadores de futebol emergentes a arrivistas vendedoras de lojas. Mostrou em horário nobre um retrato flagrante do Brasil que tem aprendido aos poucos a distribuir melhor a fatia do bolo social.

A própria Rede Globo afirmou estar refletindo essa realidade na programação: declarou que, “por um conjunto de variáveis econômicas, as classes populares vêm incrementando sua participação na sociedade e sofrendo mudanças de hábito e de comportamento”. Carneiro seguiu à risca a orientação e transformou cerca de 80% dos personagens em tipos da nova classe média brasileira. Como resultado, a audiência se amplificou e o público da novela, estimado em 46 milhões de pessoas pela revista americana “Forbes”, atingiu até as classes A e B. “As novelas sempre abriram espaço para os núcleos populares”, afirma a cineasta Sandra Werneck. “A novidade foi colocá-los como personagem principal. O autor mostrou que para retratar a realidade hoje deve-se deslocar o foco da elite.”

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Outra novidade apontada por Sandra é a agilidade da narrativa, com recursos próprios do cinema e das séries americanas: “Carneiro criava conflitos que eram solucionados rapidamente e sempre com muito talento. As pessoas ficaram ligadas.” O que mais instigou o espectador, contudo, foi o que o diretor de teatro Marco Antonio Braz define como “implosão do maniqueísmo”, ao opor uma heroína de métodos sórdidos (a chefe de cozinha Nina, interpretada por Débora Falabella) a uma vilã que fraquejava nos bons sentimentos. “No auge, se entendia o comportamento da vilã, mas não se compreendia a vingança que movia a heroína”, diz Braz. Esse seria um reflexo de um momento que se abre para o País, hoje mais preparado para encarar suas contradições sociais. “A novela provou que o espectador atingiu um nível de maturidade. Ele não aceita mais histórias de Branca de Neve e da Bruxa Má.”