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O futuro do ouro negro

O Brasil descobriu, em 2006, uma gigantesca jazida de petróleo, capaz de colocá-lo entre os grandes produtores. Em 2013, terá de pôr em prática o aprendizado dos últimos anos para extrair a riqueza escondida no subsolo marítimo

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Desde que a Petrobras fez as primeiras descobertas de petróleo na camada do pré-sal, em 2006, o Brasil vem trabalhando para consolidar uma cadeia de fornecedores que garanta a extração do “ouro negro” que repousa no subsolo do oceano brasileiro. Com reservas estimadas de até 100 bilhões de barris, a Petrobras, que vai investir quase US$ 70 bilhões até 2016 na cadeia do pré-sal, deve multiplicar por dez sua capacidade de produção em águas ultraprofundas, alcançando a marca de dois milhões de barris diários em 2020. Para atingir essa meta, é preciso vencer enormes desafios, como a licitação de novos poços de petróleo, a partir do ano que vem, ganhos de eficiência para a cadeia de conteúdo local e velocidade para a tomada de decisões que envolvem a Petrobras.

Para contribuir com a discussão sobre o presente e o futuro do pré-sal, a editora Três e a revista DINHEIRO promoveram, na segunda-feira 26, o seminário “O Poder da Energia – Novas Oportunidades de Investimento”, que reuniu seis especialistas no assunto. O evento teve o patrocínio da Petrobras. “Nosso grande desafio é a gestão desta cadeia”, disse o presidente da Transpetro, Sergio Machado, que participou do painel “Pré-sal, um mar de oportunidades”. “Precisamos nos unir para não perder o bonde.”

Inteligência, foco e muita vontade política são necessários para garantir que o País se aproprie de sua riqueza, como lembrou o diretor de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti, que dividiu o palco com Machado e Paulo Sergio Franzosi, coordenador da cadeia de óleo e gás do Sebrae-SP. Cavalcanti instigou o debate sobre as oportunidades de desenvolvimento para a indústria, trazidas com o pré-sal. São Paulo, segundo o diretor da Fiesp, já conseguiu capitalizar o ciclo de riqueza do petróleo brasileiro. “Somos o maior fornecedor da Petrobras”, disse. Franzosi, do Sebrae, por sua vez, lembrou que as oportunidades de negócio com o petróleo não se resumem às companhias de grande porte. “Micro e pequenas empresas têm grandes chances de crescer junto com a Petrobras”, disse o coordenador do Sebrae.

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1º PAINEL:
Da esq. para a dir.: Cavalcanti, da FIESP; Machado, da Transpetro; e Franzosi, do Sebrae-SP

A consolidação desse mercado depende de inúmeras variáveis, como a ampliação das concessões para exploração de petróleo. Com apenas 4,5% dos poços licitados, o Brasil precisa concentrar esforços para empurrar o processo de licitações adiante e garantir as condições para que a Petrobras assegure recursos que permitam a sua expansão. “A riqueza é volátil”, disse Auro Rozenbaum, analista-sênior de petróleo da Bradesco Corretora, que abriu o segundo painel do encontro, intitulado “Futuro: o país que o pré-sal vai construir”. Rozenbaum lembrou que a Petrobras tem uma “tarefa hercúlea” para explorar todo o seu potencial.

O coordenador de energia térmica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Ricardo Pinto, lembrou ainda do enorme potencial de riqueza de um subproduto do pré-sal, o gás natural, insumo de grande utilização pelo setor industrial, mas com preços acima da média mundial. “É preciso aperfeiçoar as regras do setor para reduzir os preços e torná-lo um fator de competitividade da indústria brasileira”, disse Pinto.

O ex-prefeito de São Vicente, deputado federal Márcio França (PSB-SP), lembrou, por sua vez, da necessidade de ampliar a infraestrutura da Baixada Santista, uma das maiores beneficiadas do petróleo que será extraído da Bacia de Santos. “Hoje já temos projetos de aeroporto em Itanhaém, túnel para unir Guarujá a Santos, entre outras grandes obras”, afirmou. O seminário é o segundo da série de Debates Dinheiro, que pretende discutir os principais temas da economia brasileira. Confira, nas próximas páginas, os principais destaques do encontro.

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2º PAINEL:
da esq. para a dir.: França, deputado federal; Pinto, da Abrace; e Rozenbaum, da Bradesco corretora

A retomada da indústria naval

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Na década de 1970, o Brasil era o segundo maior fabricante de navios do mundo. O País competia em igualdade de condições com o Japão. Nas décadas seguintes, uma combinação de escândalos envolvendo as empresas do setor com a quebra da economia brasileira levou à falência a maior parte dos estaleiros nacionais. “Após ser abandonado durante vários anos, o setor foi ressuscitado no governo Lula, com a descoberta do pré-sal”, disse Sergio Machado, presidente da Transpetro, em palestra intitulada “O combustível para o ressurgimento da indústria naval”. Para atrair investimentos, segundo Machado, é preciso uma garantia de demanda, o que já está acontecendo. “O Brasil tem a quarta carteira de navios do mundo”, disse o executivo. “O desafio é mudar a matriz de transporte do Brasil, que é baseada em rodovias.”

O pré-sal, extraído a 300 quilômetros da costa brasileira, precisa ser transportado para virar riqueza, lembrou Machado. A Transpetro, braço logístico da Petrobras, anunciou encomendas de 49 navios até 2020, num valor total de R$ 11,2 bilhões. Até agora, sete embarcações já foram lançadas – a última delas, batizada de Anita Garibaldi, na terça-feira 27, em Niterói (RJ). “Para cada R$ 1 milhão investido no setor, são gerados 82 empregos, R$ 1,9 milhão de renda e R$ 565 mil em impostos”, afirmou Machado. O setor emprega atualmente 60 mil pessoas.

O presidente da Transpetro defendeu, ainda, que sejam feitas parcerias no Exterior. “Temos de aproveitar a crise europeia para trazer tecnologia e pessoas”, afirmou. “Para cada profissional que vier de fora, teremos um brasileiro trabalhando junto para aprender.”
O executivo disse que é necessário explorar o pré-sal com responsabilidade social e ambiental, mas sem demora. “Temos de garantir formas de fazer isso rapidamente”, afirmou. “O mundo não vai esperar o Brasil.” É preciso mudar da postura de arqueólogo para a de visionário, defendeu ele.

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O diretor do departamento de infraestrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti, fez um alerta logo na abertura do painel “Pré-sal – um mar de oportunidades”. “É parcialmente verdade que o petróleo terá grande valor por muito tempo”, afirmou. “Temos de transformar o óleo negro em renda para a sociedade o mais rápido possível.” Cavalcanti salientou que a criação de fontes alternativas de energia no mundo torna ainda mais urgente a exploração do pré-sal.“Silenciosamente, os EUA, que eram tidos como grande cliente potencial do nosso pré-sal, desenvolveram uma técnica de exploração de gás natural não convencional, o shale gas.” 

Segundo Cavalcanti, é consenso entre os especialistas que a extração de petróleo da camada pré-sal abre um mar de oportunidades para o setor industrial, que está preparado para aproveitá-las. “A indústria de base paulista já é a maior fornecedora da Petrobras e das empresas contratadas por ela”, disse Cavalcanti, que comparou o atual desenvolvimento da indústria de petróleo com o ocorrido no setor automotivo em 1960, com a chegada da montadora Volkswagen ao País.

O diretor da Fiesp observou, ainda, que o governo de São Paulo não tem um plano concreto para a indústria de petróleo. “Nada aconteceu para o desenvolvimento do porto de São Sebastião nem em termos de infraestrutura na Baixada Santista”, disse. A expansão do porto, no litoral norte paulista, seria uma alternativa ao congestionado porto de Santos, no litoral sul. De acordo com Cavalcanti, existe um comitê formado por secretários estaduais que não tem interlocução com a sociedade. “Há um impasse entre uma ala que quer investir no pré-sal e outra que deseja reduzir emissões de gases”, disse o executivo.

O quinhão das pequenas no pré-sal

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Basta observar o êxito das rodadas de negócios promovidas pelo Sebrae-SP nos últimos anos para constatar que as micro, pequenas e médias empresas (PMEs) têm uma enorme oportunidade de desfrutar a riqueza do pré-sal, tornando-se fornecedoras dessa cadeia. O primeiro encontro, realizado em 2006, gerou R$ 9 milhões em potenciais contratos. Na última edição, neste ano, a cifra foi dez vezes maior. “A pesquisa mostra que 65% das empresas perceberam que fornecer para a Petrobras significa tornar-se referência no mercado”, disse Paulo Sergio Franzosi, coordenador da cadeia de óleo e gás do Sebrae-SP, que proferiu a palestra “Hora de pensar grande. Como as pequenas empresas podem surfar a grande onda do pré-sal” .

Uma pesquisa feita pelo órgão mostra que 85% das PMEs demonstram interesse nesse mercado, mas 53% alegam não ter estrutura para atender a Petrobras. “O mais difícil é convencer o dono do pequeno negócio a adaptar-se às regras das grandes petroleiras”, afirmou Franzosi. “Há oportunidades em várias áreas, desde o fornecimento de brindes e refeições prontas até a fabricação de peças industriais.” Na lista de potenciais fornecedores, 55% são do setor de serviços e 43% do comércio. Em média, essas empresas possuem apenas 11 funcionários.

Entre as principais dificuldades que as micro, pequenas e médias empresas enfrentam, segundo o Sebrae-SP, estão a falta de mão de obra qualificada, a escassez de capital de giro, o reduzido número de clientes disponíveis e a deterioração do mercado pelos concorrentes. “Para superar os obstáculos, os pequenos empresários precisam sair da inércia e efetivamente procurar as informações sobre como se tornar um fornecedor da cadeia de petróleo e gás”, diz Franzosi. “Uma dica básica é iniciar o processo de obtenção da nota fiscal eletrônica, sem a qual não se podem emitir faturas para os agentes do setor petrolífero.”

Corrida contra o tempo

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A Petrobras foi responsável por um terço das descobertas mundiais de petróleo, na última década. Até 2020, a produção da estatal deve crescer dos atuais dois milhões de barris por dia para mais de cinco milhões. As ações da empresa na bolsa, que hoje estão cotadas na faixa dos R$ 20, podem dobrar de preço nos próximos dois anos. Tudo isso graças ao pré-sal. Apesar das boas perspectivas, a petrolífera terá de superar alguns desafios para não morrer na praia diante de todo esse potencial, alertou Auro Rozenbaum, analista-sênior de petróleo da Bradesco Corretora, durante o painel “Futuro: o país que o pré-sal vai construir”. Segundo ele, o mundo está mudando e o avanço da tecnologia e o descobrimento de novas fontes de energia podem mudar o cenário de competição no setor de petróleo. “A riqueza é volátil”, afirma Rozenbaum. “Podemos acabar com um monte de petróleo na mão, sem valor.”

O fato de os Estados Unidos estarem caminhando para a autossuficiência energética, graças à descoberta de novas técnicas de extração de gás natural não convencional, é um sinal de que é preciso acelerar os trabalhos nos poços do pré-sal. Para isso é necessário resolver dois pontos cruciais nas finanças da companhia. O primeiro é a política de preços da gasolina, que não segue as cotações internacionais para não pressionar a inflação. Somente neste ano, o custo financeiro dessa política para a estatal foi de R$ 8 bilhões até setembro. Como faltam investimentos no setor sucroalcooleiro, o etanol tem baixa produção no País, o que reduz a oferta de combustível alternativo e limita a capacidade de repasse de custos à gasolina pela estatal. “Por causa do pré-sal, desistimos do etanol?”, questiona o analista.

O segundo ponto importante são os investimentos da companhia na infraestrutura necessária para a exploração do pré-sal. Nas contas de Rozenbaum, a Petrobras possui US$ 130 bilhões em ativos que ainda não geram lucro. “Com os equipamentos em funcionamento, o valor da ação pode chegar a um patamar de R$ 40”, estimou Rozenbaum.

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O petróleo do pré-sal deve levar o Brasil a um novo patamar de crescimento econômico. Ao mesmo tempo, uma enorme riqueza pode estar se perdendo, literalmente, pelos ares. Trata-se do gás natural, um subproduto da extração do óleo, que responde por quase 25% da matriz energética mundial. Segundo o coordenador de energia térmica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Ricardo Pinto, se bem exploradas, as reservas brasileiras podem transformar o País em um dos maiores produtores mundiais do combustível. “Precisamos encontrar a nossa vocação para o gás”, afirmou Pinto, durante o painel “Pré-sal, realidade e futuro da energia brasileira”. A complexidade da extração do produto, considerado o patinho feio da indústria de energia, no entanto, o coloca no final da lista de prioridades das empresas que atuam no setor.

Apesar de existirem no País 38 bacias com potencial para a extração do insumo, apenas 5% delas estão sendo exploradas. Esse quadro obriga o País a importar 49% do gás utilizado pelas empresas e termelétricas nacionais. Se bem exploradas, essas reservas poderiam triplicar a oferta de gás no mercado brasileiro.

O que falta, afirma Pinto, é um projeto que garanta o aproveitamento dessa capacidade, e uma política que ajude a baratear o custo do gás. Desde que desenvolveram uma nova técnica para extração de gás não convencional, o chamado gás de xisto, os Estados Unidos, por exemplo, estão aumentando a participação do combustível em sua matriz energética. Atualmente, o gás de xisto responde por 16% do total, ante apenas 1% em 2000. A expectativa é de que o país se torne autossuficiente em gás natural até 2035. “Outros países estão avançando”, diz Pinto. “Cabe a nós decidir o que fazer
com todo esse gás.”

A nova capital do petróleo

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Nenhuma outra região será tão afetada pelo pré-sal quanto a Baixada Santista, no litoral sul de São Paulo, avalia o deputado federal pelo PSB e ex-prefeito de São Vicente Márcio França. Escolhidas pela Petrobras como as bases para a exploração dos mais de dez campos petrolíferos da Bacia de Santos, as cidades de Santos e São Vicente já estão sentindo os efeitos da presença da empresa, especialmente no que se refere à especulação imobiliária. “O preço dos imóveis subiu quase quatro vezes nos últimos cinco anos”, afirma França. Além disso, diversos investimentos estão transformando a região. Algumas cidades devem ver sua população se multiplicar quando a produção de petróleo realmente começar. Praia Grande, por exemplo, tradicional reduto de veraneio da classe média emergente de São Paulo, deve passar de 200 mil para mais de um milhão de habitantes, segundo o deputado.

Entre os investimentos previstos para melhorar a infraestrutura da região, França destaca a construção de um túnel ligando Santos ao Guarujá, percurso que atualmente é feito por meio de balsa. Outra obra importante é a duplicação da rodovia dos Tamoios, que liga a cidade de São José dos Campos, no interior do Estado, a Caraguatatuba, no litoral norte. Ampliada, a estrada serviria para escoar as cargas que chegam ao porto de São Sebastião. Com águas mais profundas que o porto de Santos, o terminal de São Sebastião poderia ser uma alternativa para navios maiores, que hoje não podem atracar no maior porto da América Latina.

O ex-prefeito prevê ainda um aumento dos problemas sociais na região. Essa é a principal bandeira levantada pelos opositores da lei que altera a distribuição dos royalties do petróleo. Aprovada pelo Congresso, ela aumenta o repasse para as cidades não produtoras. “Isso não é justo com as localidades que sofrerão o maior impacto”, afirma França.

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