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Das sete vezes que caiu na piscina do Centro Aquático de Londres, em setembro passado, o paulista Daniel Dias saiu dela com seis medalhas de ouro no peito. Os Jogos Paralímpicos da capital inglesa representaram a consagração do nadador, que na edição anterior, em Pequim-2008, já havia levado outras nove medalhas – quatro delas de ouro. De volta ao Brasil, o atleta, escolhido Brasileiro do Ano no Esporte Paralímpico, se empenhou em comemorações aqui e acolá, desfilou de carro aberto na mineira Camanducaia, cidade onde foi criado, em Bragança Paulista, interior de São Paulo, onde mora e treina, e na capital paulista, e se encontrou com a presidenta da República Dilma Rousseff. Fez tudo isso, e muito mais, já focado no desafio seguinte, o casamento, que diz ser muito mais valioso do que qualquer uma das 15 medalhas conquistadas em sua meteórica carreira, iniciada em 2005.

E foi assim, alinhado em um terno e gravata, mais tenso do que em qualquer disputa dentro da água, que Dias, 24 anos, cumpriu o compromisso assumido em janeiro – quando noivou com a administradora de empresas Raquel Andrade – e fechou um ano glorioso de sua vida com a presença de 800 convidados. Mas o que teria sido mais difícil nessa temporada vitoriosa: encarar o casamento ou abocanhar seis medalhas paralímpicas em sete possíveis? “Ah, é mais fácil ganhar medalha, hein”, diz o atleta, aos risos. É natural que pense dessa forma, já que nadar é um dom com o qual ele nasceu. Ou, então, o que dizer sobre alguém que aprendeu os quatro estilos (crawl, costas, borboleta e peito) de uma só vez, em apenas oito aulas?

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EXPLOSÃO
Cena frequente em Londres: água para o alto em
comemoração às seis medalhas de ouro em sete possíveis

Aqui, um fato tem de ser levado em consideração. O atleta nasceu com graves deformações nos membros superiores – seu braço direito vai até o cotovelo e o esquerdo também é mais curto e apresenta apenas um dedo, o indicador. Mais: sua perna direita só chega à altura do joelho. Até sete anos atrás, sua única meta ao entrar em uma piscina era apenas não se afogar. Em 2005, porém, na sua segunda aula de natação, Daniel conseguiu atravessar uma piscina de 50 metros. No ano seguinte, no Mundial da África do Sul, onde competiu internacionalmente pela primeira vez, ganhou três medalhas de ouro e duas de prata. Daí para o olimpo foi um salto. Em 2008, nos Jogos de Pequim, esteve novamente no lugar mais alto do pódio – foi apelidado de Michael Phelps paralímpico, em alusão ao ex-nadador americano que mais conquistou medalhas olímpicas na história (19, no total).

O seu desempenho na China rendeu-lhe o Prêmio Laureus, espécie de Oscar do esporte, como o melhor atleta paralímpico de 2008. Tornou-se um dos quatro brasileiros a levantar individualmente o troféu, além dos ex-jogadores de futebol Pelé e Ronaldo Nazário e o skatista Bob Burnquist. Este ano, em Londres, além dos 2,4 quilos de ouro maciço que trouxe no pescoço (cada uma das seis medalhas conquistadas pesa 400 gramas), o nadador foi o porta-bandeira da delegação nacional na abertura dos Jogos. “Daniel é um ser que, é só bater o olho nele nadando, foi feito para a água. É o seu Habitat”, diz o ex-nadador Ricardo Prado, prata na Olimpíada de Los Angeles 1984. “É um privilégio assistir a alguém com a deficiência que ele tem se dar muito bem na água.” Daniel é dono de sete recordes mundiais.

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REVERÊNCIA
Ídolo nacional: depois de desfilar em carro aberto, foi
recebido com honras pela presidenta Dilma Rousseff

Dentro da água, o segredo do atleta está em sua perna esquerda, a que não possui deficiência. Para mantê-la forte, o nadador puxa apenas com ela 150 quilos no aparelho de musculação leg press. “O meu motor é a minha pernada. Os braços são importantes na natação, mas esses aqui quase não puxam água”, conta Dias, enquanto sobe as escadas até o seu quarto na casa dos pais, em Bragança Paulista, para mostrar os troféus e medalhas. Com o dinheiro que conquistou nadando, ele ajudou a família a construir a casa. Para o atleta, que caminha graças a sensores digitais que fazem o papel do joelho na perna direita, na qual ele utiliza uma prótese, nenhuma honraria substitui o heroísmo de seus pais, o engenheiro Paulo e a dona de casa Rosana. “Eles nunca colocaram limites para mim do tipo ‘ah, ele não vai conseguir fazer tal coisa’. Sempre me deixaram ver até onde eu poderia chegar”, diz ele, que é patrocinado por quatro empresas e apoiado por outras duas.

Daniel é patrocinado por quatro empresas e conta com  o suporte de
uma equipe multidisciplinar composta por seis profissionais

Rosana, que deu à luz aos 17, lembra que, na época do nascimento de seu único filho, pediu sabedoria a Deus e passou a viver um dia de cada vez. “Hoje, Daniel é independente e faz tarefas melhor que a gente. Deixamos ele arrumar a própria cama, se trocar, varrer a casa, cuidar da sua higiene pessoal, tudo sozinho”, diz ela. Não à toa, o nadador abre um sorriso, largo e marcante, e afirma que o seu sonho, atualmente, é construir uma família ao lado da mulher Raquel. A aliança, símbolo da união do casal, Dias resolveu carregar no pescoço presa por uma corrente. Preferiu não usá-la no indicador porque tem receio de perdê-la ou danificá-la, já que utiliza o único dedo que possui no braço esquerdo para tudo. Trata o anel como um tesouro. Uma joia muito mais valiosa que qualquer ouro olímpico.

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FORA D’ÁGUA
No mês passado, ao se casar com a administradora de empresas Raquel, em Bragança
Paulista (acima). Ao lado dos Pais, Paulo e Rosana (de blusa vermelha), na formatura
do ensino fundamental, aos 15 anos, em Camanducaia, Minas Gerais

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INFÂNCIA
E aos 6 anos, em Caraguatatuba, litoral paulista

Fotos: Clive Rose/Getty Images; Pedro LADEIRA/AFP; Arquivo pessoal