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O cardiologista Roberto Kalil Filho sobe e desce incontáveis vezes as escadarias do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo. “Não tenho paciência para esperar elevador”, diz Kalil, um dos médicos mais conhecidos, requisitados e influentes do País. De fato, ele evita desperdiçar tempo. Aos 53 anos, dirige o Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês e a Cardiologia Clínica do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Em 2012, tomou como desafio levar o hospital – público – a recuperar a liderança em cardiologia nas áreas de pesquisa tecnológica, ensino e atendimento. “Estou focado nisso”, afirma o médico, que está acostumado a atingir suas metas. No seu primeiro ano de gestão (ao todo, serão 18), promoveu mutirões cirúrgicos para a colocação de marcapassos e para a correção de defeitos congênitos no coração de crianças, reduzindo as filas de espera por procedimentos. Outro marco foi a criação de programas como o que avalia o impacto dos remédios quimioterápicos no coração. Por realizações como essas, Kalil foi escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano na Saúde.

Sua dedicação pode ser comprovada na carreira acadêmica. Ele atingiu o apogeu ao se tornar professor titular de cardiologia da FMUSP. Sua cerimônia de posse foi uma demonstração do prestígio que alcançou. Lá estavam a presidenta Dilma Rousseff, o presidente do Senado, José Sarney, e os políticos José Serra e Paulo Maluf. São todos seus pacientes. Kalil também cuida da saúde dos senadores Agripino Maia, Fernando Collor e Renan Calheiros e artistas como Gilberto Gil, Tom Cavalcante, Wanessa Camargo e Roberto Carlos, entre outros. “No meu consultório, cargos e fama ficam da porta para fora. Eu trato pessoas.”

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ENCONTROS
Lula é paciente e amigo do médico. Ao centro, com Geraldo Alckmin e sua esposa,
Lu, na posse como professor titular da USP. O registro do abraço fraterno
de Dilma está em um porta-retrato na sala de seu apartamento

Um dos clientes mais antigos é o ex-presidente Lula, que chegou em 1994 por indicação do advogado Roberto Teixeira. Os dois ficaram próximos a ponto de marcar pescaria. “Kalil é um ser humano tão especial que se não tivesse nascido, Deus teria que inventá-lo agora. Porque a combinação de competência profissional, trato humanista e uma compreensão da importância de cada paciente fazem dele um ser humano quase perfeito”, disse o ex-presidente à ISTOÉ. Com Dilma, criou-se uma relação de confiança. “Compartilhei com ele a dor do meu tratamento e a alegria da cura, sempre sabendo o que estava acontecendo. Esta relação de absoluta honestidade evoluiu para uma grande admiração profissional”, disse Dilma à ISTOÉ. Ela venceu um câncer linfático em 2009. “Kalil alia capacidade técnica com uma relação transparente ímpar com os pacientes. Ele é um símbolo da excelência médica brasileira”, afirmou a presidenta.

Com um talento natural para a articulação política, o cardiologista circula por todas as esferas de governo. Ele se vale desse dom para captar recursos para o InCor. “Você tem de usar o que Deus te deu para o bem. Não posso negar que tenho um canal direto com quem decide. Então visito, telefono, reclamo o apoio”, conta. O governador Geraldo Alckmin e o secretário estadual de Saúde, o médico Giovanni Cerri, recebem constantemente suas ligações. “Foi o Cerri quem me aconselhou, há anos, a preparar meu currículo para um dia ser professor titular. Eu nem pensava nisso”, lembra.

A estratégia tem se mostrado eficaz. “Em breve começaremos a reforma do pronto-socorro com verbas do Estado. E a partir deste ano, o InCor e o Hospital das Clínicas passam também a receber, respectivamente, mais R$ 30 milhões e R$ 50 milhões do governo federal”, diz Kalil. Sua ação decisiva nesse processo está registrada em uma rara moção de agradecimento redigida pelo Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas.

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MEMÓRIA
O ex-presidente Figueiredo frequentava a casa da família de Kalil

No Sírio-Libanês, seu jeito de trabalhar também é admirado. “Esse menino sabe usar bem o poder para multiplicar resultados desejáveis”, elogia Gonzalo Vecina, superintendente do hospital. Em 2008, o Sírio inaugurou um centro de cardiologia idealizado por Kalil para ser uma referência nacional. É lá que ele interna e acompanha de perto os seus pacientes. Recentemente, a instituição criou uma unidade-modelo para tratar a insuficiência cardíaca.

O convívio com os políticos não é novidade na vida do médico. Ainda menino, passava horas ouvindo as longas conversas entre os pais – Roberto e Guiomar – e amigos como o general João Baptista Figueiredo e Paulo Maluf, frequentadores da casa da família em São Paulo. O hábito se manteve durante os anos de faculdade. “Quando Figueiredo estava na Presidência, vinha acompanhado de ministros, governadores, deputados. Eu adorava aquelas discussões sobre política e economia”, conta Kalil. Seu avô materno, Felício Tarabay, também era político. Foi prefeito, deputado e subchefe da casa civil do governador Adhemar de Barros.

Depois de se formar e fazer residência no InCor, Kalil esperava ser contratado. “Em vez disso, o diretor da instituição, o doutor Pileggi, me mandou sumir e estudar fora do Brasil”, lembra. Médico de renome internacional, Fúlvio Pileggi participou da criação do hospital e o conduziu até 1997. Casado com uma tia de Kalil, queria que o jovem médico tivesse uma formação científica sólida. Contrariado, Kalil fez as malas e foi aceito como pesquisador na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. Um dos seus mentores na universidade americana, Robert Weiss, professor de cardiologia e radiologia, ficou impressionado. “Percebi que Roberto se destacaria”, disse Weiss à ISTOÉ. “Ele era inteligente, sério e atento. Aprendia rápido, era produtivo e contribuiu de forma importante para a pesquisa na Hopkins em pouco tempo.” Desse período, Kalil trouxe a clara noção de que é preciso investir no desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias para melhorar a saúde. “Também acredito em eficiência. Sou exigente comigo e com os outros”, define.

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APOIO
A médica Cláudia Cozer, sua esposa, convenceu-o a descansar mais.
Com as filhas Isabella (de branco) e Rafaella, bom humor e carinho

A fama de temperamental do cardiologista é assumida. “Digo o que tem de ser dito”, define. A endocrinologista Cláudia Cozer, casada com ele há oito anos, confirma que o marido tem pavio curto. “Às vezes ele exagera no tom da bronca, mas quase sempre tem razão.” Braço direito do médico há cinco anos, a médica intensivista Ludhmila Hajjar lida bem com a personalidade forte do chefe. “Ele me demitiu, readmitiu e cobra muito, mas dá total suporte e está disponível 24 horas. Aprendo muito”, diz ela, que chefia a terapia intensiva do InCor, do Sírio e do Instituto do Câncer de São Paulo.

No final da jornada, quando chega ao apartamento situado entre o Sírio e o InCor, Kalil se desarma. Ri fácil quando a filha Isabella, 17 anos, pede que abandone a cara de bravo. “Ela está prestando vestibular para medicina”, conta orgulhoso. Provocativo, afirma que os pacientes ocupam o primeiro, o segundo e o terceiro lugar em sua vida. Depois vem a família. “Ele obedece a gente”, devolve a filha mais velha, Rafaella, 20 anos, estudante de direito. Por pressão familiar, há um ano o médico começou a fazer pilates e caminhada e comprou uma casa nos arredores da cidade para onde vai aos sábados. “Estou gostando. Mas volto domingo a tempo de ver os pacientes.”

Fotos: João Castellano/Istoé