Secretária de Estado do governo espanhol diz que seu país aposta nas obras de infra-estrutura no Brasil

 

 

 

 

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Foi na casa de Trinidad Jiménez García-Herrera que se articulou a candidatura de José Luis Rodríguez Zapatero ao Palácio de La Moncloa (sede do governo espanhol). Essa bonita loura de 45 anos, natural de Málaga, no sul da Espanha, é uma das pessoas mais próximas do atual primeiro- ministro espanhol e uma das principais ideólogas da sua política externa, baseada no respeito ao multilateralismo, no fortalecimento das Nações Unidas e na busca da paz mundial. Na semana passada, Trinidad Jiménez, que ocupa o cargo de secretária de Estado para a Iberoamérica no Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação da Espanha, esteve no Brasil. Foi uma viagem preparatória da visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará à Espanha no dia 17 de setembro. Trinidad encontrou-se com os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, e com o assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. Nas conversas, a secretária espanhola reforçou o discurso de que Brasil e Espanha podem ser protagonistas na busca de um novo papel para as nações no mundo, no qual a paz seja o componente fundamental e nenhum país tente impor sua vontade unilateral- Por RUDOLFO LAGO mente. Trinidad também tratou de negócios. De como ampliar no Brasil os investimentos que a Espanha faz na América Latina, que já são da ordem de US$ 150 bilhões. Para tanto, a Espanha aposta nas obras do PAC. Na segunda-feira 3, entre uma e outra visita às autoridades brasileiras, Trinidad Jiménez recebeu ISTOÉ para a seguinte entrevista:

 

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"Ainda que atitudes (de Evo Morales) possam parecer não muito acertadas, elas foram tomadas por um governo legítimo"

 

 

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"A idéia de que o português possa ser absorvido pelo espanhol é só uma provocação intelectual de Saramago"

ISTOÉ – Quais são os planos da Espanha para a América Latina e, particularmente, para o Brasil?
Trinidad Jiménez García-Herrera

 Para a Espanha, a América Latina sempre foi uma prioridade. Na América Latina, temos parte do nosso ser, parte da nossa alma, nossa história, mas também do nosso futuro. Para a Espanha, a relação com a América Latina é um elemento fundamental da nossa política externa. É uma relação que está em todos os níveis: político, econômico, cultural, social. Assim, portanto, queremos ter uma presença e uma relação mais estreita a cada dia. No caso particular do Brasil, trata-se de um grande país. Não só na América Latina como no mundo. Nesse sentido, a relação com o Brasil tem uma dimensão fundamental em termos de América Latina.

ISTOÉ – Quanto representa, em termos de negócios para a Espanha, a América Latina?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Representa muito. A Espanha tem investimentos de US$ 150 bilhões acumulados na América Latina desde os anos 90. É algo extremamente alto: representa 10% do nosso Produto Interno Bruto. Queremos seguir incrementando isso. É algo que pode beneficiar ambas as partes: a Espanha e a América Latina.

ISTOÉ – Nesse contexto, em que posição está o Brasil? .
Trinidad Jiménez García-Herrera

O Brasil é o terceiro destinatário dos nossos investimentos. Em primeiro lugar está a Argentina e em segundo, o México. Mas a participação brasileira na nossa economia é crescente

ISTOÉ – Recentemente, The Economist detectou o surgimento de uma nova classe média nos países da América Latina, por conta da estabilidade econômica e dos programas sociais. Essa é também a expectativa da Espanha com relação ao continente?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Parece haver uma relação entre o que está acontecendo hoje na América Latina e o que aconteceu com a Espanha há 25 anos. Nosso crescimento coincidiu com a chegada da democracia e com a incorporação da Espanha à União Européia. Isso fortaleceu muito não somente a economia mas as condições sociais. Para a Espanha, foram muito importantes a criação de um Estado de bem-estar e o fim dos desequilíbrios regionais. Sem isso, não sei se chegaríamos à situação de hoje, de crescimento e de fortalecimento da nossa economia. Da mesma forma, há 20 anos na América Latina havia ditaduras no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai. Havia conflitos armados na América Central. Agora, praticamente todos os países da região são democráticos. É uma situação de estabilidade política que permite a condução de reformas sociais e econômicas. Isso cria um quadro muito favorável à região.

ISTOÉ – A sra. parece fazer uma relação direta entre a democracia e o crescimento.
Trinidad Jiménez García-Herrera

Esse é um velho debate, se existe relação entre a democracia e o crescimento econômico. Desgraçadamente, terei de dizer que não creio que exista essa relação direta. Mas é certo que melhores condições gerais de liberdade tornam possível a criação de melhores condições de bem-estar para os cidadãos. E, com isso, o crescimento econômico é mais sólido. E se pode projetar melhor o futuro.

ISTOÉ – Nesse sentido, o surgimento de governos com características populistas, como o de Hugo Chávez na Venezuela e o de Evo Morales na Bolívia, preocupa o governo espanhol?
Trinidad Jiménez García-Herrera

O governo espanhol preocupava- se particularmente com a época em que os cidadãos não podiam eleger seus representantes. Agora, a preocupação é com a evolução de processos que estão abertos neste momento. Há situações de incerteza na Bolívia; tensão social nas ruas. O que nós queremos é ajudar esses governos para que tenham a maior estabilidade política possível. São governos que se elegeram com ampla maioria. Ainda que algumas atitudes possam nos parecer não muito acertadas, elas são tomadas por governos legítimos. Então, temos que respeitá-las.

ISTOÉ – O assessor especial do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, lhe pediu empenho para que a Espanha funcione como uma ponte para a entrada do Brasil na União Européia. Como se daria essa ponte?
Trinidad Jiménez García-Herrera

A Espanha tem uma dupla condição: a européia e a latina. Então, temos os melhores requisitos para fazer com que a Europa tenha um melhor conhecimento da América Latina, uma medição mais real do que ocorre aqui, e um compromisso mais forte com o futuro do continente. Na verdade, na União Européia, a Espanha é o país a que todos os demais olham e perguntam quando se trata de tomar uma decisão sobre a América Latina. Eu creio que não há no mundo duas regiões onde exista identidade cultural mais forte do que entre Europa e América Latina. Tradicionalmente estão separados, mas esse é o momento para buscar uma relação de sócios, de aliados.

ISTOÉ – No próximo dia 17, o presidente Lula irá à Espanha e, lá, apresentará um painel sobre as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Que interesse tem a Espanha em termos de investimentos no PAC?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Trata-se, principalmente, de obras de infra-estrutura. As sete maiores empresas do ramo de infra-estrutura no mundo são espanholas. Temos aí um campo enorme onde podemos trabalhar. O seminário sobre o PAC será apresentado no próprio Palácio de Moncloa, a sede do governo. Isso já mostra o significado e a importância do PAC. É um claro respaldo do presidente (do governo) José Luis Rodríguez Zapatero ao plano do presidente Lula e aos empresários espanhóis que queiram investir no Brasil e no PAC.

ISTOÉ – O STF tornou réus de um processo por corrupção exautoridades do governo. Tais situações de corrupção, crise e possível instabilidade política não preocupam quando se trata de escolher em que país investir?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Bem, não gostaria de entrar em questões internas de um país. O Brasil é um grande país, que tem instituições políticas e democráticas muito sólidas. Eu estou convencida de que as instituições vão funcionar perfeitamente. Estou segura de que qualquer assunto vai se resolver institucionalmente e sem riscos de estabilidade. Não existe uma preocupação quanto a isso. Acreditamos muito na democracia brasileira e no fortalecimento das suas instituições.
 

ISTOÉ – Além das obras do PAC, o Brasil hoje desenvolve pesquisas importantes para a utilização do etanol e outros biocombustíveis. Como a Espanha acompanha esses projetos?
Trinidad Jiménez García-Herrera

É muito importante para todo o mundo a pesquisa que faz o Brasil no uso dos combustíveis. É claro que o Brasil tem condições especiais para investir nessa tecnologia. Para nós, seria muito custoso, não seria tão útil nem teria tanta qualidade, porque não temos a possibilidade de plantar cana-de-açúcar. Mas me parece muito importante ajudar nesse campo a investigação que o Brasil está realizando. Porque é uma das alternativas energéticas para o futuro. Nós somos mais competitivos em outros tipos de energias renováveis, como a eólica e a solar.
 

ISTOÉ – Tanto o Brasil como a Espanha condenaram a invasão anglo-americana ao Iraque. Qual o significado desse gesto na aproximação entre os dois países?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Isso gera uma importantíssima identidade entre os dois países no campo da política internacional. Estamos unidos na luta pela paz, pelo respeito ao multilateralismo. Não há no mundo quem não reconheça essa característica tanto no presidente Lula como no presidente Zapatero. São dois países que hoje definem posições muito concretas. Brasil e Espanha se opuseram à guerra do Iraque. Isso definiu o Brasil. Definiu a Espanha. Somos dois países, então, unidos no pensamento de que a política externa deve favorecer o encontro, o entendimento. Que não se permita que nenhum país possa tomar decisões unilaterais. Que se favoreça o respeito entre as diferentes culturas e religiões, que são os elementos de maior tensão no mundo. Estamos, os dois países, trabalhando com Forças de Paz, buscando, assim, um novo papel, um papel pacificador, para as Forças Armadas. É aí que podemos desempenhar um papel importante.
 

ISTOÉ – A Espanha vive de forma intensa o problema do terrorismo. E a oposição critica o governo por lidar com o problema com mais negociação e menos repressão. Esse discurso espanhol pela paz não pode inibir ações eficazes contra o terrorismo no país?
Trinidad Jiménez García-Herrera

A questão do terrorismo na Espanha não pode se misturar à questão internacional. A questão do terrorismo na Espanha é algo que temos que responder em nível interno. Estamos trabalhando, e creio que estamos num momento importante nesse sentido. Nos últimos 30 anos houve mil mortos por causa do terrorismo. Nos últimos quatro anos, houve duas mortes provocadas pelo ETA.

ISTOÉ – O que é mais eficaz: a negociação ou a repressão?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Não há como não se falar em repressão. É um grupo terrorista. É necessária uma ação policial. A negociação só é possível quando há um cessarfogo. Quando deixam de matar, então podemos conversar. Estamos numa democracia, e todos podem expor as suas idéias. Mas ninguém pode querer impor seus pontos de vista com a força e as pistolas.
 

ISTOÉ – Recentemente, o príncipe das Astúrias, Felipe de Bourbon, esteve no Brasil inaugurando várias representações do Instituto Cervantes, de língua espanhola. O que se planeja em termos de incremento cultural?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Nós temos um grande reconhecimento pelo governo brasileiro por ter aprovado a lei que instituiu o ensino da língua espanhola no Brasil. Isso, sem dúvida, foi um impulso para a promoção da língua espanhola. Não só no Brasil. Porque, quando um país das dimensões do Brasil e da sua importância toma uma decisão dessas, isso tem reflexos no mundo. Então, resolvemos fazer um programa de cooperação com o governo brasileiro. Esses centros culturais e o Instituto Cervantes não somente trabalharão para promover a língua espanhola mas também a cultura espanhola, a colaboração entre ambas as culturas. Isso é de uma extraordinária importância para a Espanha.

ISTOÉ – escritor português José Saramago disse que haverá um momento em que Portugal acabará incorporado pela Espanha na Península Ibérica. Nós, no Brasil, também somos um povo que fala português cercado por povos que falam espanhol. O desenvolvimento espanhol ameaça a cultura portuguesa?
Trinidad Jiménez García-Herrera

Saramago é um intelectual conhecido. E, como todo bom intelectual, tem gosto por provocar. Essa afirmação dele não deve ter um sentido estrito, literal. Nós temos uma excelente relação com Portugal. Somos países irmãos, ibéricos. Nosso governo crê no valor e na riqueza da diversidade. Então, seria um erro pensar que o português possa ser absorvido pelo espanhol. Isso é um absurdo. Nós sabemos do valor, da idiossincrasia cultural portuguesa, nós sabemos a força que essa cultura tem. Além disso, hoje nós já não temos fronteira. Ambos somos membros da União Européia. Não utilizamos passaporte para viajar. Há intercâmbio de trabalhadores. Já ultrapassamos a fase de imaginar qualquer rivalidade entre os países. Isso é mais uma provocação intelectual de Saramago. Não existe esse interesse por parte da Espanha e também não existe por parte de Portugal.