Com os olhos anuviados, o lança-teias falhando e os dedos sem a viscosidade que lhe permite galgar arranha-céus, Peter Parker (Tobey Maguire), personagem de Homem-Aranha 2 (Spider-Man 2, Estados Unidos, 2004), cartaz nacional na sexta-feira 2, está com seus poderes aracnídeos completamente avariados. Acaba despencando numa viela alagada e, ao esborrachar-se em cima de um carro, se levanta e reclama: “Ai, minhas costas!” É uma piadinha de bastidores. Saído das filmagens do excelente Seabiscuit – alma de herói, na qual encarna um jóquei, Maguire se queixava de terríveis dores na coluna. Na verdade, era uma desculpa para cair fora da agitada sequência do título milionário, que amealhou US$ 820 milhões ao redor do mundo. Mas a Columbia Pictures lhe ofereceu um cachê de US$ 17 milhões e tudo melhorou. Contrato refeito, o diretor Sam Raimi não só enganchou a gag da dor nas costas no filme como teve garantida a presença do mesmo ator – perfeito no papel –, uma das razões do sucesso do primeiro episódio.

A adaptação de um dos quadrinhos mais famosos do mundo também volta esbanjando a mesma energia e equilibrando alucinantes cenas de ação com ótimas passagens dramáticas, temperadas de humor. Os efeitos do arrasa-quarteirão – que chega a 600 cinemas do País – foram igualmente aperfeiçoados com um orçamento de US$ 200 milhões, US$ 61 milhões a mais que Homem-Aranha. Desta vez, a chamada “spydercam”, câmera que se move num cabo fazendo vôos rasantes para reproduzir o ponto de vista do personagem, chegou a fazer um percurso de 800 metros. Ao todo, foram construídos 100 sets de filmagens. Contudo, a adrenalina de ver o rapaz voando entre prédios e saltando sobre trens em movimento não seria completa se ele não enfrentasse um vilão à altura. Seu novo adversário, bem mais excitante que o anterior, é o cientista Dr. Otto Octavius (Alfred Molina), batizado pelo editor do jornal Clarim Diário de Dr. Octopus, ou mais intimamente de Doc Ock.

O apelido deve-se a uma particularidade. Em consequência de um experimento desastrado com fusão de energia, Octavius incorporou quatro tentáculos metálicos de vida própria, deixando-o com a aparência de um polvo ciborgue, metade homem, metade máquina. Doc Ock – um dos vilões mais cultuados dos aranhamaníacos – é um espetáculo à parte quando move suas geringonças como as serpentes da medusa, lançando carros para o alto e abrindo cofres num peteleco. Sem falar de sua personalidade conflituosa, que levou Molina a compará-lo, com certo exagero, ao Ricardo III de Shakespeare.

Alucinado com o desejo de “ter o sol na palma da mão”, o vilão teria a sede de poder facilmente saciada caso o Homem-Aranha tivesse insistido em abandonar a carreira de herói. Endividado, repreendido pelo admirado professor de física, rejeitado pelo amigo Harry (James Franco) e malsucedido na sua corte à amada Mary Jane (Kirsten Dunst), Parker decide jogar seu uniforme na lata de lixo e viver uma vida normal. É quando Doc Ock toma a dianteira atacando com seus tentáculos de quatro metros de comprimento justamente a tia de Parker, Mary (Rosemary Harris). Posteriormente, escolhe como refém a amada MJ, prometida para um astronauta mauricinho. São motivos suficientes para Parker recuperar suas habilidades e ir à luta.

Numa das cenas mais mirabolantes, o Homem-Aranha se vê na urgência de salvar com suas teias um comboio de metrô desgovernado e cheio de passageiros. Quase no final das tentativas de frear o trem, o condutor vira para o herói e pergunta: “Ainda tem fio suficiente?” Diálogos bem-humorados como este pipocam o tempo todo. Ao impedir que uma estrutura de ferro desabe sobre MJ, por exemplo, o Aranha comenta, suando de esforço, que a carga está, de fato, pesada. E o que dizer da sequência em que, devidamente trajado, divide o elevador com um rapaz carregando um cãozinho. O moço o olha de soslaio e diz: “Legal essa roupa de Homem-Aranha. Mas não é um pouco desconfortável?” “Sim, coça bastante”, retruca o herói, fazendo um gesto tipicamente masculino.

Uma das razões da popularidade do Homem-Aranha, que já tem garantida sua existência até o sexto episódio, é justamente este lado humano. No primeiro filme, Raimi surpreendeu o público ao traçar um belo perfil psicológico do herói, que se sentia culpado pela morte do tio, abdicando do seu amor por Mary Jane para defender Nova York. Agora, o diretor dá um novo passo, aprofundando as relações entre os personagens numa evolução lógica que não repete as peripécias anteriores. Mas a emoção continua, e muito!