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O pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890), um dos maiores nomes do pós-impressionismo, não se suicidou. Essa é a conclusão a que chegaram os escritores americanos Steven Naifeh e Gregory White Smith em “Van Gogh – A Vida” (Companhia das Letras), considerada no momento a biografia definitiva do artista. Além de negar a hipótese do suicídio, os autores afastam também a possibilidade de assassinato. Van Gogh teria sido atingido acidentalmente por um tiro, saído do revólver de calibre 38 de um adolescente chamado René Secrétan, vizinho do pintor na cidade de Arles, no sul da França. “René tinha um histórico de provocar Vincent com o objetivo de enfurecê-lo. Vincent tinha um histórico de explosões violentas, em especial sob a influência do álcool. Uma vez sacada a arma da mochila de René, qualquer coisa podia acontecer”, lê-se no livro. O autor Steven Naifeh disse à ISTOÉ: “Vincent sempre pregou contra o suicídio, seria uma incoerência ter-se matado. A hipótese do suicídio é um mito para retratá-lo como maldito.”

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PESQUISA
Mil páginas a partirda ampla correspondência do artista no século XIX
 

Foram dez anos de pesquisa e escrita até Naifeh e Smith chegarem às mil páginas em que esmiúçam por completo a vida de Van Gogh. Com a intenção de “colocar o leitor na mente do artista”, os autores leram centenas de cartas escritas e recebidas por ele, além daquelas trocadas entre membros da família. As correspondências permitiram resgatar até a sua infância, na qual aprendeu com a mãe os cuidados com as regras sociais: “Os trajes, assim como os passeios diários com que se mostravam à comunidade, marcavam os Van Gogh como integrantes da classe média alta”. Na infância, os primeiros anos de relação com o irmão mais novo, Theo, já mostravam o companheirismo que os acompanharia. “No quarto do sótão que dividiam, conversavam até tarde da noite, o que criava com o irmão mais novo um vínculo que as irmãs, para implicar, chamavam ‘veneração’, mas que Theo, mesmo décadas mais tarde, se orgulhava de considerar ‘adoração’”, conta um trecho da obra.

VIDA A ÓLEO
As histórias por trás das obras-primas de Van Gogh

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A relação entre Vincent e Theo teve ligação com outro episódio comprovado pela nova biografia. Foi mesmo Van Gogh quem cortou a própria orelha, abafando qualquer boato de que teria sido o também pintor Paul Gauguin, seu companheiro na famosa Casa Amarela, em Arles. Van Gogh teria se mutilado por ciúmes de Theo. O gesto extremado teria acontecido em um momento de confusão mental, após tomar conhecimento de que o irmão teria pedido a namorada, Jo Bonger, em casamento. “Vincent já desconfiava que Gauguin o deixaria para viver com uma mulher. Ao saber que Theo se casaria, concluiu que a relação de vida e também de negócios dos dois estava acabada”, diz Naifeh.

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Logo que soube da notícia, Theo embarcou em uma viagem de nove horas de trem, ansioso para se certificar de que o ferimento do irmão não fora letal. Meses depois, foi comunicado de que Vincent havia recebido um tiro, e novamente partiu para Arles, ficando com o irmão as suas últimas 48 horas. A arma do crime nunca foi encontrada, bem como os seus inseparáveis apetrechos de pintura – o que levanta as boas hipóteses para uma história policial. As tintas, pincéis, cavaletes e telas foram deixados no terreno de onde Van Gogh saíra cambaleante à procura de ajuda. Assim o livro explica esse sumiço: “Os irmãos Secretán deviam estar apavorados. Mas, pelo visto, tiveram tempo e presença de espírito para recolher a arma e todos os pertences de Vincent antes de desaparecer correndo na noite que se aproximava.”  

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O que dizem as cartas
O escritor Steven Naifeh conta à ISTOÉ como pesquisou a vida de Van Gogh a partir de sua correspondência

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PARCERIA
Os autores Naifeh e Smith, ganhadores do prêmio
Pulitzer:trabalho conjunto há maisde 20 anos  

ISTOÉ – Como foi feita a pesquisa para o livro?

Steven Naifeh – A maior parte da biografia é baseada na correspondência trocada pela família, conseguida com ela ou no Museu Van Gogh. Passamos dois anos estudando mais de 700 cartas de Vincent. Ao lê-las, tentamos concluir o que estava se passando na cabeça dele no momento em que escrevia e quais eram os fatos relevantes acontecidos naquele dia – que livros, poemas, artigos ele deve ter lido. As correspondências familiares geralmente o tratavam como um rapaz problemático. Mesmo as cartas que não eram de ou para Vincent tinham sempre algo como “o que vamos fazer a respeito dele?”.

ISTOÉ
– Por que decidiram escrever sobre Van Gogh?

Naifeh – Nós havíamos terminado a biografia sobre Jackson Pollock, que nos tomou dez anos, e a questão era “o que fazer agora?”. Ao escolher um personagem para uma biografia deve-se levar em conta a vida do retratado – você quer que ela seja incrível, caso de Van Gogh. Além de ele ser um dos artistas mais importantes e conhecidos no mundo.

ISTOÉ – Seu livro sobre Jackson Pollock se tornou um filme. O sr. pensou nisso ao escrever “Van Gogh – A Vida”?

Naifeh – Sim. Apesar de ser difícil transformar um livro de mil páginas em um filme de duas horas, provavelmente haverá um longa sobre Van Gogh baseado no nosso livro.

ISTOÉ – Como é o processo de trabalho ao se escrever um livro em parceria?

Naifeh – Isso não é usual na literatura, mas acontece com frequência no jornalismo, quando muitos artigos são pesquisados por uma pessoa e o texto é escrito por outra. É o que nós fazemos. Eu sou o encarregado da pesquisa e o Gregory (White Smith) da escrita. Ele escreve melhor, enquanto eu consigo ler mais rapidamente.

ISTOÉ – Quais foram suas grandes descobertas?

Naifeh – Na nossa opinião, é quase improvável que ele tenha se matado, mesmo sendo essa a explicação oficial. As evidências ao contrário são mais fortes. Além disso, creio que o mais excitante foi colocar o leitor dentro da mente de Van Gogh. Ele não era só um grande pintor, mas um escritor e pensador. Isso só é possível de saber pelo conteúdo de suas cartas.

Fotos: Musee D’orsay, Paris; Museum of Modern Art, New York



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