Roupas exóticas, olhos arregalados e longos bigodes retorcidos nas pontas, José Van Roy Dalí, 64 anos, é a própria imagem do pai, o anárquico e genial pintor surrealista Salvador Dalí (1904-1989). Com o DNA da arte no sangue, também tornou-se pintor… surrealista, assinando quadros que hoje cobrem tanto as paredes quanto o teto de sua casa, situada na pequena cidade italiana de Velletri. Filho único do catalão Salvador Felipe Jacinto Dalí y Domenech com sua mulher e musa artística, a russa Helena Ivanovna Diakonova, a decantada Gala, Roy Dalí nasceu em 1940 em Perpignan, França. Cresceu na Itália sob os cuidados de uma família local. Bem mais tarde, cumprindo semelhante destino paterno, encontrou sua Gala. Ela é Barbara, mulher e musa. Não tem filhos. Talvez por ter levado a sério a máxima dita por Dalí de que o nascimento é o mais poderoso dos traumas experimentados por um ser humano. Abusado, porém menos impulsivo que o pai, José Van Roy Dalí falou a ISTOÉ de sua ampla residência na Via Salvador Dalí, onde cria dois cães, Cipolla e Miele, e 12 gatos. “Eles não pintam, mas gostariam muito”, brinca.

ISTOÉ – É muito difícil ser filho de um homem aclamado como gênio?
José Van Roy Dalí –
Não é tão difícil assim. Mas tento evitar todo tipo de comparação inútil. O mais importante é não misturar os papéis.

ISTOÉ – Você também considera Salvador Dalí um gênio?
Roy Dalí –
A genialidade era só uma pequena parte de sua personalidade franca e explosiva. Sua passagem na terra deixou um sinal, caso contrário não estaríamos aqui, agora, falando dele.

ISTOÉ – E a alegada loucura de seu pai?
Roy Dalí –
Aquele tipo de loucura, no bom sentido, era uma bênção divina que espero ter herdado. Mas ele nunca foi maluco. Talvez tenha sido um pouco irresponsável ao deixar outras pessoas tirarem vantagens da sua suposta maluquice.

ISTOÉ – Sob a sombra do pai, não fica mais complicado ser reconhecido?
Roy Dalí –
Eu adoraria ter sido um ator, um diretor de cinema, um autor de best sellers ou um corredor de Fórmula 1. O importante é, em cada momento, fazer o que sentimos que devemos fazer.

ISTOÉ – O que você acha que herdou do seu pai?
Roy Dalí –
A mesma imaginação inesgotável e a mesma capacidade de sentir-se como um milionário, sem ter nada de fato. Do ponto de vista material, ou seja, a herança, os mais excluídos foram justamente seus familiares, entre eles eu, sua irmã, Ana Maria, e Cecil, filha do primeiro marido de minha mãe.

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ISTOÉ – Seu pai eternizou os relógios derretidos. Você criou uma coleção de sorvetes sólidos. O que quis dizer com isso?
Roy Dalí –
Quando criou essas obras, meu pai escondeu sua real intenção. Derretidos, os relógios sinalizavam a expansão do tempo e, metaforicamente, a imortalidade do próprio artista. Já com meus sorvetes sólidos, torno os objetos eternos pela rigidez. Como a expansão do tempo é impossível, desejo modificar as coisas que nos fazem bem de modo a torná-las duráveis para sempre.

ISTOÉ – Honestamente, você imita o seu pai?
Roy Dalí –
Meu pai costumava dizer: “Das pessoas que não imitam ninguém, não se pode esperar nada.” É melhor ser a cópia de uma grande personalidade do que um original desconhecido.

ISTOÉ – O que você mais lembra do seu pai?
Roy Dalí –
Lembro dele pintando. Ele ficava horrorizado com a possibilidade de que a poeira pudesse arruinar seus trabalhos. Como tinha medo de minha inoportuna “ajuda”, ele mantinha o cavalete a uma certa distância. Confinei minhas valiosas memórias familiares em meu livro autobiográfico O outro Dalí, com 365 páginas. Mas percebi que nem mesmo uma enciclopédia bastaria. Então, estou escrevendo outra autobiografia, intitulada Em nome do pai.

ISTOÉ – Ele esteve muito ausente na sua criação?
Roy Dalí –
Sentia muito a falta dele. Mas ele sabia como preencher o vazio de sua ausência, algumas vezes com originalidade. Suas presenças curtas, mas intensas, realmente abasteceram minha vida. Quinze anos depois de sua morte, ainda tenho dificuldade de aceitar que ele não está mais aqui. Vou sentir sua falta para sempre.

ISTOÉ – Qual a importância de Gala na sua vida?
Roy Dalí –
Sem minha mãe, eu nunca teria existido e, provavelmente, nem Salvador Dalí teria ocupado tanto espaço no imaginário coletivo. Minha mãe sabia se tornar o melhor combustível para a “máquina” Dalí. E foi a mais extraordinária “corretora” daquelas percepções oníricas, chamadas muitas vezes pela superficialidade humana de maluquice.

ISTOÉ – O que você sabe do Brasil?
Roy Dalí –
O Brasil é uma das mais maravilhosas criações e reflete a complexa personalidade do meu pai. Louis, um grande amigo meu, que mora no Rio de Janeiro – não o vejo há tempos –, costumava me mandar fotos coloridas do Carnaval, magnífico e surreal. Espero ir aí no futuro.

ISTOÉ – George W. Bush, Bin Laden, Saddam Hussein fazem parte de
um mundo surreal?
Roy Dalí –
Nosso mundo não é surreal, é uma merda. Isso não tem nada a ver com surrealismo.

ISTOÉ – Aos três anos, você dizia querer ser ator; aos sete, um demônio;
aos nove, Deus. O que quer ser agora?
Roy Dalí –
Um cientista capaz de acabar com os maiores problemas do mundo. Mas acho que um gênio na família já é o suficiente.


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