Ao abrir sua coletânea dos bastidores do poder, o jornalista gaúcho Flávio Tava-res alerta que tudo aconteceu de verdade. Com cadência de romance e reconstituição literária de diálogos e pensamentos, ele reconta duas tumultuadas décadas em O dia em que Getúlio matou Allende e outras novelas do poder (Record, 336 págs., R$ 41,90). Autor do premiado Memórias do esquecimento, sobre os anos da luta armada, Tavares sempre esteve próximo dos acontecimentos políticos, muitas vezes no papel de jornalista e, em algumas outras, pelas circunstâncias da militância – em setembro de 1969, ele foi um dos 15 presos políticos libertados em troca do embaixador americano sequestrado Charles Burke Elbrick. Hoje, com 70 anos, radicado em Búzios (RJ), o jornalista dedica-se a revirar o baú de lembranças.

No livro recém-lançado, ele revela detalhes divertidos do passado brasileiro recente. Poucos compreendiam, por exemplo, a proximidade de Juscelino Kubitschek com a Marinha. Pois bem, Tavares segreda que almirantes e contra-almirantes cansaram de bater continência ao então presidente no litoral fluminense, onde ele costumava desembarcar em segredo para encontrar-se com a bela Maria Lúcia Pedroso, seu amor na maturidade. Um outro episódio envolvendo histórias de lençóis coloca Jango Goulart na berlinda. Vice de Jânio Quadros, ele só foi saber da histórica renúncia em agosto de 1961, durante a madrugada, em Cingapura. Acordado por assessores, Jango continuou de cuecas, ao lado da “malaia de cílios chamativos” com quem dividia a cama. Ao perceber que seu acompanhante estava prestes a se tornar “rei” de um país, a moça logo se arvorou em virar “rainha”. “Convencê-la de que estava equivocada foi a primeira e árdua tarefa do novo governo em cuecas, antes ainda dos difíceis obstáculos das horas seguintes”, escreve Tavares, referindo-se às resistências da direita à sua posse.

Quase dois anos depois, em Roma, onde participava da sagração do papa
João Paulo VI, Jango foi duramente pressionado pelo presidente americano
John Kennedy. Entre outras reclamações, dizia que ele abrigava comunistas no
seu governo, citando integrantes do alto escalão. O que nem Kennedy nem Jango sabiam é que o comunista de carteirinha do Planalto era o marceneiro Manuel Oliveira, da Universidade de Brasília (UnB). Convocado a talhar em madeira da Amazônia um estojo para as jóias vaticanas, Oliveira fez um trabalho digno dos melhores artesãos. Contudo, antes de prender o forro de veludo com tachas de
ouro, ele gravou no interior do estojo a foice e o martelo, escrevendo a frase
“Viva o Partido Comunista”. A caixa seguiu seu destino. Mas o marceneiro
não resistiu à tentação de confidenciar o ato a Tavares, que foi professor da UnB e agora traz a travessura a público.