Foi-se o tempo em que era possível interpelar Paulo Coelho durante suas caminhadas diárias em Copacabana. Hoje, quem quiser falar pessoalmente com o escritor precisa viajar até Paris, enfrentar mais de uma hora de avião para alguma cidade perto de St. Martin, em Béarn, e finalmente pegar um táxi para o pequeno vilarejo de 190 habitantes, onde ele transformou um antigo moinho cercado de verde em casa. Neste ambiente talhado para atender a demandas espirituais, nos Pireneus franceses, Paulo Coelho poderia refestelar-se e sonhar – matéria-prima básica de sua atividade, agora milionária. Mas já está produzindo seu próximo livro, O zahir – palavra árabe que significa objeto ou pensamento que jamais se esquece. O autor garante, no entanto, que a obra só será editada a partir do ano que vem.

Paulo Coelho é um fenômeno da literatura mundial e nunca esteve tão em evidência. Quando recebeu ISTOÉ em sua casa, no início do mês, o escritor franqueou seu
e-mail. Havia 187 convites de viagens para receber prêmios ou participar de
eventos. Seu cachê para palestras é de 30 mil euros (cerca de R$ 100 mil). Afinal,
ele é o autor mais vendido no mundo em 2003, segundo a revista britânica
Publishing Trends, com a marca de 65 milhões de exemplares em quase mil
edições diferentes. Seu último livro, Onze minutos, acaba de ser lançado na
Estônia e na Polônia, seguindo os passos de O alquimista, de 1988, contumaz andarilho de listas de best-sellers em todo o mundo. O alquimista, por sinal,
acaba de ganhar mais um prêmio por ter ultrapassado meio milhão de cópias na Grã-Bretanha. Em consequência do suces-so, o autor é alvo de ferrenha pirataria internacional. Em Angola, seus livros custam US$ 50 (R$ 150) e nem um cent vai
para sua conta. “Sei de tudo e não posso fazer nada!”, conforma-se. Traduzido
em 56 idiomas e publicado em 156 países, Coelho é o escritor brasileiro que alcançou o maior reconhecimento internacional de todos os tempos. Seu sucesso levou o jornal inglês Publishing News a criar o termo “coelhomania”.

Iletrado – É o triunfo de Paulo Coelho, que costuma ser tratado aqui como símbolo de um Brasil iletrado. Seu vertiginoso sucesso não é, decididamente, um fato tupiniquim. Estudiosos, como Gabriel Perissé, mestre em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo, explicam o fenômeno. “No auge da crise da modernidade em que mergulhamos, todos anseiam confusamente pelo retorno ao mundo das tradições, das revelações. Algo que nos dê uma fé: o milagre é possível. Ou que nos dê uma vitória sobre o caos: a magia é possível”, escreveu. A idéia resume o pulo do gato – ou melhor, do Coelho. Com um discurso simples, ele consegue fazer com que cada leitor entenda que há obstáculos, mas também esperança. Na eficácia de sua mensagem, a coelhomania prospera. Duas mil pessoas prestigiaram o lançamento de Onze minutos, no ano passado, na livraria Borders de Londres. O escritor brasileiro deu mais autógrafos do que o jogador inglês David Beckham, que tinha lançado livro na semana anterior. “Atravessei a linha do sucesso global. Estou no mercado há 15 anos e não sou autor de um livro só”, vangloria-se.

Com 16 livros de sucesso consolidado – o último, o infantil O gênio e as rosas,
com Mauricio de Sousa, lidera as vendas desde que foi lançado, há sete semanas –, ele virou grife e pode se dar ao luxo de cometer ousadias, como jogar no mercado dois títulos num mesmo ano. Na França, enquanto Onze minutos começava sua trajetória, ele lançou Maktub. “Me arrependi. A Alemanha queria lançar Maktub lá também e não permiti. Não se pode canibalizar o mercado, isso mata o autor”, penitencia. Porém, os franceses desmentiram a tese. Maktub brilha, há 11 semanas, na lista de jornais como o L’Express. Como desdobramento, Coelho virou branch – a tradução literal seria ramo, mas que significa faturar royalties com o próprio nome –, um bico profissional praticamente dominado por esportistas. Ele exibe um projeto finamente encadernado de um agente sueco que propôs dar seu nome a produtos como canetas, suíte de hotel, café literário. Não topou. Simplesmente perdeu a paciência com o esnobismo do agente e acabou puxando um insólito diálogo: “Peter, quem é mais rico, eu ou você?” A resposta: “Você, claro.” Coelho: “Quantas vezes?” Ele: “Umas 30.” Coelho: “Não, está errado. Devo ser mais rico umas 40 vezes, mas não fico falando sobre isso. O que você quer me provar?” O escritor explica que é vítima constante de name dopping, nome dado a quem não pára de se auto-valorizar. “Perto de mim, as pessoas ficam inseguras e querem se mostrar. Detesto isso”, diz.

Rico – Sua filosofia é oposta. Coelho é um homem rico. “Sim, eu ganho muito dinheiro. Poderia ter parado de trabalhar há dez anos e teria como garantir renda para duas gerações”, diz, sem rodeios. Mas não ostenta. Suas camisas de malha, sempre pretas, são compradas nas populares Gap ou Levi’s e ele continua a usar seu velho relógio Seiko, a despeito de ter ganho um moderno Cartier da própria grife francesa. Para calçar, botas de couro que recebem novas solas em sapateiros e calçados Timberland à prova d’água. “Foi publicado no Brasil que eu tinha comprado um castelo na França. Que loucura, isso não tem nada a ver comigo. Nessa casa tenho um espaço maravilhoso e o resto do mundo em volta para usufruir.” Sua intenção é morar quatro meses em St. Martin, quatro no Rio de Janeiro, onde nasceu, e passar os outros viajando. Este ano, porém, será na França.

Aos 57 anos, o mago fez seu testamento e o guardou em local à prova de fogo.
Nele, define, mas não revela, o destino de sua espada de estimação, encontrada
no Caminho de Santiago de Compostela, e da fundação que leva seu nome e
cuida de quase 400 crianças e idosos, além de proibir a publicação de obras inéditas após sua morte. “Nem uma linha do que eu deixar escrito poderá vir a público. Fico horrorizado com o que fazem, não quero isso comigo. Só não destruo meus rascunhos porque, se alguém algum dia estudar o meu processo de criação, poderá entender minha evolução.” O autor será cremado e suas cinzas deverão
ser jogadas no Caminho de Santiago. Esse é o estilo Paulo Coelho, autoral na
vida e na morte. Seu tempo é dividido religiosamente entre cuidados com o corpo, a alma e os negócios. “Caminho todo dia e uma vez por semana subo uma montanha, treino tiro ao alvo com arco e faço meditação paralelamente. Corto a grama do jardim e, claro, escrevo.”

Lula – Outra fonte de renda são as colunas: um mesmo texto é publicado no jornal
O Globo, do Rio de Janeiro, e em mais de 20 países. Ano passado, o artigo “Obrigado, presidente Bush” correu o mundo e a estimativa é que tenha sido lido por 400 milhões de pessoas. “Eu disse ao Bush ‘aproveita sua manhã de glória porque de tarde você vai ser derrotado’ e agora estamos vendo essa tarde chegar.” Sobre Lula, é enfático: “Acompanho a política brasileira de pertíssimo. Não votei no Lula, mas acho que ele está num bom caminho. É fácil criticar o poder longe dele. O que o brasileiro tem de fazer é apoiar o Lula, ter paciência. Não pode querer mudar o Brasil num dia.”

Para cuidar de sua agenda, ele conta com Mônica Antunes, a agente que recebe 15% de seus contratos e mantém escritório na Espanha. Sua mulher há 24 anos, a artista plástica Christina Oiticica é uma espécie de alma gêmea e chancela fundamental. Christina, que está com uma exposição em Roma, assina a bela decoração da casa de dois andares, com móveis e objetos que têm história, em contraste com a do apartamento à beira-mar no Rio, com peças e design modernos. O amplo jardim está repleto de roseiras na primavera francesa. O escritório de Coelho fica no andar de baixo, na sala, próximo a uma lareira. O estúdio de Christina está sendo construído do outro lado do jardim.

O casal tem apenas uma empregada doméstica, a mineira Maria, que serve café e alerta: “Esse açúcar é falso”, num evidente desprezo pelo adoçante. As duas ajudam a controlar o tempo dedicado a entrevistas, no máximo duas horas. “Se não for assim, não faço outra coisa. Ontem falei para o Times. Amanhã virá a equipe da Brigitte, revista alemã de altíssima tiragem. Terça-feira vem uma equipe da Índia. Não pára.” A cautela não impede, entretanto, desencontros com a mídia. Recentemente, o jornal alemão Der Bund estampou na capa uma foto de Coelho ao lado da jovem cantora pop Vanessa Petro, sob a manchete: “O escritor e a cantora, o que há entre eles?” Espantado, Coelho responde: “Nada, claro! A própria reportagem diz isso. Apenas ela me ligou convidando para jantar. Recebo convites e telefonemas de leitores, isso é normal.” O escritor nega que seja alvo do assédio feminino: “Se tem, não noto. Não quer dizer que eu seja o maior santo do mundo, que não olhe nunca. Mas sou alheio, despistado.” Quisera ele, entretanto, que as adversidades com a imprensa se resumissem a fofocas de celebridades. A relação com a crítica é mais complicada e ele costuma ser demolido em resenhas, com raras exceções.

Coelho interpreta e devolve: “A crítica é destruidora com qualquer um que faz sucesso. Pertence a um regime falido. Isso não é típico do Brasil. Em qualquer
lugar, fez sucesso, tem que estar preparado para isso. Ignoro. Quando lancei o último livro na Estônia, meu editor disse: ‘A crítica está caindo de pau, o público está comprando.’ Que falem o que quiserem, isso jamais me impediu de vender
um livro. Se dizem que o novo livro do Paulo Coelho é horroroso, o público compra para conferir.” Com habilidade, ele desconstrói a idéia negativa e, como bom seguidor de suas próprias dicas, fala só do positivo. “Onze minutos já passou dos 300 mil exemplares vendidos no Brasil e está na lista dos mais vendidos há 56 semanas. Todos são generosos comigo, recebo muito carinho. Me sinto valorizado no meu país ou fora dele.”

O editor Paulo Rocco, dono da editora que leva seu nome e publica os livros de Coelho no Brasil, se diz impressionado com sua fama: “Paulo Coelho é um embaixador da imagem brasileira.” A função informal se revestiu de missão desde que se tornou, em 2002, membro da Academia Brasileira de Letras, o “templo da nossa inteligência.” Para ele, que nunca ganhou um prêmio literário no Brasil – ao contrário de outros países que já o condecoraram com troféus de prestígio –, essa é uma conquista e tanto a ser celebrada. Afinal, como ensina em seus livros, “alegrar-se com um triunfo é fundamental no ritual da vida”.