Agora sabe-se por que Charlize Theron surgiu linda, loira, magra e fatal na cerimônia de entrega do 76º Oscar,
em fevereiro passado, no qual saiu consagrada como melhor atriz. Tam-
bém ganhadora do Globo de Ouro
na mesma categoria, ela talvez encabece a lista das artistas que mais se enfeiaram para compor uma personagem. No papel da embrutecida Aileen, de Monster – desejo assassino (Monster, Estados Unidos/Alemanha, 2003) – que estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro na sexta-feira 18 –, Charlize engordou pelo menos 15 quilos, colocou próteses dentárias acinzentadas e acumulou no rosto camadas de maquiagem que lhe deram um aspecto de pele maltratada pelo sol desde a infância. A atriz ficou tão irreconhecível que, pensando na deusa vestida de anos 1920 do Oscar, é quase impossível não se incomodar com sua presença desgrenhada na tela. O filme todo, aliás, é muito incômodo. Recurso proposital do diretor Patty Jenkins, que não reservou um momento de descontração para contar a história – baseada em fatos reais – de Aileen Carol Wuornos, considerada uma das primeiras mulheres a se tornar serial killer nos Estados Unidos.

Depois de uma infância pautada pelo abuso sexual e pelas drogas, Aileen se
joga na prostituição aos 13 anos. Passa a juventude ganhando a vida nas estradas até conhecer Selby (Christina Ricci) num bar gay. Num primeiro momento, a delicadeza da garota provoca choque na mulher abrutalhada que não se julga homossexual. Aos poucos, contudo, as duas vão se entendendo e desenvolvem um relacionamento cheio de tensão, que a comunidade conservadora do Estado da Flórida, sem querer, faz aumentar o fogo. Disposta a bancar economicamente sua conquista recente, Aileen se enche de planos para iniciar uma nova vida. Mas é atropelada pelo destino ao ser estuprada por um dos clientes que também a quis matar. Em defesa própria, desfere vários tiros no peito do homem. A partir daí, Aileen não consegue mais se livrar da rede de assassinatos, como se procurasse na morte alheia a redenção de seus sofrimentos.

Charlize Theron consegue passar todo o ódio, piração e tristeza da personagem. Faz um bom par com a Selby de Christina Ricci, figura aparentemente frágil porém com clareza suficiente para refletir sobre a enrascada em que se meteu. Abertamente, não existe um julgamento moral da situação. Embora o diretor Jenkins jogue aqui e ali pitadas de desaprovação àqueles que se rebelam contra as normas instituídas. Aileen não é nenhuma santa. A vida a transformou em demônio, o que não justifica seus atos criminosos. À sua maneira, ela tenta ser feliz. No entanto, esbarra na maciça barreira moralista e na determinação da sociedade americana em não admitir perdedores. Mesmo que eles tentem vencer ao menos uma vez.