chamada.jpg
TRANSIÇÃO
Em 1972, sentada próxima ao militante político Fernando Pimentel (de óculos), hoje
ministro do Desenvolvimento, Dilma Rousseff (à esq.) participava de interrogatório
em Juiz de Fora. Quarenta anos depois, era eleita presidenta da República

Em abril de 1972, a militante política Dilma Rousseff já havia deixado para trás os nomes de Estela, Vanda, Luiza, Marina, Maria Lúcia e Ana, que usara na clandestinidade. Dilma estava presa havia dois anos e três meses, desde que foi capturada em São Paulo pela Operação Bandeirante, braço do Exército para combater os opositores da ditadura. Faltavam sete meses para a futura presidenta se livrar do cárcere e da tortura. Mas Dilma ainda não sabia disso. Tampouco imaginava o que lhe aconteceria 40 anos depois, quando seria eleita presidenta da República com 56 milhões de votos. “Há 40 anos, não tínhamos ideia do que viria. Não pensávamos nisso. Queríamos sair da cadeia e derrubar a ditadura”, resume o ex-colega de militância e amigo Fernando Pimentel, hoje ministro do Desenvolvimento.

02.jpg
PASSEIO PELA HISTÓRIA
Ao lado dos ex-presidentes eleitos após a
redemocratização, Dilma instala a Comissão da Verdade

Pimentel aparece próximo a Dilma em um dos interrogatórios da Justiça Militar de que a presidenta participou em Juiz de Fora, em abril de 1972. A cena, flagrada por um fotógrafo não identificado na 4ª Região Militar, foi localizada recentemente no arquivo histórico da cidade mineira. Dilma deixara crescer os cabelos, presos com um laço de fita na ocasião. Na foto, obtida com exclusividade por ISTOÉ (à pág. 92), ela guarda os óculos de aros grossos, largos e escuros no colo. Nem sequer havia completado 25 anos. A imagem plácida de Dilma Rousseff na foto não traduz o que foi a passagem por Juiz de Fora, onde respondia a um dos três Inquéritos Policiais Militares que a condenaram a penas que somaram seis anos e um mês de prisão, por crimes contra a segurança nacional. Num desses inquéritos, o auditor classificou Dilma de “papisa da subversão”, além de “uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais”, conta o jornalista Ricardo Amaral em “A Vida Quer É Coragem”, livro sobre a trajetória da presidenta. A pena total de prisão foi revista pelo Superior Tribunal Militar, que liberou Dilma da prisão em novembro de 1972. Em Juiz de Fora, ela respondia pela participação num plano de fuga de um ex-companheiro do Comando de Libertação Nacional (Colina).

03.jpg
CONSAGRAÇÃO
Eleita com 56 milhões de votos, Dilma Rousseff toma posse em janeiro de 2011

A trajetória da presidenta Dilma, nas últimas quatro décadas, se confunde com a luta pela consolidação da democracia no País. No final dos anos 70, sete anos depois da foto de Juiz de Fora em 1972, o Brasil concedia anistia aos presos políticos da ditadura. Cinco anos depois forjou nas ruas a ampla campanha nacional pelas “Diretas, Já”, promulgou a Constituição de 1988, elegeu um presidente pelo voto direto em 1989, “impeachou-o”, sob denúncias de corrupção, e em 11 anos guindou pela primeira vez ao Palácio do Planalto um metalúrgico, eleito pelo voto popular. Um ano antes da eleição de Lula, em 2001, em depoimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais, uma ainda pouco conhecida Dilma Rousseff daria o primeiro de um dos raros testemunhos sobre a tortura a que foi submetida por resistir ao regime de exceção: “O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão”, disse ela. Esse depoimento só foi tornado público quatro meses atrás, em reportagem do jornal “Estado de Minas”. O depoimento foi dado meio a contragosto e faz parte de processo de indenização a presos políticos promovido pelo governo mineiro. Na época, Dilma Rousseff era secretária de Energia do Rio Grande do Sul, na gestão do petista Olívio Dutra. Ela se filiara ao PT havia pouco tempo. Eram tempos de crise do apagão, mas o Rio Grande do Sul registrava aumento da oferta de energia. A partir de então, Dilma passara a ser conhecida como a “secretária durona do Olívio”.

05.jpg

Admiradora da obra de Guimarães Rosa, Dilma sabia, pelas falas do personagem Riobaldo, em” Grande Sertão, Veredas”, que “esta vida está cheia de ocultos caminhos”. Ela ainda não imaginava, mas já reunia, ali, em 2001, as condições que a levariam, pouco tempo depois, ao núcleo do poder petista. Em junho daquele ano, o físico Luiz Pinguelli Rosa convidara a economista a participar do grupo de debate do plano de governo do então candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva. “Ela pediu que eu a apresentasse ao Lula”, conta o diretor do instituto de pesquisa em engenharia da UFRJ (Coppe), que promoveu o encontro de Lula com sua futura ministra e candidata à sucessão. “Acho que eles se encontrariam de outra maneira, foi uma coincidência, não atribuo importância especial a esse encontro”, pondera Pinguelli. O ex-presidente Lula, por sua vez, não esqueceria esses dias, que definiram a escolha de Dilma para integrar a equipe de governo, pouco tempo depois. “Aparece lá uma companheira com um computadorzinho na mão. Começamos a discutir e percebi que ela tinha um diferencial dos demais que estavam ali, porque ela vinha com a praticidade do exercício da Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Aí eu fiquei pensando: acho que já encontrei a minha ministra aqui”, relatou Lula anos depois.

Aos olhos de Carlos Araújo – companheiro durante 30 anos e uma das pessoas mais próximas de Dilma até hoje –, chegar à Presidência da República não estava nos planos da jovem dos anos 70, embora reconheça que ela tenha se preparado para isso nos anos seguintes. “Ela sempre teve paixão pela política. É sua vocação”, diz Araújo. Ao deixarem a cadeia, Dilma e Araújo mantiveram a militância política. Na fase final da ditadura, ajudaram a fundar o PDT de Leonel Brizola. Dilma retomou a graduação em economia e aprofundou o gosto de organizar ideias, uma de suas marcas. Em meados dos anos 80, foi a primeira mulher a assumir o comando das finanças de uma capital, ao ser nomeada secretária da Fazenda de Porto Alegre. Mas ela nunca havia disputado uma eleição até 2010. Venceu com quase 56 milhões de votos. “Ela não comenta isso, mas é evidente que vai disputar a reeleição”, aposta Carlos Araújo, que não nota grandes mudanças no jeito Dilma de ser: “Essa fama de durona vem de longe.”

04.jpg
TESTEMUNHO
Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, lembra que a vocação
da presidenta pela política vem de longe

Quarenta anos e um mês depois do interrogatório de Juiz de Fora, Dilma Rousseff escreveria outro capítulo no processo da consolidação democrática no País. Posou para os fotógrafos ao lado de Lula, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor numa cena que reuniu todos os presidentes da República desde o fim do regime militar, com exceção de Itamar Franco, já morto. O encontro marcou a instalação da Comissão da Verdade, que investiga violações aos direitos humanos pelo Estado. No discurso, Dilma fez um resumo do que ela e o País viveram em quatro décadas. “Esse é o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social.” Numa espécie de ajuste de contas com o passado, disse que a Comissão da Verdade não seria movida a revanchismo nem a ódio. “Construímos uma democracia sólida, com redução radical da desigualdade social e estabilidade econômica, não é pouca coisa”, anota Fernando Pimentel. “Passamos no teste”, encerrou.

Fotos: Arquivo Fotógráfico Jornal Diário Mercantil; Richard Drew/ap photo; Gustavo Miranda/Ag. O globo; Alan  Marques/Folhapress; Jefferson Bernardes/Preview.com