O sedentarismo é uma das maiores preocupações da medicina. A falta de atividade física está relacionada a uma série de doenças, como as enfermidades cardíacas. Por
isso, para prevenir esses males, uma das saídas é adquirir o
gosto pela malhação desde
cedo. Como forma de estimular esse hábito, alguns colégios estão começando a rever o conteúdo das aulas de educação física. É uma medida salutar. Hoje, muitos adultos têm como lembrança dessa disciplina apenas a necessidade de cumprir o horário para não repetir o ano. Vista desse modo – uma chatice –, a consequência não podia ser outra: poucos aprenderam, ainda na escola, a dar o devido valor aos exercícios.

Para transformar essa impressão, várias escolas adotam atividades completamente diferentes do habitual. O objetivo é estimular as crianças a desenvolver as habilidades motoras, mas sempre de modo divertido. E isso vale para qualquer idade. Numa unidade do colégio Pentágono, em São Paulo, até os menorzinhos têm aula de educação física. Em vez de simplesmente aplicar um treinamento esportivo, os professores usam brincadeiras tradicionais para que a garotada primeiro aprenda a se mexer corretamente. São lições importantes para a prática de algum esporte e também para melhorar a mobilidade no futuro. Atirar aviões de papel, por exemplo, é uma das estratégias. O que pode parecer mera peraltice serve para treinar o mecanismo-chave do arremesso. “Com a brincadeira, a criança toma gosto pela atividade e, aos poucos, aperfeiçoa seus movimentos. Nós, os profissionais, depois damos sugestões para que esses gestos sejam aprimorados gradativamente”, explica o professor Luiz Trientini, coordenador de educação física da unidade em Alphaville.

Potencial – De fato, os pequenos necessitam desse tipo de orientação. “A criança nasce com potencial para desenvolver suas habilidades motoras. Porém, precisa dispor de um ambiente que facilite essa evolução”, afirma Fábio D’Ângelo, professor de educação física do
Colégio Santa Maria, em São Paulo. A instituição é mais uma que investe no lúdico para aumentar
o interesse dos estudantes pela atividade física. Dos três anos em diante, os alunos reservam
uma parte do tempo para se exercitarem. Os menores, é claro, por meio de brinquedos, como bambolê e peteca. “Para eles, é uma brincadeira. Mas para o professor trata-se de um recurso
para educar”, completa D’Ângelo. A criançada
, é claro, adora a estratégia. “É muito divertido
e não cansa”, conta Laís Navega, oito anos.

A criatividade na aula traz resultados também para quem frequenta o ensino médio.
Nas aulas de educação física
do Pentágono de Alphaville,
os adolescentes recebem
as informações sobre regras
de jogo, mas também podem
jogar uma modalidade inventada,
como o quadribol, uma espécie
de vôlei disputado numa
quadra dividida por quatro
turmas. Além disso, os jovens recebem informações teóricas sobre o funcionamento do
corpo, por exemplo, o que proporciona um melhor entendimento dos benefícios
do exercício. “Queremos que
eles saiam da escola com conhecimento para montar um programa pessoal de exercícios”,
diz Fábia Antunes, professora do Pentágono.

Essas mudanças são recentes, mas já se notam resultados. No Pentágono, o índice de participação dos alunos maiores é elevado. Bem diferente do que ocorria antes, quando eles usavam desculpas esfarrapadas (do tipo “tô com uma dor de cabeça…”) para fugir da disciplina. No Santa Maria, a abstinência também caiu. “No colegial, normalmente o índice de evasão é grande. Estamos vencendo isso”, comemora o professor D’Ângelo. Escolas como essas estão inovando ainda na forma de avaliação. Ninguém recebe nota ruim porque não sabe dar um saque perfeito. O que é levado em conta é a progressão do aluno. Ou seja, não é preciso ser um Michael Jordan para ter um belo boletim. Os professores vão considerar se houve evolução nas habilidades iniciais.

Hábito – Propostas como essas dão um novo tom à educação física.
“Ela está deixando de ser tecnicista. Tentamos desenvolver o movimento humano”, afirma Fábia. E vale dizer que nos dias atuais as pessoas
se movimentam cada vez menos. “O hábito da atividade física se
adquire na infância. É preciso, portanto, uma boa qualidade de ensino
nas escolas para que seja mais fácil, no futuro, aderir ao fitness”, observa Fábio Saba, professor que desenvolve um projeto específico
para a disciplina na rede pública estadual paulista. O trabalho visa capacitar professores, incrementar as aulas e adotar programas
especiais para as crianças das escolas gratuitas. Pensa-se também
em fazer eventos, como o dia do pedal, dedicado ao ciclismo.
“Planejamos mais do que um programa escolar. Queremos que
o aluno seja um grande divulgador da atividade física. Que ele
chame os pais para fazer algo no final de semana”, explica Saba.

Os especialistas pretendem colocar essas idéias em prática no próximo ano letivo. Mas um dos pontos que já estão sendo discutidos é a falta
de obrigatoriedade de professores especializados em educação física
para os alunos do ciclo 1 (da primeira à quarta séries antigas). Desde 1993, no Estado de São Paulo, a disciplina pode ser dada pelo profissional conhecido como professor polivalente. Pode ser a encarregada das lições de matemática, por exemplo. Por isso, em algumas escolas a aula não
é bem aproveitada ou acaba virando tempo livre. Se o responsável pelo horário, por exemplo, for um daqueles que sempre consideraram a disciplina chata, é possível que os alunos sigam o mestre. Felizmente,
não é o que acontece na escola estadual Professor José Carlos Dias.
Lá, as aulas são dadas por especialistas que usam as salas e as quadras para ensinar os estudantes. Eles inventam brincadeiras, estimulam
o alongamento e dão exercícios diferentes para a garotada. Nesse colégio, os menores são orientados a trabalhar o reflexo, a atenção
e a lateralidade, entre outros aspectos do movimento. Para os maiores, uma das atrações são as lições teóricas sobre o esporte. No quadro negro, os professores mostram como se posicionar no campo. Essa preparação ajuda a criança a se identificar com alguma modalidade. A aluna Jéssica Montenegro, 11 anos, passou a se interessar por futebol depois dessas aulas. “Já sei tudo do esporte e agora gosto mais de futebol. Quero fazer mais exercícios e treinar com a bola”, conta.

De qualquer modo, o tema da obrigatoriedade de um especialista para cuidar dos pequeninos promete muita polêmica. “A exigência pode
voltar se o profissional for integrado ao projeto pedagógico da escola. Esse professor não deve ser um elemento à parte”, diz Marcos Neira, especialista em educação física e professor da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo. Ele lembra que antigamente o profissional dessa área muitas vezes não tinha vínculo com esse projeto. Era visto como um professor diferente. “Todas as disciplinas devem rumar na mesma direção. O compromisso da quarta série são os valores humanos? Até a educação física deve ajudar nesse sentido. Além disso, ela
envolve o sentir, o pensar e o agir. Não é só jogar. É o jogar e
resolver”, exemplifica Neira. Mas o próprio especialista acredita que,
se os professores conseguirem deixar claro aos pequeninos como
funciona o corpo e quais são as vantagens de fazer exercícios com regularidade, pode-se pensar num futuro mais saudável.