Um homem que desceu ao inferno das críticas, passou pelo purgatório aos olhos de todo o País e dele saiu fortalecido foi eleito por ISTOÉ O Brasileiro do Ano de 2006. Nas primeiras semanas após o estouro do escândalo do mensalão, nem os amigos mais próximos eram capazes de reconhecer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele parecia atônito. Andava calado e demorou para reagir, até entender que o mensalão deveria servir de lição. Quando passou a afastar os responsáveis diretos, começou a se reerguer. Enquanto isso, percebeu que seu governo não havia sido condenado. As políticas públicas que incluíram na economia um universo nada desprezível de mais de 40 milhões de brasileiros estavam sendo bem recebidas. Foi em nome dessas conquistas que Lula resolveu ir à luta. Depois da fase de hesitação, lutou pela reeleição. Enfrentou, num segundo turno que não esperava, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Derrotou-o, fazendo mais de 58 milhões de votos. Retorna agora diferente para um segundo mandato. Mais maduro por tudo o que enfrentou. Mais humilde por conta dos erros que seu governo cometeu e ele reconhece. Por um lado, mais fraco, pois perdeu a companhia de velhos amigos, a quem delegava decisões no governo. Mais forte por outro, porque agora já não pretende entregar mais para quem quer que seja as tarefas essenciais do governo. E porque volta munido do voto de confiança que o povo brasileiro depositou nele. Nem totalmente certo, nem totalmente errado. Nem superpoderoso, nem definitivamente nocauteado. Lula é humano. Foi eleito porque o povo do Brasil se reconhece nele. É, enfim, a cara desse povo.

“Eu já ganhava muitas paradas na infância porque falava grosso”, costuma dizer o presidente. A grande mudança operada por Lula para
superar a crise foi se lembrar desse expediente. Deu-se conta de que em alguns momentos de seu primeiro governo fora passivo e deixara muitas das decisões do dia-a-dia nas mãos de auxiliares. Eles é que passaram a falar grosso com ele. A primeira alteração significativa de comportamento se deu quando Lula, no segundo turno, viu-se impelido a dar as suas próprias respostas sobre a crise que se abateu sobre o governo. Ainda que de forma diplomática, o presidente corroborava o julgamento que se fazia de pessoas como os ex-ministros da Casa Civil José Dirceu e da Fazenda Antonio Palocci. “Eles cometeram erros”, disse Lula na campanha. “E é por isso que foram afastados”, completou, não deixando margem a nenhuma interpretação de saída por vontade própria.

O segundo governo Lula será menos petista e mais lulista. É ele quem está agora à frente de tudo. Corrigindo o erro que cometeu ao vetar o PMDB, o presidente agora monta um governo de coalizão nos moldes tradicionais. Aceita aí uma tese defendida pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Mas Lula já avisou a ele: “Quem cuida pessoalmente disso agora sou eu.” Sob o seu comando, o poder será partilhado entre os aliados. O PT não deixará de ter um grande naco. Afinal, é o partido do presidente. Mas terá de aprender a compartilhar o governo com os demais aliados, especialmente o PMDB. Lula sabia que essa mudança não viria sem reação dos petistas, mas acredita que, depois da bronca inicial, acabará havendo uma acomodação. “O PT já tem o principal de todos os cargos: o de presidente da República”, avisa ele. Na busca por aliados, o presidente conseguiu reaproximar mesmo alguns adversários, como o PDT. E, desta vez, quem está conduzindo pessoalmente cada reunião e cada entendimento é ele mesmo. Políticos que participaram dessas reuniões afirmam que isso dá muito maior clareza e segurança sobre o que se espera do governo agora. Antes, tais conversas eram feitas pelos articuladores políticos: primeiro José Dirceu, depois Aldo Rebelo e Jaques Wagner. As diferenças de estilo e de pontos de vista com relação ao pensamento do presidente tornavam tudo mais lento – os articuladores fechavam os acordos e depois, por algum detalhe diferente do esperado por Lula, tudo caía por terra.Para Lula, os problemas foram conseqüência da escolha por uma relação política que não privilegiava os partidos como um todo, mas que buscava cooptar pessoas e grupos dentro de cada legenda. Assim, em vez da construção da união a partir de um programa e objetivos comuns, a conversa dava-se em torno de expedientes mais fisiológicos: a partilha de cargos ou das verbas do Orçamento. O presidente é originalmente responsável por isso. Quando vetou, no início do seu primeiro governo, a participação do PMDB, viu-se obrigado a se socorrer da ajuda de siglas menores e menos ideológicas, como o PTB ou o PP. E viu-se obrigado também a tentar minar resistências em quem lhe poderia fazer oposição, em parte do PMDB, mas até também em setores do PFL e do PSDB.

Lula está mais magro, resultado da dieta de proteína que adotou no início do ano. O peso mais baixo ajudou-o a melhorar a disposição. Aos amigos, o presidente repete que a crise lhe ensinou várias lições. Hoje, Lula é consciente de que parte do PT – e justamente parte da ala com maior capacidade de decisão – o via como mero instrumento de poder. Uma espécie de símbolo que, com seu carisma e popularidade, podia ser manipulado. No primeiro mandato, Lula aceitou sem muita contrariedade uma divisão de papéis que a cúpula do PT lhe destinava. Ele seria o chefe de Estado, o representante do País, correndo o mundo em encontros com outros governantes curiosos por conhecer o operário que se tornava estadista. Quanto às tarefas mais comezinhas de chefe de governo, Lula delegaria como se presidisse uma assembléia de sindicato. Uns cuidavam da atividade econômica, outros das relações políticas. Apenas se houvesse conflito Lula daria a palavra final. O resultado é o que se viu, comenta o presidente: muita coisa se passou nas suas barbas sem que Lula tivesse conhecimento dos detalhes.

Para Lula, não é difícil corrigir rumos. A maior parte do que ele sabe aprendeu na prática. Num jogo de tentativa e erro em que sempre se via obrigado a buscar a sorte. Retirante nordestino que chegou a São Paulo fugindo da fome. Metalúrgico que chegou a perder um dedo em um acidente de trabalho. Sindicalista que colocou em risco seu emprego, o sustento de sua filha e a sua segurança em nome de suas convicções e de seus ideais. Trabalhador que apostou que a redenção da sua categoria estaria na fundação de um partido político. E, agora, presidente que avalia que o sucesso do seu segundo período à frente do País depende principalmente de si mesmo. A chave disso tudo está em seu discurso de posse, no dia 1º de janeiro de 2003: “Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado.”

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