O ator americano conta como deu a volta por cima na carreira e diz que pretende influenciar o mundo com o ato de contar histórias

Confira, em vídeo, trechos de outros filmes em que o galã resolveu trabalhar do outro lado das câmeras : 

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Assista ao trailer de "Argo" : 

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CRÍTICO
“Americanos não sabem distinguir árabes de persas”, diz Affleck

Revelado como um garoto prodígio em Hollywood, o galã Ben Affleck conheceu a glória cedo. Aos 25 anos, o ator, nascido na Califórnia e criado em Massachusetts, conquistou um Oscar de melhor roteiro original (em parceria com Matt Damon), por “Gênio Indomável’’. Sua carreira, no entanto, não deslanchou como ele esperava. Diferentemente do amigo de infância, que emplacou um sucesso atrás do outro, Affleck amargou um longo período de filmes inexpressivos. Mas não se deu por vencido. Para refazer a sua trajetória, saltou para o outro lado das câmeras e passou a criar e dirigir os próprios trabalhos. Após cinco anos e duas produções elogiadas, Affleck lançou na semana passada nos EUA o aguardado suspense político “Argo”, que trata de um momento melindroso nas relações diplomáticas entre os EUA e o Irã: o resgate de seis diplomatas americanos, seqüestrados durante a Revolução Islâmica, em 1979. Para isso, um agente da CIA, interpretado na trama pelo próprio ator/diretor, simula estar fazendo um filme chamado justamente “Argo”. Estudioso das relações de seu país com as nações do Oriente Médio desde os tempos de universidade, Aflleck, 40 anos, critica o americano comum, que não sabe fazer distinção entre persas e árabes, e se sente seguro para opinar sobre a situação atual dos EUA. “Nosso presidente tenta governar um país com a economia em frangalhos”, disse à ISTOÉ em entrevista concedida durante o 37° Festival de Toronto, no Canadá. Na ocasião, “Argo’’, que estreia no Brasil no dia 9 de novembro, foi ovacionado pela plateia, reforçando a sua forte candidatura ao Oscar.

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"Barack Obama tenta convencer de que tudo vai
melhorar. Mas, em vez de crescer, estamos afundando"

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“Vi os técnicos parados, como se estivessem
diante de um fantasma. Era Clint Eastwood que
tinha entrado no estúdio. Ele é um ícone para mim"

Fotos: Kevin Scanlon/The New York Times/Glow Images; Pete Souza/Official White House Photo e Ann Johansson/AP

ISTOÉ

O que instigou o sr. a filmar “Argo”?

Ben Affleck

A história real e mirabolante, que as pessoas pensam até ser fictícia. Como alguém tem a ideia de pedir ajuda a Hollywood para resgatar seis diplomatas americanos escondidos na residência do embaixador do Canadá e durante a Revolução Islâmica? Ninguém acreditaria nessa história se não fosse verdade. 

ISTOÉ

A chamada “crise dos reféns” ecoa no cenário político atual? 

Ben Affleck

Apesar de o episódio ter acontecido há mais de 30 anos, o assunto continua relevante. Lidamos com questões idênticas. O Irã passa por um governo stalinista, trocou Khomeini por Khamenei, mas as tensões políticas entre o país e os EUA, por exemplo, ainda ocupam os noticiários. Desde a Revolução, os EUA não tiveram mais uma embaixada em Teerã. 

ISTOÉ

Enxerga outros paralelos? 

Ben Affleck

Nos EUA, estamos na mesma. Havia um mal-estar naquele período, por conta das taxas de juros, dos preços da gasolina e do governo de Jimmy Carter. Vivemos algo parecido hoje, se pensarmos que elegemos outro presidente democrata que tenta governar um país com uma economia em frangalhos. Constantemente atacado, por ser considerado fraco, Barack Obama está sempre tentando convencer as pessoas de que tudo vai melhorar. Mas, em vez de crescer, nossa infra-estrutura está desmoronando. Afundamos também nas avaliações educacionais, o que não é muito diferente da situação no fim dos anos 1970. 

ISTOÉ

Mesmo com pouca idade, na época o sr. acompanhou essa crise diplomática mostrada no filme?  

Ben Affleck

Tinha 7 anos e achei que fosse um episódio ruim de “Star Trek” (risos). Eu me lembro vagamente do acontecido porque o assunto foi explorado à exaustão na mídia. Arriscaria dizer que essa crise, por ter durado tanto tempo, deu origem às coberturas 24 horas. Esse formato não decolou até a Guerra do Golfo, mas foi nessa época que nasceu o bombardeio de notícias internacionais. Fora isso, o primeiro acontecimento que eu acompanhei mais vivamente pela tevê foi a tentativa de assassinato de Ronald Rea­gan, dois anos mais tarde. A partir daí eu passei a ter mais consciência das questões políticas.
 

ISTOÉ

Na universidade, o sr. optou por estudar a situação do Oriente Médio em detrimento de assuntos mais valorizados. Isso o deixou mais seguro ao rodar “Argo”?  

Ben Affleck

Naquela época, todo mundo que estudava relações internacionais tinha os interesses voltados para a URSS. Quem almejasse um cargo no governo, na CIA ou mesmo nas universidades, como acadêmico, tinha de saber tudo sobre a Rússia. O departamento de estudos sobre o Oriente Médio era relativamente pequeno, mas exercia um grande fascínio sobre mim. 

ISTOÉ

Por quê? 

Ben Affleck

Encarava a região como um mundo opaco e misterioso, sempre gerador de tensões. Não sabia nada sobre a história do Oriente Médio e, por isso, quis entender. Não cheguei a me formar, pois desisti da faculdade para escrever o roteiro de “Gênio Indomável”. Mas aprendi muito nas aulas. Pelo menos, sei a diferença entre persas e árabes, o que não é muito comum entre os americanos (risos). 

ISTOÉ

O sr. é um forte candidato ao Oscar, mas há alguns anos estava com a carreira desmorando. Chegou a pensar em desistir da profissão? 

Ben Affleck

Não. No início da carreira, já havia passado pela experiência de fazer testes e não conseguir papéis. Olhava para a situação de outros atores e via que muitos também tiveram altos e baixos. Isso me dava esperanças.  

ISTOÉ

Os seus filmes que não foram bem nos cinemas também serviram de lição? 

Ben Affleck

Claro. Não há ator que não tenha atuado em filmes que fracassaram. Quando isso aconteceu comigo, só aumentou a minha vontade de melhorar. Se o seu último trabalho dá certo, todo mundo lhe sorri. Mas se ele não vai bem, as pessoas o encontram nas festas e fingem que não o veem (risos). A dor e a decepção também existem na vida de um ator. 

ISTOÉ

Tem orgulho de ter recuperado o prestígio perdido ao produzir os próprios filmes? 

Ben Affleck

Sim. Eu passei por duas provações no cinema. Primeiro, tive de lutar para conseguir fazer “Gênio Indomável” sair do papel. Aí, voltei ao ponto de partida. Nessa época, comentei com Matt Damon (seu parceiro no filme) que, se as coisas ficassem difíceis, poderíamos gerar nosso próprio material. 

ISTOÉ

Foi por isso que o sr. passou à direção, com “Medo da Verdade’’? 

Ben Affleck

Exatamente e foi a melhor coisa que fiz. A estreia do longa ficou abaixo do esperado e, mesmo assim, Jeff Robinov (presidente da Warner Bros.) me chamou nos estúdios e disse: “Eu amo o filme e acredito em você. Vamos trabalhar juntos”. Achei que ele estava me confundindo com outra pessoa (risos). Fui contratado para rodar “Atração Perigosa’’ e, na sequência, “Argo”. Após a queda, foi maravilhoso encarar uma subida íngreme. 

ISTOÉ

Por que o sr. incluiu declarações de Jimmy Carter no final de “Argo”? 

Ben Affleck

Era necessário mostrar a sua posição. De acordo com os analistas políticos, naquele momento, Carter não conseguiu se reeleger por não ter solucionado a crise. Afinal, 52 funcionários da embaixada americana foram sequestrados e acusados de espionagem. Ficaram presos por 444 dias. O filme retrata a jornada de seis diplomatas que se esconderam na residência do embaixador canadense e tiverem mais sorte.  

ISTOÉ

Como vê a relação entre o cinema e a política?  

Ben Affleck

Um elemento importante incorporado no roteiro foi o poder que tem o ato de se contar histórias. Essa é a forma como nos conectamos uns com os outros atualmente. Chegamos a um ponto em que uma câmera pode ser muito mais poderosa que as armas, basta ver o que acontece no YouTube. Você pode massacrar 300 pessoas na Síria, mas, se ninguém vê, não importa.  

ISTOÉ

Por quê? 

Ben Affleck

Está se dando uma sobreposição entre entretenimento e notícia, duas coisas cada vez mais difíceis de distinguir. As personalidades de Hollywood estão presentes na política porque são grandes contadores de histórias. E é justamente isso que os políticos estão procurando. Para se diferenciar, buscam se aperfeiçoar na habilidade de criar uma narrativa em sua campanha. 

ISTOÉ

O sr. se espelha em algum diretor de Hollywood? 

Ben Affleck

Me inspiro em Clint East­wood. Ele é um ícone para mim. Tive sorte de gravar a trilha sonora de “Atração Perigosa” no estúdio que leva o seu nome, na Warner.  

ISTOÉ

Chegou a encontrá-lo? 

Ben Affleck

Sim. Um dia, vi todos os técnicos parados, como se estivessem diante de um fantasma. Era Clint que tinha acabado de entrar no estúdio. Fiquei nervoso como os demais, mas fui falar com ele. Clint me perguntou o que eu estava filmando. Contei que era uma história de policiais e ladrões. “Fiz muitos desses filmes”, disse ele. Não resisti à piada e lhe perguntei se ele tinha direito a algum desconto ao usar o estúdio que leva o seu nome. Ele negou e acrescentou, brincando: “Se soubesse que dariam o meu nome a algum prédio, teria escolhido a torre de água (o emblema dos estúdios Warner).” Clint é o cara!