Ministro dá novo gás às Comunicaçõese usa pasta para diminuir asdesigualdades sociais

Empresário da área de segurança, formado em administração e deputado em terceiro mandato, o cearense Eunício Oliveira foi um dos primeiros peemedebistas a apoiar, em 2002, a candidatura presidencial de Lula. Virou líder do PMDB na Câmara e, na última reforma ministerial, foi uma unanimidade no seu partido para comandar a pasta que cabia aos peemedebistas, o das Comunicações. Passou os primeiros 90 dias em imersão para conhecer assuntos que não dominava, como tevê digital, Lei de Telecomunicações e uma quantidade de siglas desconhecidas dos cidadãos normais, como Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e Funtel (Fundo Nacional de Telecomunicações). Um de seus primeiros atos foi proibir a circulação de lobistas no Ministério. Recentemente, no episódio da venda da Embratel para a mexicana Telmex, o ministro conseguiu o poder de veto na empresa Star One, que administra os satélites da antiga estatal. Agora, Eunício arregaça as mangas para revitalizar uma pasta que – depois do governo FHC e com a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – muitos desprezavam. Ela está ganhando de volta o poder para dar ou renovar concessões de telefonia. O ministro anuncia para logo depois que o Congresso aprovar o projeto enviado pelo presidente Lula, devolvendo ao Ministério das Comunicações o poder de realmente definir a política do setor – a criação de um índice específico para reajustar as tarifas telefônicas.

 

Fotos: André Dusek

"Queremos um novo índice para as tarifas. Um índice que reflita a alteração dos custos das telecomunicações"

 

Fotos: André Dusek

"Quando levei o PMDB para apoiar o governo, foi por convicção. Enquanto fui líder, nunca votei contra o Planalto"

ISTOÉ – Quais os nós que o sr. encontrou na pasta?
Eunício Oliveira

Quando fui convidado pelo presidente Lula, vim com o propósito
de fazer gestão pública e logo deparei com um problema. Na transição, as 11 delegacias regionais do Ministério foram extintas. Todos os processos foram encaixotados e puxados para Brasília. Ao todo são 46 mil processos em andamento.

ISTOÉ – Foi um mau negócio o fechamento das delegacias?
Eunício Oliveira

Você não pode compreender que um país da dimensão do nosso abra mão das delegacias. E no serviço público não se pode demitir funcionários. Ficou a estrutura lá, mas o trabalho foi mandado todo para cá. Foi uma ação administrativa muito ruim do ponto de vista prático. Acomodaram-se os processos em caixotes e as pessoas ficaram com pendências devido à extinção das delegacias. Transferiu-se uma demanda de 11 regionais para dentro do Ministério. Isso provocou um tumulto desnecessário. A solução que encontrei foi reduzir gastos com passagens e diárias, gastos de custeio, e reverter o dinheiro para um convênio que permitiu a contratação de pessoas para fazer este trabalho, dando andamento aos programas e projetos que estavam aqui.

ISTOÉ – Nesse item “herança maldita”, o governo anterior tirou o poder de outorga da telefonia, transferindo os poderes do Ministério para a Anatel. O ex-governador Leonel Brizola chegou a dizer que sua pasta hoje não tem importância.
Eunício Oliveira

Algumas das atribuições dos ministérios, como formulação de políticas públicas e outorgas, foram transferidas para as agências. E não foi só neste Ministério. Agora, o governo enviou um projeto ao Congresso, com urgência constitucional, que corrige essas distorções. As outorgas de radiodifusão estavam aqui e continuam. As outorgas das telecomunicações estão ainda com a Anatel, mas a nova lei determinará que elas voltem para cá.

ISTOÉ – O Ministério readquire robustez, mas, para o consumidor, qual é a vantagem?
Eunício Oliveira

Eu sou favorável às agências. Elas, agora, têm um papel mais importante no interesse da defesa do consumidor. Com a formulação das políticas públicas devolvidas ao Ministério, as agências estarão mais desafogadas e podem se dedicar mais à fiscalização, o que é bom para o consumidor. Mais: nas novas concessões e nas renovações das concessões – em 2005 e 2006, pois esse governo não tem nenhuma pretensão de mexer nos contratos em vigor –, deveremos estabelecer um novo índice para reajuste de tarifas. Vamos ter um fator de correção de valores que será um índice setorial, ou seja, nada de IGPD-I (que corrige as tarifas telefônicas atualmente) ou de IPCA (que se tentou estabelecer para os atuais contratos), mas um índice que reflita a verdade da alteração dos custos do setor de telecomunicações. A construção civil e outros setores têm seus índices próprios. Uma quebra de safra pode influenciar o índice geral de preços, mas não tem nada a ver com telecomunicações ou com construção civil. Já uma alteração do dólar para mais ou menos poderá ter influência. Mas devemos ter muito cuidado nessa discussão, pois ainda não temos nenhum índice definido e tudo será para os próximos contratos ou renovações.

ISTOÉ – Isso vai melhorar o preço das tarifas para o consumidor?
Eunício Oliveira

Sendo um índice que reflete apenas a variação do setor, ele não vai sofrer nenhuma outra influência. Filosoficamente, estará dentro da idéia do chamado marco regulatório, trazendo estabilidade para o consumidor e para as empresas. E mais: o índice setorial será estabelecido por instituições como a Fundação Getúlio Vargas, cujos economistas é que medem as variações no Índice Nacional da Construção Civil (INCC). A posição desse governo é não fazer nenhuma quebra de contrato ou bravata. Mas nas novas outorgas e nas renovações temos todo o direito de discutir um novo fator de correção que dê estabilidade para os dois lados – empresas e consumidor. Mas este índice terá que ser pactuado.

ISTOÉ – Por que os R$ 3 bilhões do Fust ainda não saíram dos cofres do governo e viraram investimentos?
Eunício Oliveira

O dinheiro do Fust ficou paralisado porque havia uma dúvida na lei. O Tribunal de Contas da União recomendou que os recursos fossem utilizados em novos serviços. Mas a vontade política do governo é que os recursos do Fust sejam efetivamente aplicados até o final deste ano. O presidente Lula prevê entre as prioridades do governo a inclusão digital e nós já estamos num processo bastante avançado para lançar novos serviços, aplicando os recursos do Fust. Estes recursos não podem ser utilizados como um programa apenas do Ministério das Comunicações, mas dentro de um projeto estratégico do governo de inclusão digital e, por consequência, de inclusão social. Cerca de 96% da população brasileira tem televisão em casa, mas apenas 8% tem computador. Nós sabemos que muitos desses computadores são defasados. Esses recursos deverão servir tanto para a compra de equipamentos para escolas como para a chegada da banda larga aos locais distantes do País, cobrindo as áreas onde as teles não estão, localidades com menos de 100 habitantes e regiões de fronteiras.

ISTOÉ – Como seriam desenvolvidos os programas?
Eunício Oliveira

É isso que estamos discutindo. Um programa importante como esse tem de ser também de inclusão social. Se você tem uma escola e nós vamos levar o computador e a banda larga, não é justo que a gente não permita à sociedade local o acesso à maquina, à internet. Você pode transformar esses pontos, depois do horário escolar, por exemplo, em centros de vocação tecnológica. Daremos à população local acesso a suas caixas-postais eletrônicas, permitindo que os cidadãos possam fazer ofertas de seus produtos, artesanatos, etc. pela internet. Nos centros de vocação tecnológica, as pessoas poderão ter a possibilidade de utilizar e fazer aprendizado no computador que não ficará restrito ao universo da escola, mas servirá a toda comunidade. Nós temos uma experiência paralela na Empresa de Correios, o CorreioNet, em que fazemos o Exportafácil. Saímos de zero de exportação e este ano já temos US$ 300 milhões. Pequenos e microprodutores exportam lápis, bonecas e produtos variados. Na última semana, lançamos o projeto Giga, uma internet de altíssima velocidade para interligar universidades e centros de excelência. É uma parceria com a iniciativa privada. As empresas tinham fibras ópticas ociosas e cederam-nas para integrar as universidades na área de pesquisa. Lá em Araripe, no Ceará, você poderá fazer um eletrocardiograma e enviar para os centros especializados e ter as melhores orientações. Este projeto, além da Telemedicina, também será usado para a área de segurança.

ISTOÉ – Tem dinheiro para isso tudo?
Eunício Oliveira

 O projeto do Fust, todo ele, é calcado em internet de banda larga.
Os recursos para pagar as empresas que farão a banda larga para escolas, hospitais, centros de saúde, segurança e biblioteca estão estocados no Fust
e ainda temos uma arrecadação anual de R$ 400 milhões, fora o estoque de
R$ 3 bilhões. Nós temos uma demanda de 180 mil escolas, mas isso é um processo gradativo. Naturalmente não vamos fazer isso de uma vez. Muitas escolas ainda não têm condições de receber o equipamento, algumas não têm nem energia. Vamos priorizar locais onde existam condições mínimas de instalação. Os recursos existem. É fundamental que se tenha uma visão de Brasil, não uma visão de regiões. O projeto Giga, por exemplo, está restrito ao Sudeste. Nós vamos ampliar os recursos do Funtel (Fundo de Telecomunicações) e vamos ampliar a banda larga para a Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Numa segunda etapa vamos levar o programa para o Sul

ISTOÉ – Com a compra da Embratel pela Telmex, o governo terá ainda alguma participação na empresa?
Eunício Oliveira

Essa foi uma negociação importante do governo brasileiro. Quando da desestatização da Embratel, a lei geral das telecomunicações já previa uma ação preferencial para o governo com poder de veto, a chamada golden share (ação de ouro). Alegaram que isso acabou não sendo feito porque baixaria os preços das ações das empresas estatais colocadas à venda. Mas numa negociação serena eu coloquei que agora o governo brasileiro gostaria de ter uma golden share na empresa que administra os satélites, a Star One. Recebi na semana passada o diretor-presidente da Telmex (que comprou a Star One). Ele me trouxe uma carta dando o direito ao governo brasileiro de ter a ação de veto. Estamos discutindo nesse momento o melhor modelo desta golden share. Não estamos reivindicando assento no conselho da holding Embratel

ISTOÉ – E a tevê digital quando chega? Vale a pena buscar um modelo nacional?
Eunício Oliveira

Estamos lançando o edital convocando as universidades brasileiras
para a inscrição no programa de tevê digital. Existem recursos do Funtel para isso. São R$ 65 milhões que serão utilizados para pesquisa na tevê digital e esperamos ter cerca de 30 universidades envolvidas nessa pesquisa. Você tem, basicamente, três sistemas no mundo de tevê digital e já fui procurado por pessoas que ofereceram valores significativos para pesquisa tendo como base o modelo americano. Mas não dá para aderir por aderir a um modelo existente. Como nós temos os recursos para a pesquisa, temos obrigação de incentivar a inteligência brasileira nesta área. Toda pesquisa tem um risco, mas é um projeto importante
para o governo brasileiro. É possível desenvolver um sistema nosso e vender para um universo que ainda não desenvolveu nenhum sistema. Afinal, é uma área descoberta com 2,5 bilhões de habitantes no mundo.

ISTOÉ – Longe das tecnologias de ponta, as rádios AM no Brasil estão condenadas à morte?
Eunício Oliveira

Todos sabemos que com a chegada da modernidade, com a digitalização, as rádios de ondas médias, as AMs, que ainda são analógicas, enfrentam dificuldades. Têm deficiência na qualidade de som. Temos um estudo junto com a Anatel para solucionar essa questão. Vamos digitalizar as emissoras até o final de 2005 com um custo muito barato. Em breve vamos anunciar isso.

ISTOÉ – E o Banco Postal, está funcionando?
Eunício Oliveira

A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil estão espalhados por todo o País. Mas em muitos municípios não tem nenhum dos dois. A Empresa de Correios e Telégrafos há 12 mil posições no Brasil, entre postos e agências. O Banco Postal está com 75% de sua capacidade instalada. No Banco Postal o cidadão pode ir de bermuda, chinelo para movimentar sua conta e pagar suas despesas. Lá você tem um banco realmente social. E o faturamento é bastante significativo. São 1,4 milhão de contas correntes abertas e um faturamento acumulado de R$ 62 milhões em quatro mil unidades do Banco Postal já instaladas. Entre setembro de 2003, quando foi aberto o microcrédito, e março de 2004, foram efetuados 104 mil empréstimos populares. É um número de dar inveja a muita gente. Estamos muito próximos do Banco do Brasil e da Caixa. O Banco Postal está cumprindo sua missão social.

ISTOÉ – Todos os ministros reclamam da avareza da Fazenda, o sr. também?
Eunício Oliveira

Quando o ministro Antônio Palocci fez os cortes, nós nos adaptamos ao contingenciamento. Procuro não reclamar, prefiro ajudar a construir. O presidente Lula tem objetivos claros com o crescimento e a diminuição das desigualdades sociais. Não estou aqui para choramingar recursos, reclamar. Isso não resolve. Você tem que encontrar as soluções. Quando levei o PMDB para apoiar o governo, foi por convicção. Enquanto fui líder do PMDB, por 11 meses, nunca votei contra o Planalto e nunca obstruí uma matéria contra o governo.

ISTOÉ – E a briga entre os senadores peemedebistas Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP) pela presidência do Senado?
Eunício Oliveira

Tenho preocupação com a unidade do partido. Vou buscar uma maneira de evitar esse confronto. Ele não deve e não pode acontecer. Tenho convicção de que iremos encontrar uma saída negociada.