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Mão-de-ferro: Partido Colorado aprovou resolução acusando a imprensa de manipular informações e ameaçar a estabilidade institucional com novas investigações sobre o atentado

O governo do Paraguai dá mostras de que sente saudade da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989) e na última semana recorreu a alguns de seus típicos métodos de intimidação. Depois de permanecer um mês fazendo ouvidos moucos às revelações feitas por ISTOÉ sobre o falso atentado contra o vice-presidente Luis María Argaña, ocorrido em março de 1999, as autoridades paraguaias iniciaram uma truculenta ofensiva contra todos aqueles que contestam a história oficial. Na quarta-feira 12, o Partido Colorado – no poder há quase 60 anos, a maioria praticamente como partido único – aprovou uma resolução acusando setores da imprensa de “manipular informações, destruir reputações e ameaçar a estabilidade institucional do Paraguai” ao insistir na reabertura das investigações sobre a morte de Argaña. O alvo preferencial foi o jornal ABC Color, o maior do país, o único no Paraguai a divergir da versão oficial e que tem reproduzido diversas reportagens de ISTOÉ sobre o tema. A reação do governo foi típica de quem põe a culpa no termômetro pela febre do paciente. Um presidente que nada tem a temer certamente estaria empenhado em esclarecer definitivamente uma das mais kafkianas páginas da história recente do Paraguai. Em agosto do ano passado, ISTOÉ comprovou, com base em pareceres científicos, que Argaña já estava morto quando seu carro foi emboscado em uma rua no centro de Assunção. Nas últimas semanas, a revista tornou público os depoimentos de Luis Recasens Molinas – ex-secretário particular de Argaña – e do motorista Víctor Barrios Rey, único sobrevivente do falso atentado. Ambos revelaram detalhes da farsa, apontando, inclusive, os responsáveis por sua montagem, entre eles o atual presidente, Nicanor Duarte Frutos, do Partido Colorado.

Na mesma quarta-feira em que os nostálgicos da ditadura tentavam tapar o sol com a peneira, o presidente Duarte Frutos determinou ao comandante das Forças Armadas, general José Key Kanazawa, que colocasse as tropas nas ruas. Kanazawa determinou que seus comandados intensificassem as “medidas de segurança e inteligência” para capturar o general Lino César Oviedo, ex-comandante do Exército paraguaio e ex-candidato presidencial colorado, que está exilado no Brasil. Condenado a dez anos de prisão por uma suposta tentativa de golpe de Estado em 1996, ele é acusado de ter sido o mentor intelectual do assassinato de Argaña, seu adversário político no Partido Colorado. Preso em Foz do Iguaçu em 2000, Oviedo teve sua condição de perseguido político reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que por unanimidade recusou sua extradição. Na semana passada, o general concedeu entrevista a ISTOÉ em que reafirma sua intenção de voltar ao Paraguai para provar sua inocência e disputar a Presidência da República.

Ao envolver os militares em uma tarefa policial, o presidente Duarte Frutos lança mão de uma medida intimidatória de duplo sentido. Por um lado, procura inibir a volta de Oviedo ao Paraguai; por outro, cria-se no país um clima de medo, que pode impedir o surgimento de novas testemunhas sobre a morte de Argaña.

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Lei do silêncio: “Visitas” ameaçadoras a ex-funcionária de floricultura. Patrón sabe da farsa e desiste de cerimônia

Ameaça – A truculenta reação das autoridades paraguaias, porém, não se limita às manifestações oficiais. Na última semana, homens não identificados, mas falando em nome do governo, fizeram “visitas” ameaçadoras a várias pessoas que poderiam contar mais detalhes sobre as estranhas circunstâncias que cercaram o suposto atentado contra o vice-presidente. Umas das visitadas foi uma ex-funcionária da Villandry, a maior floricultura de Assunção. Na terça-feira 11, ela conversou com ISTOÉ. Disse que, na noite que antecedeu o falso atentado, a floricultura recebeu um pedido para a confecção de uma coroa de flores para Argaña. Tal pedido, segundo a ex-funcionária, foi feito entre 22h30 e 23h e partiu de uma mulher que ela não soube identificar. “Na manhã seguinte, quando se noticiou a morte de Argaña, todos os funcionários comentavam sobre o telefonema”, disse. Ela também esclareceu que a coroa não chegou a ser feita, pois o pedido não foi confirmado, mas o telefonema chegou a ser registrado no computador da floricultura. Na quarta-feira 12, a ex-funcionária da Villandry, assustada, pediu que seu nome não fosse revelado, nem que a identificassem em fotografias. Ela se recusou a contar detalhes sobre sua decisão.

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Trapalhada: Vice-presidente Castiglioni (gravata vermelha) disse que esteve com Argaña. Já Barchini não se lembra dele

O perito Néstor Vera Planás, chefe da polícia científica na época da morte de Argaña e atual professor no Colégio de Polícia Criminalística, também mudou radicalmente de postura. No início da semana, ele estava disposto a contar os detalhes que o levaram a não assinar o laudo de balística do atentado. ISTOÉ apurou que o relatório que lhe foi apresentado era diferente daquele elaborado por ele. As divergências estavam basicamente nas trajetórias dos tiros disparados contra o carro de Argaña. Planás entendia que aqueles disparos não foram os mesmos que atingiram o corpo do vice-presidente. Na quinta-feira 13, Planás resolveu não receber a reportagem, pois o clima no Paraguai estava muito tenso, segundo ele.

“Não sei como nem onde, mas tenho certeza que Argaña não morreu naquele atentado. Não vou dar mais detalhes, mas posso dizer que o vice-presidente não costumava sair de casa sem um segurança de confiança e sem seu motorista.
Os homens que estavam com ele naquela manhã não eram de sua escolta pessoal”, disse o comerciante Antonio Heber, 62 anos, um antigo amigo de
Argaña, a quem acompanhou em campanhas políticas por mais de cinco anos.
Em março deste ano, quando foi inaugurado o Espaço Cultural e Político Luis
María Argaña, no local onde houve o falso atentado, Patrón, como é conhecido
o comerciante, se recuou a participar da solenidade, alegando que o ex-vice-presidente não morrera naquele lugar.

Trapalhadas – Quando não é truculenta, a reação das autoridades paraguaias tem se mostrado tíbia e desastrada. No sábado 8, num esforço para fazer valer a versão oficial, o vice-presidente do Paraguai, Luis Castiglione, declarou que, na noite anterior ao atentado, ele, então deputado, esteve reunido com Argaña na casa deste até por volta da meia-noite. Segundo Castiglioni, o encontro teria ocorrido apenas entre os dois políticos. No domingo 9, o ex-deputado argañista Angel Barchini também disse que estivera na casa de Argaña, mas em companhia de outros políticos e até cerca das 23h. Barchini, entretanto, não fez nenhuma menção à presença de Castiglioni. Deve ser um lamentável caso de amnésia política: na
época do atentado, Barchini declarou à polícia que esteve com Argaña apenas
até as 20h do dia 22 de março. Na época, disse também que na residência do
vice-presidente se encontravam apenas eles dois.

Um fato simbolizou particularmente a tentação autoritária dos colorados. No
mesmo dia em que aprovavam a resolução contra a imprensa, os herdeiros de Stroessner abortaram uma tentativa de modernizar o partido. Assim, uma proposta para que o ex-ditador – exilado em Brasília desde 1989 – fosse desfiliado do partido recebeu uma estrondosa vaia e deverá ser arquivada. Afinal, diz o ditado, quem sai aos seus não degenera.


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