Ex-ministro do governo FHC defende política econômica da presidenta e projeta retomada do crescimento para o ano que vem

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IMPULSO
Para Mendonça de Barros, privatizações ajudam o País a crescer

Responsável pela privatização do sistema Telebras em 1998, quando era ministro das Comunicações, o engenheiro e doutor em economia Luiz Carlos Mendonça de Barros se tornou um símbolo da primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso na Presidência. Antes disso, em 1995, Mendonça de Barros já havia atuado como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante a venda do controle da Companhia Vale do Rio Doce à iniciativa privada. Não por acaso, ficou conhecido como “Senhor Privatização”. Aos 69 anos, reconhece o clima de hostilidade entre tucanos e petistas, mas declara admiração pelo trabalho da presidenta Dilma Rousseff. “As coisas estão indo bem no governo e acho que ela vai ser reeleita”, afirma. As chaves para isso são o plano de concessões no setor de infraestrutura, a redução dos custos de produção da indústria e as medidas de desoneração anunciadas recentemente pelo governo. “Dilma agiu como presidenta da República e não como membro de um partido político.”

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"A presidenta ouviu as críticas, o que é positivo, porque o
Brasil vive uma relação conflituosa entre tucanos e petistas"

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"Para um funcionário da Infraero, faz sentido ele não querer
a privatização dos aeroportos. Para a sociedade, não"

Fotos: Roberto Setton; Eraldo Peres; Lucas Dantas

ISTOÉ

Como o sr. avalia as recentes medidas do governo federal que reduzem os custos de produção, como a desoneração das folhas de pagamento e o desconto no preço da energia elétrica?

Luiz Carlos Mendonça de Barros

É uma resposta a uma crítica que se fazia já havia algum tempo à política econômica da presidenta Dilma. A crise que a indústria brasileira estava vivendo se devia à estrutura de custos de produção interna. O governo tinha uma leitura simplista de que a falta de competitividade era um problema de câmbio, que o real estava muito forte. Tanto que o governo começou uma política de desvalorização da moeda. Enquanto isso, um grupo de economistas de fora do governo, no qual eu estava inserido, dizia que esse não era o centro do problema. O centro do problema era que os custos de produção da indústria estavam em desalinho com os custos dos países que concorrem com a gente.  

ISTOÉ

O sr. pode dar um exemplo desse descompasso? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

O exemplo mais gritante disso era o preço da energia elétrica. Durante várias décadas, o Brasil foi uma economia extremamente fechada. Então o consumidor não tinha um padrão de comparação de preços. Agora, isso mudou. 

ISTOÉ

Como esse grupo de fora do governo se fez ouvir? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

O que a presidenta fez foi ouvir as críticas e sugestões dos economistas, o que é um sinal muito positivo, porque o Brasil vive ainda uma relação conflituosa entre tucanos e petistas. Isso é muito ruim, porque diminui as possibilidades do centro. Na posição dos tucanos, há coisas certas e erradas. No PT, também. Certamente nesse caso, a presidenta Dilma reconheceu que o pessoal que vinha criticando o governo tinha razão. Agora falta ainda muito caminho para a solução definitiva do problema, porque o que temos por trás dessa estrutura de custos agressiva é um sistema tributário que leva a isso. 

ISTOÉ

As recentes medidas de estímulo à economia anunciadas pelo governo são suficientes para fazer o País crescer mais? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

No começo do ano, minha expectativa era de que o PIB avançasse 3,5%, que é seu crescimento potencial. Mas agora espero 1,5%. O que aconteceu neste ano foi que, de um lado, o consumo das famílias foi mais baixo do que o previsto por conta de um engasgo de crédito. Os empréstimos haviam crescido muito e, em alguns casos, houve descompasso com a renda. Se antes esperava uma alta de 5% no consumo, agora acho que vai ficar perto dos 3%. Mas isso já está voltando, porque os dados mais recentes de inadimplência mostram queda importante. Explica-se uma parte da desaceleração assim.  

ISTOÉ

E a outra parte? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

A outra é que os investimentos das empresas privadas despencaram 7% no primeiro semestre. Por causa da crise externa, os empresários daqui pisaram no freio. Isso explica pelo menos mais de 1% da redução do crescimento esperado. Mas, para a frente, vejo que o consumidor voltará às compras, porque o emprego está preservado e a renda continua crescendo acima da inflação. E, afinal, o mundo não acabou. A probabilidade de uma grande ruptura na Europa sumiu e isso vai afetar também o comportamento do empresário, que vai voltar a investir não só o que segurou como aquilo que precisa para atender à demanda, que está crescendo de novo. Em 2013, minha previsão é de que o Brasil cresça de 4,5% a 5%.
 

ISTOÉ

Após o anúncio do pacote para as rodovias e ferrovias, o sr. elogiou o passo tomado pela presidenta Dilma. O caminho para o crescimento passa necessariamente pela privatização? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Sem dúvida nenhuma. Por uma razão muito simples. O Brasil, para sustentar um crescimento de 3,5% a 4% pelos próximos dez anos, precisa fazer grande esforço de investimento em infraestrutura. Mas boa parte desses investimentos está na área pública. Na ideologia do PT, é o governo que tem que prover serviços como estradas, portos, ferrovias e geração de energia. Mas, nos dois primeiros anos de governo, a presidenta já percebeu que isso é impossível de acontecer aqui.  

ISTOÉ

Por que é impossível? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Primeiro, porque o governo não tem dinheiro. Segundo, a corrupção. Quando se põe o setor público para fazer esses investimentos, abre-se uma influência muito grande dos partidos políticos e isso leva naturalmente à corrupção e à ineficiência. Como se soluciona essa armadilha? Chamando o setor privado para investir. Porque ele tem dinheiro, acesso a capitais externos e internos e as empresas privadas têm um grau de eficiência maior do que as públicas. Mas, como o serviço é de natureza pública, o governo tem que manter sua função de arbitrar os interesses privados das demandas naturais da sociedade. O modelo implantado pelo presidente Fernando Henrique é eficiente nisso, com as agências públicas capazes de normatizar e fiscalizar as empresas. 

ISTOÉ

As empresas públicas sempre serão piores que as privadas? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Dizer que o setor público é o diabo e o privado é santo não é verdade. Solta, a empresa privada vai tentar ganhar mais dinheiro até com atividades ilícitas. O setor privado está sujeito à regulação de um país e as agências do governo tomam conta disso. É preciso fazer concessões dentro de limites legais e regulatórios que defendam o cidadão. É esse o modelo que foi implantado pelo Fernando Henrique no Brasil. Como o PT ficou durante muitos anos criticando esse modelo, eles agora estão numa saia justa. Mas Dilma agiu como presidenta da República e não como membro de um partido político. 

ISTOÉ

As privatizações do governo FHC foram usadas como arma contra o PSDB durante as três últimas campanhas presidenciais. E Dilma rejeitou chamar de “privatização” seu pacote de concessões. Como o sr. vê a guinada ideológica do PT governista? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Temos uma presidenta que conhece a parte administrativa e viu que falta investimento na infraestrutura e nos serviços públicos. Acredito que a presidenta tenha tido um choque de realidade no poder em relação à questão ideológica do setor público. E há outra questão política importante: os sindicatos não querem privatização, porque é uma moleza ser funcionário de um órgão público. Do ponto de vista do funcionário da Infraero, por exemplo, faz todo sentido ele não querer privatização dos aeroportos. Mas do ponto de vista da sociedade, não. A presidenta chegou a essa conclusão apesar de um problema político que tinha que enfrentar. Também não cabe à gente do governo anterior ficar dizendo: “não falei?” Isso já passou. Eu olho hoje para o Brasil como o País dos meus netos, que têm 8, 9 anos. Esse pessoal precisa de investimento privado na infraestrutura. Tenho posição pragmática de dar apoio à presidenta nessa mudança de rumo que ela está tomando. 

ISTOÉ

Há uma rejeição no Brasil à palavra “privatização”? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Não acredito. Se uma pessoa vem falar mal da privatização para mim, eu dou o exemplo do telefone e pergunto se há coisa mais democratizada que isso. Daí a pessoa fala: “mas o serviço é muito ruim”. O serviço é ruim, mas você tem agência para cobrar esse tipo de coisa. Observe as estradas de São Paulo. Paga pedágio? Paga, mas em compensação você tem um serviço muito melhor. 

ISTOÉ

Que desfecho o sr. espera da crise europeia? Com o devido distanciamento, podemos dizer que o euro e o sonho da moeda única foi um erro? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

O euro é a etapa final de um processo de integração europeia que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Até a queda do Muro de Berlim, os políticos europeus fizeram essa integração de forma lenta e realista. Mas depois houve uma euforia e foram dados passos largos demais. Até então o grupo de países no bloco era pequeno e mais homogêneo. Aí entrou a Grécia, por exemplo, e foi criado um espaço comum com povos muito diferentes do ponto de vista de poupança e trabalho. A Europa manteve esse equilíbrio estável durante muito tempo, via endividamento. Só que, com a crise nos Estados Unidos, essa possibilidade acabou. O que estamos vivendo é a ressaca da dívida. Além disso, ainda existe um problema de fundo: é possível uma sociedade como a alemã ter a mesma moeda que a Grécia? Eu acho que não. Com o tempo, terão que ser criados mecanismos para reduzir o número de países que têm a moeda única e jogar para a segunda divisão países como a Grécia. 

ISTOÉ

A euforia com o Brasil no Exterior já passou? 

Luiz Carlos Mendonça de Barros

Diminuiu, mas acho que vai voltar. Entre 2004 e 2007, o mundo estava vivendo uma fase de expansão e o otimismo com o futuro era generalizado. Com a crise nos Estados Unidos e depois na Europa, o mundo passou da euforia para a depressão. Na euforia, não se veem defeitos nos outros. Na depressão, qualquer coisa é defeito. O Brasil sofre um pouco com esse mau humor dos investidores. Como acho que vamos, a partir do ano que vem, reduzir essa depressão, eles vão começar a olhar para o Brasil com olhos menos otimistas do que aconteceu em 2004, mas bem mais otimistas do que agora.