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Os avanços no estudo da obesidade têm trazido novidades em uma velocidade incrível. A última delas foi divulgada na semana passada. Um casal de brasileiros e sua equipe do Instituto M.D. Anderson Cancer, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, anunciaram na última edição da revista Nature um feito que entusiasmou a comunidade científica. Os pesquisadores conseguiram destruir, em animais, os vasos sanguíneos que irrigam as células de gordura. Sem sua rede de irrigação – fornecedora de oxigênio e nutrientes necessários a seu funcionamento – esses depósitos de gordura acabam morrendo e depois são metabolizados pelo organismo. Ou seja, cortando-se a via de suprimento, impede-se a existência das células. Consequentemente, termina o armazenamento de gordura. Bingo.

A tática vinha sendo estudada contra o câncer, para impedir o crescimento das células malignas (já há um remédio contra a doença baseado nessa estratégia). Os brasileiros Renata Pasqualini e seu marido, Wadih Arap, professores de biologia do câncer do M. D. Anderson, estão entre os cientistas que trabalham nessa área de investigação. Há três anos, no entanto, eles resolveram testar os efeitos da técnica na obesidade. O desafio, nesse caso, era fazer com que a substância destinada à destruição dos vasos sanguíneos chegasse unicamente à rede que irriga as células de gordura. Para isso, era preciso encontrar o “endereço” das células dos vasos. E foi o que os pesquisadores descobriram. A partir daí, criaram uma maneira de enviar o composto para o lugar certo. “Por meio de uma espécie de código postal, endereçamos a substância exclusivamente para os vasos que irrigam a gordura. Eles foram destruídos sem que houvesse dano a outras partes do corpo”, diz Renata.

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Marco: estudo dos brasileiros Renata e Wadih entusiasmou os especialistas

Os cientistas usaram camundongos. Durante seis meses, os animais tiveram a alimentação incrementada para que ficassem obesos. Depois, durante quatro semanas metade deles recebeu injeções diárias da substância. O resultado foi surpreendente. “Sem mudar a alimentação que usamos para engordá-los, os ratos que receberam o tratamento voltaram ao peso normal que tinham antes do início do estudo”, conta Renata. É fácil entender. Como as células onde a gordura era armazenada morreram por falta de suprimento – não havia vasos para nutri-las –, o corpo dos animais ficou sem ter onde guardar o nutriente. O próximo passo é fazer o experimento em macacos. Os cientistas, é claro, são cautelosos. “Os resultados são tão impressionantes que geram uma expectativa grande. Mas o organismo do ser humano é muito mais complexo do que o de um camundongo”, ressalva Wadih Arap.

Entusiasmo – A notícia correu o mundo, empolgando os pesquisadores da área. O endocrinologista Walmir Coutinho, vice-presidente da Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade, por exemplo, estava num congresso na Venezuela quando a pesquisa foi divulgada. Segundo ele, houve uma comemoração geral entre os participantes. “É uma promessa muito interessante. Até porque outras pesquisas nessa linha fracassaram por não conseguirem fazer com que os animais parassem de emagrecer. Mas nesse estudo está claro que, ao interromper a aplicação da injeção, os animais voltaram a ganhar peso”, comenta.

Positivo: Cobaia tratada emagreceu. A outra manteve o excesso de peso

Outra área que tem recebido atenção no combate à obesidade é a genética. Já se sabe que mais de 300 alterações estão associadas à doença. Aqui no Brasil, alguns pesquisadores se dedicam a entender as razões que levam uma pessoa a ter facilidade para engordar ou dificuldade para emagrecer. A coordenadora do Ambulatório de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas de São Paulo, Sandra Vilares, é uma delas. Seu grupo já identificou uma alteração genética que facilita a queima de gordura por determinadas pessoas. “Está provado que a obesidade não é só uma doença vinculada ao estilo de vida. Existem variações genéticas que predispõem ao problema. É preciso entendê-las”, afirma Sandra.

A maior parte desses conhecimentos ainda não saiu do laboratório. Apenas um teste genético é aplicado para obesidade no Brasil. O exame é feito pelo Laboratório Gene, em Belo Horizonte, e busca uma alteração no gene 825, que predispõe mulheres grávidas a ter dificuldades para perder peso no pós-parto. Uma pesquisa publicada na revista The Lancet em 2000 descreve essa predisposição, mas no próprio artigo os cientistas fazem considerações dizendo que a frequência da alteração varia de acordo com a raça. “A associação é interessante, mas no Brasil não há pesquisa comprovando que a incidência dessa alteração seja alta para justificar a oferta do teste para a população”, avalia Sandra.

Max G. Pinto

A pesquisadora Sandra Vilares estuda alterações nos genes que podem estar associadas aos quilos a mais

A coordenadora do laboratório Gene, Rosane Sturzeneker, defende a importância do exame. “O teste pode ser um estímulo para que as mulheres se cuidem durante a gravidez”, justifica. Mas Salmo Raskin, especialista em medicina genética, de Curitiba, é crítico. “A pesquisa mostra que mesmo as mulheres com a predisposição evitaram o problema fazendo exercício durante a gestação”, diz. O exame, que custa R$ 180, é feito a partir de amostras de esfregaço bucal, sangue ou fio de cabelo.

Enquanto boa parte dos pesquisadores volta os olhos para as causas da obesidade, outra quer descobrir o que a gordura provoca no equilíbrio do organismo. Este é um tema cada vez mais discutido pela medicina. A investigação se baseia em estudos que desvendam as características do tecido adiposo. Se antes ele era visto apenas como uma espécie de papel de embrulho das formas, agora é classificado como o maior órgão endócrino do corpo humano. Enfim, um grande produtor de hormônios e outras substâncias. “Esse conhecimento nos permite entender melhor os mecanismos pelos quais a obesidade causa tantos transtornos à saúde”, explica a endocrinologista Regeane Cronfli, do Hospital do Coração de São Paulo. Em uma pessoa com peso normal, a produção de substâncias como a leptina, hormônio feito pelo tecido adiposo envolvido na regulagem da fome e da saciedade, está em níveis aceitáveis. A encrenca começa quando o indivíduo ganha peso e as células adiposas se multiplicam. A partir daí, a produção de centenas de substâncias se eleva e há transformações. “Pesquisas mostram que até leptina não tem o mesmo desempenho nos obesos e nas pessoas magras. Isso mostra quanto o mecanismo de regulação da fome e da saciedade é complexo”, diz o endocrinologista Alfredo Halpern, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Hélcio Nagamine

Valdete perdeu dez quilos e matriculou a filha Fabiana em programa que ensina a comer e a ter melhor qualidade de vida

Insulina – A torrente de substâncias fabricadas no tecido gorduroso deflagra alterações com impacto a médio e longo prazo. Uma delas é a resistência à insulina, que surge a partir de um mecanismo de defesa do corpo para limitar o aumento das células de gordura e suas consequências. O próprio tecido gorduroso fabrica o hormônio TNF-alfa, que eleva a resistência das células à insulina. Ela abre a porta das células para a entrada da glicose, seu combustível. Mas sem energia suficiente porque a glicose não conseguiu entrar e as células de gordura e dos músculos não se multiplicam.

Em princípio, parece bom. Mas o problema é sério e chama cada vez mais a atenção dos médicos. Por um lado, o organismo pede ao pâncreas que produza mais insulina para permitir que a glicose entre nas células. Isso pode levar o órgão à falência. “Quando o pâncreas começa a falhar, há condições para o surgimento da diabete tipo 2”, diz Halpern. A doença é uma das principais preocupações da medicina hoje. Recentemente, médicos do Centro de Controle de Doenças dos EUA alertavam para o risco de que, se for mantida a atual tendência de aumento no número de pessoas diabéticas, pela primeira vez a nova geração de americanos poderá viver menos do que os seus pais. A estimativa do CDC é de haver um crescimento 165% nos casos de diabete adquirida entre 2000 e 2005.

O excesso de insulina no sangue causa outros estragos. Ela participa do processo de fabricação de gorduras como o triglicérides. Se estiver em grande quantidade, elevará a produção dessas substâncias, o que pode levar ao aumento do colesterol nocivo ao organismo. É por causa de tantos riscos que os médicos estão mais atentos ao fenômeno da resistência à insulina no tratamento da obesidade. E já tentam algumas estratégias. Uma pesquisa feita pela endocrinologista Maria Tereza Zanella, da Universidade Federal de São Paulo, com 20 obesos com pressão alta e propensos à diabete, mostrou que o uso de um medicamento para diminuir a resistência à insulina teve efeito positivo no emagrecimento. “O grupo tratado com o remédio metformina (para diabete) e dieta com baixa caloria emagreceu cinco quilos em 12 semanas. O grupo que fez dieta e usou placebo perdeu apenas 1,5 quilo. No entanto, a amostra é pequena para servir como uma orientação ampla”, diz a médica.

Max G. Pinto

O médico Massud adota uma dieta
que exclui alimentos como arroz
branco e macarrão. Quer equilibrar o funcionamento de seu organismo

O maior conhecimento das repercussões da obesidade no organismo ainda não mudou as recomendações básicas do tratamento, mas promove ajustes. Uma das medidas adotadas pela médica Regeane, por exemplo, é reduzir a presença na alimentação dos hidratos de carbono simples – leia-se arroz branco, pão, macarrão e açúcar. Esses alimentos são transformados rapidamente em glicose, exigindo descargas de insulina. O médico João Massud, 55 anos, de São Paulo, incorporou essas orientações mais recentes à sua rotina. Em luta com a obesidade desde a juventude, faz periodicamente uma bateria de exames para monitorar a saúde. Nos últimos
dois meses, perdeu dez quilos. “Estou com 128 quilos e me sinto melhor. Preciso baixar a resistência à insulina e mudar o meu metabolismo para que ele volte ao normal”, afirma.

Escola – De fato, o melhor caminho para interromper essa rota de risco é perder peso e aumentar a atividade física. São duas medidas de eficácia garantida. “Em geral, perder 10% do peso é suficiente para reduzir a massa de células gordurosas”, diz o endocrinologista José Marcondes, do Hospital Sírio Libanês (SP). E em meio à grande oferta de métodos para lutar contra a obesidade, a tendência é exigir mais qualidade. “Métodos ruins precisam ser descartados, como usar hormônios para acelerar o trabalho da glândula tireóide, que comanda a queima de gorduras, em pessoas obesas. É um erro porque menos de 1% dos obesos tem tireóide preguiçosa. Tratados com medicação desse tipo, podem sofrer alterações de humor e descontroles hormonais sérios”, alerta Marcondes.

Também surgem nuances na velha fórmula dieta/exercício. “É possível simplesmente perder quilos com dieta ou emagrecer e ganhar qualidade de
vida”, diz a fisiologista Vera Lúcia Barbosa, coordenadora do Núcleo de Atividades Esportivas Movere, uma espécie de escola de emagrecimento em São Paulo. Ali, os programas de prevenção da obesidade para crianças e perda de peso para adultos incluem muita atividade física e são orientados por uma equipe composta por psicólogo, nutricionista, médica e fisioterapeuta. A paulista Valdete Kawazoe, 49 anos, aprova o método. No começo, fez ginástica de manhã e levou para casa o almoço e o lanchinho preparados no Movere. “Era viciada em academia e estava com as articulações machucadas. Agora me exercito com prazer e como até pizza. Achei o caminho certo e já perdi dez quilos”, conta. Animada com a descoberta, Valdete matriculou as filhas Flávia e Fabiana, que não são obesas. “Elas precisam apenas cultivar a qualidade de vida”, afirma.