Alan Rodrigues

"O PT encarnou muito a mudança, e no governo isso não tem se revelado possível na velocidade que a população esperava"

A Bahia tem um Índice de Desenvolvimento Humano abaixo da média brasileira, e é para melhorar esses números que o governador Paulo Souto (PFL) vem demonstrando uma preocupação social forte ao focar projetos de geração de renda e melhoria na educação e na saúde. Souto colhe os louros de iniciativas sociais. Reconhecidas pelo Banco Mundial, serão apresentadas na Conferência Mundial para Redução da Pobreza e Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá este mês na China, como exemplos de que é possível mudar a cara do Brasil. Souto bate na tecla do crescimento econômico quando analisa o governo Lula. E as críticas não param por aí. Ele recebeu ISTOÉ em seu gabinete no Centro Administrativo. Mesmo com o ar-condicionado ligado a toda, a temperatura subiu quando criticou o aparelhamento dos escalões operacionais de setores do governo petista, o corte de verbas do FAT para capacitação e a não atualização dos repasses do Fundef, defasados desde o primeiro governo de FHC.

ISTOÉ – Como o sr. avalia o governo Lula?
Paulo Souto –
A política econômica que o governo está praticando tem trazido muitas dificuldades à necessidade básica de crescimento. Mas a questão que se apresenta – e ainda não foi respondida com precisão – é: será que existia uma alternativa para alcançar o nível de crescimento desejado? Ao mesmo tempo, o governo teve que fazer uma política fiscal extremamente austera para recuperar a credibilidade na tentativa de iniciar um processo de crescimento mais sustentável, que infelizmente ainda não chegou.

ISTOÉ – Mas esse é o argumento de defesa do governo para explicar
o atraso no crescimento.
Souto –
O grande problema é de quem apontou o caminho de que o País pudesse ser um pouco mais liberal no gasto fiscal, sem eventualmente passar por alguns constrangimentos. Outro impasse é como é que essa política se sustenta tendo em vista a expectativa que o governo criou durante a campanha que fez. Na medida em que o governo teve dificuldades e optou por uma política mais conservadora surgiu esse antagonismo. O fato é que o País precisa crescer.

ISTOÉ – A taxa de juros é a grande vilã da estagnação econômica?
Souto –
Tenho dúvidas que só com taxa de juros se recuperaria o crescimento. Os problemas de investimentos no setor público são seriíssimos. As estradas estão extremamente depreciadas. Vamos supor que tudo dê certo, que este País volte a crescer. Teremos problemas de infra-estrutura. Essa restrição ao crescimento já está existindo em portos, rodovias, ferrovias e é da maior gravidade.

ISTOÉ – O governo tem errado em não conversar com os governadores?
Souto –
Conversar eles conversam muito (risos). As dificuldades são as consequências destas conversas. Dois pontos foram fundamentais para a aliança que possibilitou as reformas e até agora não vimos uma resposta firme.

ISTOÉ – Quais foram esses pontos?
Souto –
O Fundo Regional de Desenvolvimento e a compensação das exportações. Foram pontos acordados em reuniões anteriores e até agora não cumpridos. Nessa questão federativa tem um fato inegável, que voltou a ser discutido na reunião de governadores: o mecanismo que centraliza nas mãos da União a receita tributária do País. Depois da Constituição de 1988, a União começou gradativamente a recuperar recursos sem ter que compartilhá-los com os Estados.

ISTOÉ – O clima eleitoral não pode prejudicar o governo Lula?
Souto –
O governo começa a ser bombardeado pelo próprio partido, o PT, e isso não tem a ver com eleição. Trata-se de uma comparação entre a expectativa que se criou com a campanha e a realidade. O PT encarnou muito a mudança, a transformação, e no governo isso não tem se revelado possível na velocidade que a população esperava. É claro que o período eleitoral exacerba um pouco essas contradições.

ISTOÉ – O seu governo vem investindo em projetos sociais. Esta é a forma de mudar a cara da Bahia?
Souto –
O governo federal está atuando em projetos que são de transferência de renda, como o Fome Zero, que é um mecanismo importante para situações de pobreza extrema. A Bahia optou em caminhar mais na direção de programas de geração de renda. Estamos atuando seletivamente em ações mais voltadas para comunidades rurais, uma vez que 32% da população está na zona rural, no semi-árido.

ISTOÉ – De que forma?
Souto –
Na terra, com infra-estrutura para melhorar a capacidade de produção, e no homem do campo, com programas de qualificação intensiva. A novidade destes programas é criar infra-estrutura voltada para um sistema produtivo. No momento em que se faz isso, o produtor vai ao banco para buscar um crédito menos onerado. Não vai gastar recursos para infra-estrutura, mas sim para sua atividade produtiva.

ISTOÉ – Como o sr. enfrenta a violência no Estado?
Souto –
Há coisas mais estruturais, que dependem de prazo mais longo, como integrar as polícias e qualificá-las do ponto de vista tecnológico, de inteligência. E há coisas mais corriqueiras, como equipamento de segurança individual e de comunicação, além de uma coisa prosaica: viaturas.

ISTOÉ – Qual é a dificuldade?
Souto –
Dispomos de orçamentos engessados por um número enorme de vinculações e isso dificulta até mesmo as coisas mais corriqueiras. Não sei por que o Congresso negou aos Estados o que fez para a União, a fim de proporcionar um pouco mais de liberdade de investimentos.

ISTOÉ – Mas quando se falou em desvinculação houve uma grita.
Souto –
De fato, todo mundo reagiu. Mas não entendo por que não houve grita quando se fez isso com a União. Ela tem a liberdade de desvincular 20% de toda a receita federal. Não tinha a menor possibilidade de fazer o ajuste sem isso. Por que não dar certa liberdade aos Estados? Não quero reduzir o problema de segurança a isso. A falta de desenvolvimento impediu o aumento de receita. Do ponto de vista federal, se imaginava uma ação mais forte com relação ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas em fronteiras. É muito importante uma ajuda federal tanto material como de articulação.

ISTOÉ – Como é a sua relação com o governo Lula?
Souto –
Não atribuo as dificuldades a um tratamento político diferenciado. Há problemas de gerenciamento em certas áreas de poder, em escalões menores.

ISTOÉ – Em quais áreas?
Souto –
Prefiro não mencioná-las, mas uma referência é que a ocupação de alguns escalões operacionais não foi feita com os cuidados necessários.

ISTOÉ – O sr. está falando de aparelhamento da máquina?
Souto –
Usam esse termo, mas não quero entrar pelo lado partidário. Digo que era preciso mais cuidado com a qualificação. Minha relação pessoal com o presidente e com os ministros é boa. Mas há coisas que gostaríamos que andassem com mais velocidade. Não consigo entender, uma vez que o desemprego é uma preocupação de todos nós, o corte violentíssimo de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) voltados para a qualificação. Eles foram extremamente reduzidos. Uma coisa de que tenho me queixado muito é que o governo, e isso vem desde FHC, resolveu não cumprir a legislação do Fundef. Não atualiza o custo por aluno e nos dá menos de R$ 400 milhões por ano. Tirando o primeiro ano do Fundef, a atualização foi sempre abaixo do que a lei previa.