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Batalha: “Se não fosse por Deus, eu não estaria no Salão Oval. Estaria num bar”, afirmou certa vez o presidente americano

Acusar um presidente da República de ser alcoólatra é ato grave. A rotulação assume dimensões ainda mais devastadoras do que se fosse colada a um cidadão sem mandato. O chefe de Estado, afinal, toma decisões que afetam as vidas de milhões de pessoas. A simples suspeita do vício já é suficiente para abalar políticas nacionais – e internacionais. A despeito destas ponderações, setores da imprensa e especialistas em alcoolismo nos Estados Unidos vêm insistindo em classificar o presidente como bêbado. George W. Bush, consta, não toma nenhuma gota de álcool desde o dia 28 de junho de 1986. Mesmo assim, começando há dois anos, e culminando no último mês de abril, vêm se desenvolvendo em publicações e sites da internet no país uma grande polêmica sobre a sobriedade do ocupante da Casa Branca. A suspeita que se levanta é a de que W. Bush seria um “dry drunk”– termo técnico usado por terapeutas de combate ao alcoolismo, e que literalmente significa “bêbado seco”. Trata do estado mental de certos alcoólatras regenerados, que continuam exibindo comportamento errático e características do alcoólatra. A tese, aplicada ao líder da maior potência do mundo, tem componentes bastante convincentes e assustadores.
Em setembro de 2002, o comentarista político Alan Bisbort levantou a suspeita da bebedeira virtual de Bush na publicação American Politics Journal, na matéria “Dry drunk – is Bush making a cry for help?” (Bêbado seco – estará Bush pedindo ajuda?). No artigo, Bisbort lembra que, segundo as estimativas mais conservadoras, existem dez milhões de alcoólatras nos Estados Unidos, e apenas poucas famílias não sofreram de algum modo com o drama deste vício. E ele vai buscar nas cartilhas da Associação dos Alcoólatras Anônimos a definição para o que acredita ser o estado psíquico do presidente. Liga atitudes e decisões do líder às patologias de seus anos de bebedeira.

O autor, ressalte-se, não é especialista no assunto e suas hipóteses se enquadram mais na categoria de texto político de oposição do que em um tratado científico. Aqueles que defendem a sobriedade do presidente Bush apontam que existem diferenças entre um alcoólatra e quem abusa da bebida. Os primeiros são totalmente dependentes e consumidores habituais do álcool. Os últimos apenas bebem demasiadamente. Com a palavra sobre o assunto, o suspeito, George W. Bush: “Se não fosse por Deus, eu não estaria aqui no Salão Oval. Estaria num bar”, frase dita a um grupo de líderes religiosos em visita à Casa Branca.

Mas a idéia do bêbado seco despertou o interesse de profissionais da área de tratamento de alcoolismo. “Normalmente, eu não usaria este termo (dry drunk). Mas no caso de George W. Bush, acho a frase de Bisbort muito apropriada”, disse Katherine van Wormer, professora do curso de assistência social da Universidade do Noroeste de Iowa e co-autora do livro Addiction treatment: a strenghts perspective (Tratamento do vício: uma perspectiva de resistência). Katherine aponta as características do chamado “bêbado seco”: 1) autopromoção exagerada e pomposidade; 2) comportamentos que evocam grandiosidade; 3) visões e julgamentos muito rígidos; 4) impaciência; 5) comportamento infantil; 6) análises irracionais; 7) projeções; e 8) reações exageradas. Feita a lista, a professora a relaciona com as atitudes conhecidas do presidente Bush. “Claramente George W. Bush tem todas essas características, menos a de autopromoção”, diz, pois afinal o homem é líder da maior potência do mundo. “Não se pode negar que Bush tem uma importância enorme como chefe de Estado. Mas o presidente é prepotente, especialmente quando atua na área de política externa. Quando essa prepotência é exagerada, o mundo todo é afetado. E ele tem claramente esses episódios paranóicos”, afirma Katherine.

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Dez milhões de famílias nos EUA passam pelo drama do alcoolismo. Os Bush (foto) já viveram isso

É possível encontrar episódios de paranóia em Bush, especialmente em um de seus mais importantes discursos, quando em 2002  afirmou: “Nós devemos estar preparados para deter os Estados selvagens e seus clientes terroristas, antes que eles sejam capazes de ameaçar ou usar armas de destruição em massa contra os Estados Unidos ou nossos aliados e amigos.” Naquele momento o presidente acreditava que o Iraque tinha armas de destruição em massa, a despeito das informações dos serviços de inteligência não terem comprovação. “A característica de projeção também fica evidente aqui. É a projeção do fato de que estamos prontos a atacar uma outra nação, mesmo que ela não esteja tão inclinada a nos atacar”, diz a professora. Projeção seria quando a vontade de alguém é projetada em uma outra pessoa. Ou seja, no caso de George W. Bush, ele é que tem vontade de atacar e projeta esse desejo nas nações inimigas. Dessa projeção vem a paranóia, característica deste governo, que prega ações preventivas contra inimigos que ainda não atacaram.

O homem de visão e julgamento ultra-rígidos também está presente em todos os discursos de Bush, segundo a professora da universidade de Iowa. “Bush está pronto a enfrentar o mundo, com um sentido quase bíblico. Considere estas palavras: ‘Olha, meu trabalho não é ficar nas nuanças. Eu acho que a clareza moral é importante… Isto é a luta do mal contra o bem.’ O maquiavelismo contido na frase é um dos indicativos dessa visão rígida”, diz Katherine. A tendência de polarizar situações não consta da lista acima, mas, como sugere a especialista, trata-se de “um clássico padrão do pensamento de alcoólatras”. É a perspectiva do viciado: “Ou está conosco ou está contra nós”, frase famosa do discurso do Estado da União em 2001. “Esta visão do ‘ou tudo ou nada’ é típica dos recém- recuperados do alcoolismo, e leva a um padrão de comportamento destrutivo”, diz a professora.

Padrões de pensamentos obsessivos também são marcas dessas pessoas. “Isso acontece por razões orgânicas resultantes de irregularidades químicas no cérebro. A mensagem numa parte do cérebro fica presa ali. Isso leva a uma enlouquecedora repetição de pensamentos. O presidente Bush parece exageradamente focado em se vingar de Saddam Hussein (lembre-se do ‘Ele tentou matar meu pai’). E esta obsessão levou o país e o mundo à guerra”, diz Katherine. A característica de comportamentos que evocam grandiosidade pôde ser notada em várias ocasiões em que o presidente se expôs imperialmente nas relações externas. Sua ida à Assembléia Geral da ONU para ameaçar ação de guerra ao Iraque, mesmo sem autorização daquele organismo, é bom demonstrativo. No item da lista do bêbado seco, a impaciência é apontada como outro indicativo da condição. “Bush está longe de ser um homem paciente”, diz Katherine. Ela cita o discurso feito em West Point, em 2003, como exemplo disso. “Se nós esperarmos que as ameaças se materializem, teremos aguardado por demais”, disse. “Significativamente, Bush só esperou a palavra da ONU e a aprovação do Congresso com extrema relutância”, diz a professora. Lembre-se também que os inspetores de armas da ONU, que investigavam o arsenal de Saddam, pediram mais tempo para completar seu trabalho, e não foram ouvidos pelo presidente americano.

Exageros – O comportamento infantil é sinônimo de simpatia para George W. Bush. Até hoje ele não perdeu a mania de apelidar pessoas e só chamá-las pela alcunha. O subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz – um dos maiores falcões de guerra do Pentágono –, foi rebatizado de “Lobinho” (wolf é lobo em inglês).“Sua compulsão em terminar as batalhas do pai (no caso do Iraque, por exemplo) também demonstra infantilismo”, diz a especialista Katherine. E finalmente: reações exageradas, que também constam da lista do perfil do bêbado seco, estão presentes em incontáveis ações do presidente – desde a dimensão dada ao arsenal do Iraque até os conceitos contidos no chamado “ato patriótico” (o conjunto de leis impostas domesticamente depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos). Considere-se também a proposta de viagem tripulada a Marte, e a aterrissagem num porta-aviões – envergando uniforme de piloto – para declarar o fim da guerra no Iraque, que continua cada vez mais selvagem.

“Em suma: George W. Bush manifesta todos os padrões clássicos daquilo que os alcoólatras em recuperação chamam de dry drunk. Seu comportamento é consistente com o quase imperceptível, mas significativo dano cerebral ocasionado por anos de pesadas bebedeiras e possível consumo de cocaína.”, finaliza a professora Katherine. Os porta-vozes da Casa Branca não quiseram comentar a questão, para não dignificar a hipótese.