Se Herodes não tivesse ordenado que todas as crianças nascidas naqueles dias em Belém, na Judeia, fossem mortas, por temer que o Messias, o enviado de Deus que o sucederia, segundo as profecias, estivesse entre elas, certamente Maria e José não precisariam ter saído em fuga desesperada. E Jesus, o Filho do Homem, não teria nascido numa manjedoura, mas em sua própria casa, como deviam ser os partos naquela época. Fosse assim, e talvez o mundo não conhecesse até hoje a palavra “manjedoura”, ou apenas poucos, muito poucos, soubessem o seu significado (ou quem sabe manjedouras nem existissem, vai saber!…).

Do universo bíblico, também saíram expressões eternas como “lazarento”, que originalmente significava “leproso”, pois dizia respeito a Lázaro, doente que Jesus fez curar num milagroso gesto. Hoje, já destituída de seu sentido primeiro, tem a serventia de insultar com fúria Deus e o mundo, e pode significar o que o insultador quiser que signifique. Outras palavras entraram em nosso vocabulário de maneira no mínimo pitoresca. Reza a lenda que a palavra “fiasco”, tal como se conhece hoje, no sentido de fracasso, vexame, teria nascido no meio teatral, depois que um produtor, sei lá eu de onde, investiu milhões numa superprodução, com a expectativa de sucesso estrondoso.
Mesmo assim a produção teria fracassado. O nome da peça? “Fiasco”. Outra lenda diz que a palavra, usada nesse contexto, teria vindo da expressão italiana “fare il fiasco” (fazer uma garrafa), que era utilizada num jogo em que o perdedor pagava a próxima rodada de bebidas.
Pagava pelo vexame de perder, pelo fracasso.

O capitão inglês Charles Boycott era capataz de uma fazenda na Irlanda, quando os camponeses começaram a reivindicar preços mais justos para as terras que arrendavam do fazendeiro. Como o capitão tomasse partido do patrão, os trabalhadores irlandeses resolveram excluí-lo da vida social da comunidade. Passaram a não dirigir-lhe a palavra, a não servi-lo em lojas e bares, e o isolaram na igreja. Desde então esse gesto passou a ser conhecido como… “boicote”.
Há casos mais gaiatos e folclóricos, como o uso que Tim Maia fazia de “garrastazu”, segundo conta o jornalista Nelson Motta em seu livro “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”, biografia do cantor. Em plena ditadura militar, nos chamados anos de chumbo do governo do general Emílio Garrastazu Médici, Tim, sempre que queria detonar um de seus imprescindíveis baseados, procurava o recanto ideal e seguro, que batizava sem cerimônia de “garrastazu”.
Na minha curiosa ignorância, às vezes me pergunto se a palavra “benjamim”, aquele adaptador para tomadas, o “T”, seria uma alusão a Benjamin Franklin, gênio cujas descobertas científicas têm a ver com eletricidade.
E bem recentemente, ouvi uma gíria de músicos que não conhecia, pra lá de inusitada: “caligular”, qual seja, “arrematar, aparar as arestas, calibrar”. Só não me perguntem o porquê, não saberia explicar qual a relação de Calígula com acordes e partituras.
Essa conversa sobre palavras estranhas e músicos me fez lembrar de Gigante Brazil, saudoso baterista, cantor e filósofo de botequim, autor de inúmeros provérbios e expressões, pérolas que dariam uma bíblia. Gigante, que não à toa tinha tal apelido, negro e alto, sempre que era chamado de “negão”, aproveitava para ironizar a onda do politicamente correto, respondendo, do alto dos seus quase dois metros de altura: “Negão, não. Afro-descendentão.”