Disposto a enfrentar a prisão, o ex-comandantedo Exército diz que pretende disputar a Presidênciapara mudar a imagem de seu país

Depois de um longo período de ostracismo, o general da reserva Lino César Oviedo, ex-comandante do Exército e ex-candidato presidencial pelo Partido Colorado, está pronto para retornar ao Paraguai – correndo o risco de ser preso, mas disposto a ocupar, pela via eleitoral, o Palácio de López, a sede do governo paraguaio. Condenado a dez anos de prisão por suposta tentativa de golpe contra o então presidente Juan Carlos Wasmosy, em 1996, Oviedo também foi acusado de ser o responsável pelo assassinato do vice-presidente Luís María Argaña, em março de 1999. O general está exilado no Brasil desde 2001, quando o Supremo Tribunal Federal negou, por unanimidade, um pedido de extradição feito pelo governo paraguaio. Na época, o STF acolheu o argumento de que Oviedo fora vítima de “perseguição política”. Nas últimas semanas, ISTOÉ trouxe o depoimento de um ex-secretário e de um ex-motorista de Argaña, que confirmam o que a revista havia revelado no ano passado: o vice-presidente já estava morto quando foi emboscado num “atentado” em Assunção, numa farsa montada por membros de sua família e políticos argañistas – inclusive o atual presidente, Nicanor Duarte Frutos – para implicar os oviedistas no crime. Nesta entrevista a ISTOÉ, Oviedo disse confiar que a Justiça paraguaia reabra o caso Argaña, baseado no fato de que a Corte Suprema foi renovada na quase totalidade, e expõe seus planos de governo. “Precisamos legalizar a ilegalidade existente no Paraguai para limpar a imagem do país no Exterior e assim atrair capitais e investimentos que possam desenvolver o país”, diz.

 

Fotos: Hélcio Nagamine

"O Paraguai faz parte do Mercosul, que não permite negócios com governos que tenham integrantes sob suspeita da prática de delitos "

 

Fotos: Hélcio Nagamine

"É preciso mudar a imagem do meu país. É terrível ser visto como um narcotraficante, traficante de armas ou outro bandido qualquer"

ISTOÉ – Em 1999, o sr. foi apontado como um dos responsáveis pela emboscada que teria matado o então vice-presidente do Paraguai, Luís María Argaña. Mas reportagens de ISTOÉ comprovam que o atentado foi uma farsa, pois Argaña já estava morto antes do atentado. Qual é o significado de tudo isso para o sr.?
Lino César Oviedo

Isso me tranquiliza muito. É gratificante saber que o
trabalho de ISTOÉ, depois de um ano de investigações, tenha encontrado
evidências tão fortes de que tudo não passou de uma farsa. Isso inclusive
clarifica a sentença do Supremo Tribunal Federal do Brasil que, por 11 votos a
zero, recusou o pedido de minha extradição. Todas as provas apresentadas
contra mim não passaram de perseguição política. As descobertas de ISTOÉ tranquilizam a mim e a muitos paraguaios que sofreram muito mais do que eu, inclusive com tortura e prisões desumanas.

ISTOÉ – O sr. acredita que esses novos fatos podem levar a Justiça paraguaia a investigar novamente a morte de Argaña?
Lino César Oviedo

Conforme a Constituição, as autoridades do Paraguai estão obrigadas a reabrir o caso por causa dos fatos novos. Além disso, existe uma pressão por parte da imprensa internacional. O Paraguai é um país que integra o Mercosul, e os tratados desse bloco regional não permitem negócios com governos que tenham integrantes sob suspeita da prática de delitos. Neste caso, há evidências de que tanto componentes do Poder Legislativo como do Judiciário, e até o próprio presidente da República estiveram envolvidos na trama. Há também tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que não permitem torturas, não permitem a violação do estado de direito, não permitem perseguição política. Estou seguro de que esses organismos internacionais não irão se calar.

ISTOÉ – Mas até agora, mais de 20 dias depois das novas revelações, as autoridades paraguaias permanecem em absoluto silêncio.
Lino César Oviedo

Se assim permanecerem, eu mesmo irei procurar os organismos internacionais. Esse é um direito meu, pois sou afetado por isso tudo.
Hoje no Paraguai há presos políticos, há tortura e há perseguição. Ao
governo paraguaio, mando duas mensagens: quem não deve não teme
e quem com o mal anda acaba mal.

ISTOÉ – O sr. tem uma condenação de dez anos de cadeia por tentativa de golpe. Se voltar ao Paraguai, certamente será preso. Mesmo assim, o sr. pretende voltar a seu país para cumprir a pena?
Lino César Oviedo

Em 21 de setembro do ano passado, anunciei oficialmente aos partidários da Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos, partido criado por Oviedo)
que em junho deste ano estarei no Paraguai. Mantenho esse compromisso.
Faz 50 anos que Stroessner (general Alfredo Stroessner, ditador do Paraguai
entre 1954 e 1989) assumiu o poder com um golpe de Estado e ele nunca foi chamado de golpista. Veja só a injustiça: eu, que não dei golpe algum, sou
chamado de golpista. Mas, concretamente, volto em junho próximo para
apresentar-me à Justiça e provar que nada do que me acusam é verdadeiro.
Confio que a Justiça do meu país fará justiça.

ISTOÉ – Por que agora essa confiança na Justiça paraguaia se até hoje o sr. se diz vítima de tantas injustiças?
Lino César Oviedo

Eles sabem como terminaram aqueles
que fizeram injustiças quando ocupavam a Suprema Corte do Paraguai. Foram afastados seis dos nove
juízes, acusados de prevaricação, corrupção e mau
uso do dinheiro público.
 

ISTOÉ – O sr. afirma que jamais tentou derrubar o presidente Juan Carlos Wasmosy. Então, por que o sr. foi condenado a dez anos de prisão por uma corte marcial e a sentença foi confirmada pela Corte Suprema?
Lino César Oviedo

Quatorze meses depois de eu ter pedido a passagem para a reserva e de ter ganho as eleições internas do Partido Colorado para ser o candidato à Presidência, Wasmosy criou um tribunal militar de exceção, coisa que não é permitida pela Constituição, porque uma corte dessa natureza só poderia ser estabelecida em tempos de guerra e para julgar militares da ativa. Eu estava na reserva e o Paraguai estava em paz. O único objetivo do presidente foi me impedir de ganhar a eleição presidencial. Isso porque denunciei a corrupção institucionalizada em seu governo.

ISTOÉ – Depois de tudo isso, o sr. ainda pensa em ser presidente do Paraguai?
Lino César Oviedo

Claro

ISTOÉ – E como o sr. pretende mudar um país empobrecido, vitimado pela corrupção em todos os níveis?
Lino César Oviedo

Sou o líder de um partido, o mais novo do Paraguai, que foi fundado no Brasil. A Unace é o primeiro e único partido fundado no exílio. Portanto, não posso fugir de minha luta política. Vou me candidatar quando as condições permitirem. Desde que pedi meu afastamento do Exército Paraguaio em 1996, trabalho em um programa de governo. É um plano factível e viável para atender aos interesses do meu país, como membro do Mercosul. Aprendi muito nos anos em que permaneci na Argentina e, principalmente, nesses anos de Brasil.

ISTOÉ – E quais são as linhas gerais desse plano?
Lino César Oviedo

É preciso prioritariamente mudar a imagem de meu país. Pude perceber na própria carne o que significa estar no Exterior e ser revistado por inteiro quando apresentava a identidade paraguaia. É terrível ser visto de antemão como um traficante de armas, um narcotraficante ou outro bandido qualquer. Lamentavelmente, as estatísticas internacionais sobre o Paraguai deixam muito a desejar. Somos qualificados como um país de piratas, falsificadores de produtos eletrônicos, de eletrodomésticos e de cigarros. Somos tidos como legalizadores de carros roubados. O Paraguai é visto como o primeiro e maior produtor de maconha do mundo, como o país mais corrupto da América e o terceiro mais corrupto do mundo.

ISTOÉ – Como mudar esse quadro?
Lino César Oviedo

Toda essa bandalheira torna inviável qualquer governo no Paraguai,
que antes de qualquer coisa precisa buscar parcerias externas e renegociar
dívidas. Por isso, é necessário que se tenha, em primeiro lugar, um projeto para recuperar internacionalmente a imagem do Paraguai. Para isso, é preciso macro projetos de infra-estrutura, saneamento moral e reorganização do Estado paraguaio. Precisamos criar cooperativas de camponeses e nos equipar com todos os meios disponíveis para que tenhamos uma moderna reforma agrária. Precisamos de saúde e de educação, principalmente para as crianças e para os jovens, hoje completamente abandonados.

ISTOÉ – Mas de que maneira o sr. pretende fazer todas essas mudanças, uma vez que o país enfrenta enormes dificuldades econômicas?
Lino César Oviedo

 Mudando a imagem do país, dando credibilidade a investidores, que poderão fazer, por concessão, obras de infra-estrutura. Precisamos também apostar na estratégica posição geopolítica do Paraguai, facilitando os estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e principalmente Paraná, para que utilizem o Paraguai como corredor para o escoamento de suas produções pelo Oceano Pacífico, através do Porto de Antofogasta, no Chile. Defendo também o desenvolvimento sustentável da região do Chaco.

ISTOÉ – De que maneira isso poderia ser feito?
Lino César Oviedo

Também por concessão, neste caso com os produtores de cítricos já instalados em Petrolina, no Estado de Pernambuco. O Paraguai tem muitas terras públicas; a metade do território paraguaio – 206 mil quilômetros quadrados – é habitada apenas por 90 mil pessoas. Nossa proposta é que estrangeiros nos ajudem nesse processo. Entraremos com a terra e eles com a tecnologia, empregando 10% de técnicos de fora e 90% de mão-de-obra paraguaia. Isso vale para a produção de cítricos e também de tilápias. As condições do solo do Chaco são exatamente iguais às do solo de Petrolina, uma das regiões que mais produzem cítrico no mundo.

ISTOÉ – Para o Paraguai, a solução, então, é exclusivamente de cunho agrícola?
Lino César Oviedo

Claro. É importante que se gerem fontes de trabalho, com muita produção de alimentos, o que irá baratear a cesta básica dos paraguaios. Quando um país não produz seus alimentos e precisa importá-los, encarece o preço dessa cesta básica.

ISTOÉ – O Paraguai ainda não se libertou da herança da ditadura e das instituições que ela criou. Como é possível fazer as mudanças que o sr. defende sem uma ruptura radical com essas instituições?
Lino César Oviedo

No meu país, é preciso legalizar a ilegalidade

ISTOÉ – Como assim?
Lino César Oviedo

Por exemplo: temos aproximadamente 46 fábricas de cigarros.
Precisamos, então, conversar com os maiores fabricantes de cigarros da América Latina, como a Souza Cruz, para que trabalhemos juntos, com compra de produção, desde que nossas fábricas possam aprender com a fiscalização do que é produzido. Com isso, todos ganham. Ganha a Souza Cruz, que terá uma produção maior e não sofrerá com a falsificação de seus produtos; ganha o governo brasileiro, que não será vítima do contrabando; e ganha o governo paraguaio, que hoje não arrecada absolutamente nada com a pirataria. Com isso, os que hoje falsificam cigarros serão efetivamente transformados em fabricantes de cigarros e poderão dormir tranquilos. Não queremos mais o Paraguai do contrabando e do tráfico; queremos um país formal e legal.

ISTOÉ – O mesmo vale para eletrônicos e eletrodomésticos?
Lino César Oviedo

Claro. Já conversei com empresários da Zona Franca de Manaus. Há disposição para se criar uma zona franca no Paraguai em moldes semelhantes à de Manaus. Dessa maneira, os que hoje falsificam serão chamados para a legalidade e poderão fabricar efetivamente. Essa receita vale para todo tipo de ilegalidade.

ISTOÉ – Muitos políticos paraguaios dizem que o Mercosul é um bloco importante para o Brasil e a Argentina, mas não para os sócios menores, como Paraguai e Uruguai.
Lino César Oviedo

Eu digo exatamente o contrário. Estudei na Alemanha, nos anos 1969 e 1970, quando estava em plena formação a Comunidade Econômica Européia. Na época, os países menores recebiam ajuda para se integrar no bloco. O Paraguai, em relação ao Brasil, não representa nem 10% do Produto Interno Bruto do Estado do Paraná. O Paraná tem mais de 300 municípios, e em todo o Paraguai há 227 municípios. Uma cooperativa de pequenos produtores do Paraná exporta mais do que todo o Paraguai. Então, os países pequenos na América do Sul só têm a ganhar com o bloco do Mercosul, exatamente como mostra a experiência européia.