Fotos: Leonardo Aversa/Ag. O Globo

“Qual a loucura maior que eu posso me dar de presente? Me consertar. E está dando certo”

Em breve, a cantora e compositora carioca Angela Ro Ro vai usar sua garganta para uma atividade diferente da que está habituada. Ela agora comandará um talk show semanal, apropriadamente chamado Escândalo, cuja estréia está prevista para a segunda quinzena deste mês no Canal Brasil, exclusivo para assinantes da Globosat. O nome do programa, tirado do título de seu terceiro disco, evidentemente brinca com a polêmica trajetória da autora de Gota de sangue. Mas a referência pertence a um passado que ela pretende enterrado. Angela Ro Ro, 54 anos, se reinventou. Emagreceu 50 quilos, acaba de fazer duas plásticas – planeja fazer várias outras – e leva uma “vida careta”, sem drogas e com uma agenda de executiva de tevê. Sincera e bem-humorada, ela falou a ISTOÉ da sua recente atividade, de um novo álbum que quer lançar em breve – depois de quase quatro anos do ótimo Acertei no milênio –, sobre usuários de drogas e muitos outros assuntos, que, saídos da sua boca, só resultam em diversão e reflexão.

ISTOÉ – Como é o seu novo Escândalo?
Angela Ro Ro –
Muito bom. Agora que emagreci, vou virar Faustão! É a primeira vez que faço um treco desses e está até um programa bem-educado, ao contrário do que poderia supor os estereótipos. Eu já fiz besteiras terríveis na minha vida, contra mim especialmente. Mas nunca fui uma caricatura de mim mesma. Posso ter sido para outros olhos, mas para meus próprios olhos sempre fui eu mesma. Meu Escândalo agora é bem-feitinho, tranquilo, comportado. Tem direção com grife cinematográfica do Adolpho Rosenthal (filho da atriz Vanja Orico), equipe coesa de figurino, maquiagem, produção, técnica, restaurante. Já gravei com Ney Matogrosso, Lucina, compositora excelente, cult, que tem uma fábrica de sucessos na boca de todo mundo, Paulinho Moska, Roberto Frejat, Carol Saboya, Leila Pinheiro, Fred Martins, Joyce. Estou feliz da vida.

Fotos: Leonardo Aversa/Ag. O Globo

Ro Ro na fase gorda: bebida e nicotina

André Durão

FREJAT: entre os entrevistados da cantora

ISTOÉ – Você toca piano em cena?
Ro Ro –
Eu assassino piano. Levo a minha purrinhola, um termo do Tom Jobim,
que gostava mesmo era de piano de madeira e chamava teclado de purrinhola.
Mas minha purrinhola fica num cenário piano de cauda. O meu piano parece
Angela Ro Ro. É uma continuidade minha, fico meio rock’n’roll nele. Uso com a intimidade e o carinho de quem compõe nele, mas isso não impede de reconhecer que toco mal há décadas.

ISTOÉ – Escândalo é o nome de seu terceiro disco e a capa faz referência à imprensa, com a qual você sempre teve uma relação delicada.
Ro Ro –
Como? Delicada? Não. A única coisa que não teve da parte da imprensa para comigo foi delicadeza (risos). Meu amor, não futuca nesse lance, acho melhor passar para outra. Imprensa é que nem polícia. Nem toda a banda suja é tão suja quanto a sujeira da banda limpa. Mas o que importa é o agora e estou me sentindo bem-amada pela imprensa toda. Tudo mudou tanto que estou me sentindo uma executiva de televisão, me estressando no telefone, fazendo listas incansáveis. Vida de careta, mas o careta é louco e não sabe, né?

ISTOÉ – Como você se sente no papel de jornalista, já que comandará um talk show?
Ro Ro –
Acho que tenho me saído bem nas gravações porque não estou fazendo nada que eu não gostaria que fizessem comigo. Apesar da minha curiosidade eloquente, dessa minha verborragia, estou sendo bem humildezinha. Não estou tentando ser jornalista. Tento ser coesa para aproveitar o tempo que em televisão é precioso. Sérgio Porto dizia que televisão é uma máquina de fazer doido. Então eu já entrei feita, vou me dar bem.

ISTOÉ – Está feliz?
Ro Ro –
Estou sim. Acho que comecei a me ajustar na sociedade. Já estou até preocupada e me arrependendo disso (risos). Quando me vejo reclamando da burocracia, envolvida com saldo bancário, penso que eu era tão alienada, tão tresloucada, estava me autodestruindo. Hoje vivo pensando em contas, planejando cirurgias estéticas. Graças a Deus tenho aquela semente da inquietude, uma coisa que me dá esse ar meio idiota, meio jovial e que me impulsiona. Sou inquieta, não me acomodo, não me contento, estou sempre pressionando, especialmente a mim mesma. Minhas insatisfações são quase sempre porque quero mais. Agora, então, que eu estou me sentindo bem, estou querendo esse negócio de ser feliz, cada vez mais em tudo o que eu faço.

ISTOÉ – Como foi o processo de se refazer fisicamente?
Ro Ro –
Emagreci mais de 50 quilos. Parte porque desinchei por ter parado de beber álcool. Obviamente, depois disso, a pele ficou sobrando. Fiz um segura pelanca, entendeu? Fiz lifting no pescoço. Tinha um papão, bastante pele. Estiquei o pescocinho, mas não fiquei bonequinha, fiquei normal. Sou cantora, não sou modelo. E fiz palpebrazinha. Deu o maior alô no visual. Estou mais segura. Mas há outras interferências que virão nos próximos meses. Vou fazer mama, lipo, braços, tudo o que um corpo sadio pode fazer. Meu médico é o Paulo Müller, gostei tanto dele e da equipe que quero dar continuidade.

ISTOÉ – Você parece muito vaidosa.
Ro Ro –
Estou me descobrindo uma mulher vaidosíssima. Estética para mim é fundamental, aliás, acho que para qualquer pessoa. Quando eu vi que estava perdendo toda a minha beleza, me desesperei. Desesperei no ótimo sentido, tomei providências. Aí, percebi que graças a Deus eu gosto de mim.

ISTOÉ – Como conseguiu emagrecer tanto?
Ro Ro –
A pergunta é como eu engordei tanto? Tenho 1,69m e pesava quase 115 quilos, isso é que estava ruim. Parei de fumar. Nicotina e alcatrão acabam com pulmão, vias respiratórias, pele, cabelo – tudo vai pro brejo – e parei de beber. O álcool, em mim, não fazia mal só ao físico, mas causava constrangimento geral para a nação. Fumar, beber, me intoxicar, agora nem em pesadelo. A única chance de isso acontecer atualmente é eu comer um queijo de soja envenenado. Minha alimentação tem base naturalista e vegetariana. Não como sal, doce, gordura, fritura. E tem a atividade física. Pego uma bicicleta e saio por aí que nem uma maluca. Entre uma cirurgia e outra, um trabalho e outro, vou me cuidando. Assim que acabar todo o projeto de cirurgias, vou começar a malhar, bombar, fazer um pouquinho de músculo. Estou descobrindo o óbvio. Meu corpo é longilíneo. Gosto desse corpo mais fino, é mais fácil de carregar. Meu ideal para daqui a um ano ou pouco mais é estar com minha perninha durinha, meu bracinho durinho.

ISTOÉ – O que te fez mudar de vida foram problemas de saúde?
Ro Ro –
Não, eu não fiquei doente, não tive um treco grave. É inacreditável. Meu dia-a-dia é que era um treco. Pelo que eu fiz de excesso, é incrível como não infartei, não tive trombose, derrame. Tive várias pequenas coisas, todo dia me sentia mal. Até que me perguntei: “Virar a mesa não é teu estilo mais conhecido? Não é você a mulher de fazer escândalos, ter atitudes radicais, não é uma mulher de extremos? Então vamos lá, a que extremos você pode ir agora?” Eu já tinha feito tudo o que é besteira, farra com falsas alegrias, euforias de tóxico, inclua sempre álcool quando eu falar drogas, é tudo a mesma merda. Já estive em muitas reuniões em que as pessoas se uniam só para se autodestruir e diziam que estavam fazendo uma festa. Me olhei e falei: “Qual é a atitude mais louca que a Angela Maria Ro Ro pode tomar, a mais radical? Qual a loucura maior que eu posso me dar de presente?” A resposta era uma só: me consertar. E está dando certo.

ISTOÉ – O usuário de drogas tem responsabilidade pelo tráfico?
Ro Rô –
Eu acho ironia, hipocrisia, ficar debatendo se o usuário, que é um viciado, tem culpa disso. Por gentileza, vamos deixar claro: guerra e narcotráfico dá no mesmo, miséria e sangue humano. Esse debate é o mesmo de você perguntar se o cara que é correspondente de guerra está atiçando mais a guerra, se ele tem culpa. Só quem usou sabe o horror que é aquela dependência. Tua vida vira um sufoco, você perde o carinho e o respeito dos seus amigos, da sua família, perde o emprego e ainda é questionado como participante deste pandemônio mundial.

ISTOÉ – Há planos para um novo CD?
Ro Ro –
Meu CD está pronto. É só negociar, marcar estúdio e fazer. Tenho quase 30 músicas inéditas. Componho bastante, não deixo escapar nem uma idéia. Não tenho mais aquele ranço de selecionar, selecionar e nunca ter nada por achar que nada está bom. Hoje estou mais disciplinada, consigo elaborar mais. Fiz uma música para a Claudete Soares, aquela voz maravilhosa. Vou tentar ver se a Maria Bethânia me dá uma colher de chá no próximo disco e inclui uma música minha.

ISTOÉ – Você está sem contrato com gravadora. Uma artista do seu porte ouve muitos nãos?
Ro Ro –
Lógico! Que pergunta engraçada! Não pode ser ingênua assim! Algumas gravadoras, menos uma, podem dizer não. Só quero que essa uma seja boa – boa para mim. Às vezes, gravadora muito grande, esplendorosa para o mundo inteiro, pode não ser tão boa na negociação quanto um selo médio. Não me importa quantas não me queiram. Estou me importando com a que me quiser.

ISTOÉ – Como está sua vida sentimental?
Ro Ro –
Estou sozinha. Sempre achei que, mesmo no pior dos meus momentos, sou uma gostosura, sou bacana. Sou boa de caráter, boa de coração e agora estou bem mais fácil de lidar. Tenho saudade de namorar, sinto falta de um xodó. Mas sempre digo para mim: “Calma, você está acabando de sair da boca do lobo, tem de dar um tempo.” Não posso ter pressa logo agora que estou apta a me relacionar legal. Tenho que compreender que a imagem de baderneira faz com que certas pessoas tenham medo de se aproximar de mim. Então, não vou sair por aí tentanto flertar ou fazer amizades fúteis.

ISTOÉ – Como você analisa hoje o fato de ter sido uma das primeiras artistas a assumir a homossexualidade publicamente?
Ro Ro –
Eu entrei de gaiata. Para ser sincera, nunca carreguei bandeira. Simplesmente as pessoas perguntavam e eu respondia. Tinha vivido três anos em Londres, era metida a debochadinha, descolada, mas estava era entrando de gaiata. Fui um prato cheio para maldades, arbitrariedades. Nunca fui homossexual em público. Quer dizer, sim, uma vez ou outra em que uma mulher invadiu o palco e me beijou na boca. E eu correspondi com algumas. Fora isso, nunca fiz sexo com uma mulher em praça pública. Sigo o que meus pais me ensinaram: a sinceridade. Minha mãe, uma mulher que era careta, e meu pai, que era super-severo, policial federal, engenheiro, perito, chato, caretaço, não falava palavrão nem quando dava topada com o pé, não falava alto, sequer assoviava alto, parecia um padre militar. Pois foram essas duas figuras que me ensinaram a não ter vergonha da sinceridade, a não ter vergonha de ser honesta comigo mesma e nunca, por nada deste mundo, se trair. Sou grata aos meus pais por isso.