Marcello Casal Jr./ABR

Reta final: o presidente Lula na
Perdigão, uma das empresas
beneficiadas com o acordo

Foi o melhor cenário que negociadores do Brasil e do Mercosul poderiam esperar. Na semana passada,
durante reunião do Comitê de Negociações Birregionais entre a
União Européia e o Mercosul, em Bruxelas, os europeus surpreenderam e ofereceram uma ampla abertura de seu mercado a 295 produtos agrícolas processados e fabricados no Mercosul, que tinham entrada restrita ou submetida a altos impostos e taxas. Estimativas iniciais indicam que a venda liberada aos europeus de produtos de alto valor agregado, como café solúvel, sucos e alimentos processados, entre outros, já deverá aumentar em pelo menos um bilhão de euros (US$ 1,22 bilhão, ou R$ 3,5 bilhões) as exportações do Mercosul para a Europa. A oferta européia, rompendo o impasse do setor agrícola, se soma à ampla proposta feita pelo Mercosul. Com todos os setores da economia já em negociação, a criação até outubro da maior área de livre comércio do mundo entra na reta final.

O novo bloco só será superado pela Alca (Área de Livre Comércio das Américas), se ela funcionar de modo integral em janeiro de 2005. No total, apenas com a abertura do setor agrícola, o Mercosul poderá aumentar suas exportações para a União Européia em cerca de 4 bilhões de euros por ano. O Brasil deverá ficar com pelo menos 60% desse total, praticamente a terça parte dos US$ 12 bilhões exportados em produtos agrícolas no ano passado para a Europa, que já é a maior parceira comercial do País. Esse incremento nas exportações deverá causar aumento nos investimentos em todas as áreas envolvidas no processo produtivo, podendo sinalizar a retomada do crescimento esperada pelo governo.

A abertura agrícola européia foi festejada pelos negociadores do Brasil e parceiros como caminho livre para a criação da área de livre comércio. O chefe dos negociadores brasileiros, ministro Regis Arslanian, destacou que a questão agrícola era o setor que faltava para que o pacote de ofertas completo visando à formação do mercado comum ficasse pronto. “Agora está tudo na mesa: a oferta em todos os setores – industrial, serviços, agricultura – está pronta para as negociações e discussões finais”, afirmou o diplomata brasileiro. As negociações em Bruxelas, saudadas com entusiasmo pelo embaixador do Brasil com a União Européia, José Alfredo Graça Lima, vão entrar na fase que os especialistas em negociações chamam de “pick and take” (escolher e pegar). “O processo deverá representar uma substancial abertura de mercados de parte a parte”, afirmou o embaixador.

Na prática, o que as equipes de negociadores vão fazer é analisar as ofertas até encontrar a forma que atenda a seus interesses. Na abertura de seu mercado agrícola, que era muito protegido e fechado, os europeus propõem três maneiras de conseguir baixar preços, impostos e taxas até chegar à abertura completa. A primeira é a desagravação dos produtos agrícolas até chegar ao imposto zero em dez anos. Outra hipótese é a redução do porcentual em tarifas fixas. A terceira é o estabelecimento de cotas para exportação. A escolha da melhor forma será feita caso a caso, mas, em qualquer hipótese, o quadro de expansão das exportações agrícolas do Brasil e do Mercosul poderá, em pouco tempo, superar a previsão de 4 bilhões de euros feita com relação ao primeiro ano de funcionamento do bloco. Ano passado, dos US$ 73 bilhões obtidos pelo Brasil com suas exportações, US$ 18,1 bilhões foram com a União Européia, acima dos US$ 16,9 bilhões em vendas aos Estados Unidos. Na verdade, essas exportações deverão aumentar ainda mais, pois mesmo esses setores que já exportam serão beneficiados com impostos mais baixos e mercados abertos. O Brasil também passará a importar mais dos europeus, o que será compensado com a entrada de investimentos nos setores financeiros e de serviços, além do aumento das exportações.

Pelo cronograma acertado semana passada em Bruxelas, o Mercosul e a União Européia vão fazer na terça-feira 11 a troca de pedidos para melhoria das ofertas apresentadas. O ponto- chave será o pacote agrícola. Os técnicos dos dois lados terão uma semana para analisar esses pedidos e, na quarta-feira 19, colocar na mesa as chamadas ofertas melhoradas. Será esse material que os ministros do Mercosul e os comissários (ministros) da União Européia vão discutir entre os dias 24 e 29 em Guadalajara, no México, paralelamente às reuniões da III Cúpula América Latina e Caribe/União Européia. Depois dessa reunião em nível ministerial, será a vez de os técnicos retomarem o trabalho, buscando o ajuste fino e o texto final que criará o poderoso bloco econômico. O Comitê de Negociações Birregionais se reunirá em junho em Buenos Aires e depois em julho em Bruxelas. Se tudo correr bem, essa reunião deverá concluir o texto do acordo para ser analisado pelos governos dos países-membro dos dois blocos. Nessa hora, a data de outubro, estabelecida no fim do ano passado em uma reunião ministerial em Bruxelas, poderá ser antecipada. Quando esteve no Brasil meses atrás, o comissário econômico europeu, o francês Pascal Lamy, disse que o prazo tinha sido definido como uma espécie de diretriz dos trabalhos. Otimista, ele afirmou que nada impedia que o superbloco econômico entrasse em vigor antes. E destacou que o objetivo dos europeus ia além de um simples acordo comercial. Para a União Européia, a integração com o Mercosul era estratégica, visando se contrapor aos Estados Unidos. A julgar pelo otimismo dos negociadores em Bruxelas, Lamy tinha razão. Em Bruxelas, setembro passou a ser considerado um bom mês para a entrada em vigor da nova potência econômica mundial.