Fotos: Gabriel Balbo

Aquele abraço: na capital britânica, a imagem do Cristo na loja Selfridges contrasta com o tradicional ônibus vermelho. A exposição de produtos nacionais espalha-se por quatro andares. Há desde roupas e barraquinhas de comidas típicas até uma réplica de motel com lingeries

O Brasil é a bola da vez na Europa. Nas vitrines coloridas, nos festivais de cinema e música, nas livrarias, nas exposições de artes plásticas, no cheirinho de café que invade as principais capitais. Nas ruas do Velho Continente, é comum ver pessoas caminhando com a camiseta verde-amarela. Dos taxistas de Barcelona aos comerciantes de Lisboa e às meninas chiques de Paris, hoje os europeus querem saber sobre o que está se passando no País. Uma espécie de curiosidade sobre o tal torneiro mecânico que virou presidente da República parece guiar os olhares para a cultura do povo brasileiro. “Sinto que existe uma atitude pró-Brasil aqui na Europa. Existem algumas explicações para isso. A primeira delas é a imagem do presidente Lula, que é muito forte. A outra foi o fator 11 de setembro. Os europeus estão procurando outros lugares”, afirma a responsável pela Embratur na Europa, Vera Sanches. E não se trata de mais um modismo promovido pelo tripé samba-Carnaval-futebol. Os espanhóis são capazes até de traçar um paralelo sofisticado entre a simplicidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a de Jose Luiz Rodríguez Zapatero, primeiro-ministro espanhol do Partido Socialista, que acaba de assumir. Afinal, que país é esse que, além de fenômenos como Ronaldinho Gaúcho, Gisele Bündchen e bossa nova, também produz arte, moda de exportação e cinema de alta qualidade? A resposta está na vibração do verde-e-amarelo que se espalha por Londres, Paris, Madri e Lisboa de maneira jamais vista. E que deixou os gringos, no melhor sentido do termo, loucos para conhecer nossa cultura, que vai muito além da reboladinha na garrafa e das praias ensolaradas.

Na capital inglesa, o Cristo Redentor abraça a cidade. E de maneira esplendorosa a réplica de 30 metros se confunde com o vermelho dos ônibus ingleses. Lá está ele, iluminado na Oxford Street, recebendo as pessoas de braços abertos na rede de lojas de departamento Selfridges que organiza um grande evento. A exposição Brasil 40º, organizada pela empresa, teve sua estréia na quarta-feira 5 e vai até o final do mês de maio. Dentro da loja, as estrelas do verão europeu são as sandálias Havaianas, vendidas por 18,5 libras, quase R$ 100. Um absurdo, se comparado aos clássicos R$ 12 que se pode pagar pelo par em território nacional. Em quatro dos cinco andares da loja (e em suas outras duas filiais, também em Londres), encontram-se em torno de 600 produtos brasileiros. Há barraquinhas de acarajé, de sucos e um supermercado com cachaça e guaraná para levar para casa. Uma exposição fotográfica com os brasileiros Marcella Haddad e Élcio Carriço e os europeus Daniela Cestarollo (Itália), Sue Cunningham (Inglaterra), Photini Papahatzi (Grécia) e Johnny Green (Inglaterra) mostra a diversidade brasileira. A moda está representada por vários estilistas, como Carlos Miéle, Reinaldo Lourenço, Glória Coelho, entre outros. Até uma réplica de um quarto de motel foi construída no interior da loja, para vender as lingeries da grife Madame V, da mineira Vanessa Senem. “É uma enxurrada do que senti ser a cultura brasileira”, diz Harvey Sutton, diretor da Selfridges. E o melhor de tudo é que o evento, sob consultoria da artista plástica Bia Lessa, não caiu nos chavões de sempre sobre o Brasil. “Confesso que, no início, fiquei meio desconfiada. Tive medo da visão estrangeira de país do samba, bunda e futebol”, disse Bia. “Aos poucos, me surpreendi com o olhar britânico. Eles não têm preconceito, e foram superabertos a sugestões”, completa a artista plástica, autora dos banners gigantescos que decoram a loja com imagens do cinza de São Paulo e do verde da Amazônia.

Cores – Outro evento organizado pela embaixada brasileira ajudou a transformar Londres numa sucursal canarinha no hemisfério norte, com programações diárias de filmes, shows e desfiles de moda. A May Fair, feira da embaixada do Brasil, traz para o cinza da cidade as cores de Cândido Portinari, numa exposição que também começou na quarta-feira 5 e vai até o final do mês, numa charmosa galeria da cidade. Haverá também shows com Elza Soares e Hermeto Pascoal. E uma mostra de cinema entre os dias 14 e 20, com mais de 20 películas nacionais. Atração suficiente para não deixar nenhum brasileiro com saudade de casa.

Para o adido cultural do Brasil em Londres, Luís Felipe Fortuna, a exposição Brasil 40º tem em sua origem uma estreita ligação com a eleição de Lula. “Isso gerou esperança de que o País possa reverter os quadros sociais. E essa nova força brasileira fez com que a Selfridges pegasse a marca Brasil e transformasse em um festival que reúne muitos aspectos interessantes do País”, diz. Na Espanha, essa mesma curiosidade desbravadora sobre o Brasil de Lula acabou virando livro. Não um, mas quatro. No final do ano passado, foram lançados Por fim, Brasil, dos autores espanhóis Ana Tortajada e Natze Farre; O país de Lula, da catalã Montse Poblet; As origens do PT no Brasil, da chilena Marta Harnecker; e Lula, o filho do Brasil, de Denise Paraná. Sendo este último uma tradução para o espanhol da obra escrita no Brasil em 1995.

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Curiosidade – Misturando-se todos esse fatores – curiosidade política, moda, cinema, música e meio ambiente – e acrescentando-se a eles nossos eternos craques do futebol, fica fácil entender por que o Brasil está na moda. Nas lojas H&M, espalhadas por toda a Europa, há propagandas com o Denilson e a modelo Fernanda Tavares. Como não poderia deixar de ser, Ronaldinho Gaúcho também brilha. A loja de esportes Base, no Paseo de Gracia, em Barcelona, exibe a foto sorridente do jogador. Atualmente um voyeur perdido na multidão das metrópoles européias consegue notar facilmente as camisetas e moletons com cores da bandeira brasileira. A estudante espanhola Miriam Ruiz, 19 anos, por exemplo, tem três, e não sabe ao certo responder por quê. “Ah, eu gosto da energia do Brasil. Gosto da música, das cores da bandeira. E tá na moda né?!…”, justificou, enquanto esperava pelo autógrafo do DJ Xerxes, que na sexta-feira 30 tocou para mais de 900 pessoas no Club La Paloma, um teatro antigo que virou a balada oficial de Barcelona. “Estou acostumado a tocar em todos os continentes há pelo menos dois anos”, conta o DJ que acaba de lançar o álbum Soul:ution em parceria com o DJ Marky. “Hoje, as pessoas pedem autógrafos e aproveitam para perguntar sobre o Brasil”, completa Xerxes. Ele está na Espanha a convite dos organizadores do Festival Brasil Noar. O evento, dirigido aos fãs da descolada música contemporânea brasileira, durou três dias e teve sua expectativa de público superada em relação às três edições anteriores. Ao todo, quatro mil pessoas conferiram o que se toca nas principais pistas de dança do Brasil.

Se na Espanha e na Inglaterra a curiosidade é maior do que o conhecimento sobre o Brasil, em Portugal não é assim. Por causa das novelas brasileiras, os portugueses conhecem melhor o cotidiano dos brasileiros do que vice-versa. Mesmo assim, os recentes acontecimentos na vida política do Brasil, como a chegada ao poder de um operário, fizeram com que os portugueses também se interessassem mais pela terrinha. Assim como nas cidades espanholas, em Lisboa, em qualquer grande livraria, é possível comprar uma das várias biografias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o mês de maio na capital portuguesa também está verde-amarelo, com uma série de eventos que antecipam o verão. A maior loja espanhola de departamento, El Corte Inglés, realiza em sua filial de Lisboa, entre os dias 28 de maio e 6 de junho, uma verdadeira promoção do País. Quem passar por ela nesses dias poderá fazer uma deliciosa degustação de comidinhas e bebidinhas brasileiras, como acarajé, pão de queijo, café e caipirinha. Ainda no El Corte Inglés, no espaço cultural ECI acontece a exposição O Rio é jóia, sob a coordenação das artistas Lúcia Abdenur e Bia Saad, que estão levando 14 artistas joalheiros fluminenses. “Está todo mundo com o maior interesse nas coisas brasileiras. Os portugueses e europeus se apaixonam pelos nossos produtos. Eles dizem que somos muito criativos. Vamos levar a temática do País em pedras preciosas, sementes e outros elementos da natureza”, afirmou Lúcia Abdenur.

Fotos: Gabriel Balbo

A exposição de produtos nacionais espalha-se por quatro andares. Há desde roupas e barraquinhas de comidas típicas até uma réplica de motel com lingeries

Som – Na mesma data da exposição de jóias, entre os dias 28 de maio e 6 de junho, será realizado pela primeira vez em Lisboa um dos maiores festivais de música, diretamente importado do Brasil: o Rock in Rio. Entre os artistas que vão tocar está o ex-beatle Paul McCartney. Ele faz parte do variadíssimo cardápio de seis dias de festival que passa por Sting, Peter Gabriel e a baiana Ivete Sangalo até cair na batida forte do Sepultura. “No começo eu achei superestranho um Rock in Rio em Lisboa. Ou é in Rio ou é in Lisboa… Depois parei para pensar e concluí que nunca foi tão forte o número de pessoas levando a bandeira do Brasil em nossos shows. Atualmente, se algum gringo me vê com a camisa do Brasil na rua, ele me pergunta sobre o governo Lula e como está sendo ser governado por um operário”, disse a ISTOÉ o líder da banda Sepultura, Derrick Green.

Enquanto o rock pesado tupiniquim faz fama em Lisboa, em Paris a diversidade cultural brasileira ganha seu merecido lugar. A capital francesa está repleta de produtos brasileiríssimos. Da fitinha do Bonfim às pulseirinhas com santinhos que causam frenesi entre as meninas chiques. No badalado bairro do Marais, é possível ver em lojas bacanas pequenos relicários com nossos orixás, principalmente a deusa do mar, Iemanjá. Figas da boa sorte e colares de várias tribos indígenas também são motivo de cobiça das moças finas. Pelas ruas da cidade mais chique do planeta desfilam nossas legítimas Havaianas. As vitrines da loja de departamento Printemps estão todas decoradas com elas. Ruy Porto, diretor de marketing da Alpargatas do Brasil (fabricante das Havaianas) disse que pretende vender na Europa um milhão de sandálias. Um número impressionante, se for levado em conta o precinho do calçado de tirinhas. Até a cadeia de lojas americana Gap criou sua versão das sandálias, uma imitação que custa nada menos que US$ 30 (R$ 90). A moda brasileira está nas ruas, nas passarelas e nas vitrines. A butique Daslu famosa por importar produtos das marcas mais luxuosas do mundo, também exporta com sucesso. Em 2002, a Daslu instalou um showroom no hotel Plaza Athenée, em Paris, para vender sua marca. Naquele ano, eram sete clientes; hoje são 50 empresários que compram os produtos para vender em lojas dos Estados Unidos, de Londres, Tóquio, Milão, Hong Kong e do Kuait. “O Brasil vem conquistando um espaço na moda internacional há alguns anos. No lugar do Brazilian moment, que foi o fenômeno de algumas estações, agora se fala em Brazilian style. Ou seja, estamos construindo uma imagem e uma reputação fashion e isso veio para ficar”, afirmou Eliana Tranchesi, proprietária da Daslu.

A empresária brasileira tem razão. O estilo verde-amarelo veio para ficar. Em Paris, nas vitrines da Galerias Lafayette, durante os meses de maio e outubro, as agências de viagens vão prestigiar o País com 30 peças do artesanato brasileiro nas vitrines. Esse é apenas uma pequeníssima amostra do que vem pela frente na França. O Brasil será lembrado pelos franceses durante um ano inteiro no esperado evento 2005 – O Ano do Brasil na França. O ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil, é um dos grandes entusiastas da nossa cultura lá fora. O organizador do evento na França, Jean Gautier, estima que a temporada brasileira deverá ressaltar a “criação e a originalidade do País” na arte popular, nas raízes africanas, mostrando os jovens artistas contemporâneos brasileiros. Na programação prevista estão a exposição
Os universos estéticos dos índios no Brasil
, no Grand Palais, um festival de dança em Lyon que deverá contar com apresentações do mineiro Grupo Corpo e uma exposição sobre a música popular brasileira no Museu da Música. O artista plástico Frans Krajcberg será apresentado em um documentário de 52 minutos. Isso sem contar com nosso Waltinho Salles, que, depois de fazer parte do seleto clube de Hollywood, ainda poderá levar uma estatueta no dia 12 de maio, em Cannes, com o novo filme Diários de motocicleta. Com a bênção de Iemanjá.


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