Em outubro, a medicina brasileira vai celebrar mais uma vitória. A paranaense Anna Paula Caldeira, o primeiro bebê de proveta nascido no País, completará 20 anos no dia 7 e possivelmente festejará a data com uma viagem. “Vou comemorar. Sempre comemoro”, brinca. Anna é fruto do segundo casamento da administradora hospitalar Ilza Caldeira. Da primeira união, Ilza concebeu cinco crianças. Após o quinto parto, ela teve de tirar as trompas. Depois, conheceu o urologista José Antônio Caldeira, com quem se casou. “Eles queriam ter filhos e ouviram falar de um tratamento em São Paulo. Deu certo”, conta. Todo o tratamento foi coordenado pelo cirurgião Milton Nakamura. Anna leva uma vida tranquila em Curitiba. Mora com os pais, está no terceiro ano de nutrição e no momento não namora. E, como qualquer jovem, gosta de sair com os amigos. “Costumam me perguntar se sou normal. Digo que sou tão normal que até já tirei nota vermelha. E também falo logo que quero ter filhos no futuro, sim. Do jeito que for”, diz.

Em 1984, quando Anna nasceu, a comunidade científica estava deslumbrada com os avanços em uma das áreas mais instigantes da medicina: a reprodução assistida. Ou seja, a arte de encontrar recursos médicos para ajudar casais a realizarem o sonho de ter um filho. Seis anos antes, tinha nascido nos Estados Unidos a também menina Louise Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo. Esse marco na história da medicina só foi possível graças ao aprofundamento do conhecimento sobre os aspectos que envolvem o delicado processo de concepção humano. De posse das informações obtidas, pôde-se começar a empreender com sucesso a tarefa de juntar, em laboratório, óvulo e espermatozóide, criando as condições para fecundação e implantação de um embrião dentro do útero. Era a solução do bebê de proveta, um bálsamo para casais que, por diversos motivos, se viam impedidos de conceber um filho naturalmente.

O que se viu depois dessa revolução foi o nascimento de milhares de outras crianças geradas a partir da técnica, batizada de fertilização in vitro, e frutos também de outra variedade de métodos. Hoje, só no Brasil, estima-se que cerca de 40 mil indivíduos tenham nascido graças à reprodução assistida. A especialidade médica também aumentou. Pelo País, existem em torno de 100 centros, de acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Uma delas é a do médico Roger Abdelmassih, de São Paulo. Responsável por uma das mais famosas clínicas especializadas do País, o médico calcula que desde 1973 já nasceram quatro mil crianças graças ao trabalho de sua clínica. “A infertilidade provoca um nível de ansiedade anormal e o casal sem filhos sente uma dor absurda, que só passa quando nasce a criança”, diz Abdelmassih. O médico acaba de ampliar sua clínica. O laboratório ganhou um sistema de purificação de ar digno dos mais sofisticados hospitais. É uma forma de garantir que o meio de cultura no qual óvulos e espermatozóides são fecundados não sofra tanta interferência do ambiente.

Fotos: Arquivo Pessoal

Aniversário A estudante Anna Paula vai completar 20 anos. Ela foi o primeiro bebê de proveta do País e teve uma infância saudável (à dir., ela aparece em foto aos três anos)

E para atender o desejo dos casais inférteis – 15% dos casais em idade reprodutiva têm
ou terão alguma dificuldade de engravidar
ao longo da vida –, a ciência avançou muito
nos últimos 20 anos. Hoje, a chance de uma mulher com menos de 35 anos engravidar com os métodos de reprodução assistida é de 40% por ciclo, índice bem maior do que em condições naturais (estimado em 20% por mês). É claro que os médicos continuam se esforçando para melhorar mais esses porcentuais, mas pode-se dizer seguramente que a técnica está dominada. Na clínica do médico Abdelmassih, por exemplo, o índice de sucesso varia entre 50% e 55% no caso de pacientes nessa faixa etária.

Gêmeos – Com a técnica consolidada, parte-se, agora, para a segunda etapa da revolução que começou com Louise Brown. Um dos principais objetivos dos médicos é fazer com que o casal tenha apenas um filho por procedimento. Isso porque um dos “efeitos colaterais” da reprodução assistida é a possibilidade de nascimento de múltiplos. Tornou-se frequente o casal receber a notícia de que será pai de dois, três bebês.

Fotos: Ricardo Giraldez

História: o médico
Roger Abdelmassih é responsável por uma
das mais modernas clínicas de reprodução assistida do País

Essa contingência ocorre porque geralmente os médicos optam pela implantação de mais de um embrião para que a chance de acontecer uma
gravidez seja maior. No Brasil, de acordo com
uma resolução do Conselho Federal de Medicina, podem-se colocar no útero até quatro embriões.
Há casos em que nenhum embrião consegue se
fixar no útero e se desenvolver até seu nascimento. Mas também são numerosas as situações nas quais os embriões colocados têm boa evolução, resultando na chamada gestação múltipla. À primeira vista, a gravidez de mais de um bebê pode ser recebida com entusiasmo pelos pais. Vista com menos euforia, porém, a situação deve ser tratada com cautela. Uma gestação múltipla é considerada de risco – para a mãe e para os filhos. As chances de ocorrer um parto prematuro aumentam consideravelmente nessas condições. E, infelizmente, o risco de morte dos bebês também. É uma questão de espaço. “O útero está preparado para o desenvolvimento de um embrião. Por isso, no caso de trigêmeos, 50% das vezes um dos bebês morre. Além disso, a prematuridade pode trazer má-formações, com prejuízos de funções como as neurológicas e as motoras”, explica Edson Borges, especialista em reprodução humana. Por isso, o que na hora parece ser muito bom pode se transformar em mais uma dolorosa frustração para o casal.

Biópsia – Mas os médicos já estão adotando várias estratégias para diminuir o risco de uma gravidez múltipla. A principal delas é usar técnicas para melhorar ao máximo a qualidade do embrião, permitindo assim diminuir o número daqueles que serão implantados. Uma das opções é fazer, no embrião, um procedimento que facilita sua implantação no útero (hatching). Procura-se também transferir para o útero um embrião ainda mais saudável. E para isso são usados diversos recursos. Um deles é realizar um teste genético para saber se o futuro bebê poderá sofrer certas alterações cromossômicas, causadoras de problemas como a síndrome de Down. O processo é chamado de biópsia do embrião. “Mas só é indicado para casais que têm riscos de desenvolver esses males”, informa Eduardo Motta, especialista em reprodução humana.

Porém, é importante considerar que a decisão final é do casal. Se quiserem ter dois filhos de uma vez e optarem por implantar mais de um embrião, o médico analisará o caso, considerando as condições de cada paciente. “O fundamental é que o desejo do casal seja levado em conta”, reforça Selmo Geber, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

Enquanto uma parte da ciência concentra esforços em criar técnicas sofisticadas, outra parte propõe mudanças fora dos laboratórios de alta tecnologia. Uma das preocupações dos médicos é facilitar o acesso ao tratamento. Hoje, pagam-se em média R$ 12 mil por uma tentativa de fertilização in vitro. Fora o custo da medicação, que gira em torno de R$ 3 mil. O que alguns médicos estão fazendo é baratear o tratamento. Na clínica do urologista Sandro Esteves, em Campinas (SP), pode ser parcelado em até dez vezes. Em Curitiba, o médico Karam Saab usa uma quantidade menor de remédios, reduzindo os custos. E não são apenas as clínicas privadas que estão conseguindo facilitar a vida dos casais inférteis. As instituições públicas estão no mesmo caminho. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, o tratamento com a fertilização in vitro sai por até R$ 7 mil, incluindo medicação e honorários médicos.

Fotos: Ricardo Giraldez

Pesquisa: no laboratório do serviço coordenado por Abdelmassih, os cientistas estudam maneiras de melhorar a qualidade dos embriões

Muitas vezes, os casais têm a felicidade de descobrir que seu caso é mais simples do que se imaginava. “Há pacientes que, depois de anos tentando, chegam aqui e descobrem que estão com as trompas obstruídas, por exemplo. Uma pequena operação reverte o problema”, afirma Agnaldo Cedenho, coordenador do programa da Unifesp. Nesse nicho de mercado, que está crescendo, há iniciativas ainda mais ousadas. Um ano atrás, foi instalado no Hospital das Clínicas de São Paulo o Centro de Reprodução Humana. Muitas das pessoas que procuram o serviço não têm condições de arcar com os custos e fazem o tratamento gratuito. A iniciativa é conduzida pelo urologista Sami Arap, coordenador do centro. Trabalhos como esse permitem que um número cada vez maior de casais inférteis concretize o sonho de ter um filho