Ichiro Guerra

Tensão: Dirceu, Lula, Aldo e Palocci depois de mais uma reunião: base aliada preocupa

Nada irrita mais o presidente Lula do que ser comparado ao antecessor Fernando Henrique Cardoso. Na última semana, como o tucano, Lula deu declarações ao gosto do interlocutor, ironizou companheiros e desencadeou intrigas. Acabou botando fogo na briga entre dois dos principais caciques da base parlamentar do governo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL). A brigalhada azedou relações e pode fazer estragos no futuro. Tudo começou na terça-feira 4, quando uma comissão deu sinal verde para que Sarney e o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), possam ficar mais dois anos em suas cadeiras. Como o caminho ainda é longo, os dois aterissaram no Palácio do Planalto para pressionar o presidente. Conseguiram arrancar de Lula declarações contra Renan e, de quebra, contra o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Resultado: o governo encerrou a semana amargando a reabertura dos bingos, a incômoda discussão sobre salário mínimo e a convocação indesejada de seus ministros ao Congresso.

“O governo não vai se meter na eleição, mas, na minha opinião, vocês dois devem ficar. Não tem ninguém melhor na Câmara e no Senado. Me sinto seguro com vocês”, disse Lula a Sarney e a João Paulo. Na conversa, Sarney aproveitou para estocar Mercadante, com quem já bateu boca. “Ele é fator de desestabilização. Aliás, o senhor não tem líder no Senado.” Imitando o velho FHC, Lula emendou: “Não entendo essa relação do Mercadante com o Renan.” Presente na reunião, o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), fez coro. “Foi o Mercadante quem estimulou o Renan ao reunir a bancada do PT e fechar contra a reeleição”, disse. “Mas o Mercadante dá muito trabalho. Ele é genial, pensa que as coisas começam nele”, reclamou Lula, irônico.

Na quarta-feira 5, conta Renan, Rebelo telefonou para desmentir que Lula apoiara a reeleição. O líder do PMDB cobrou uma posição pública do Palácio e invocou acordo feito no passado, pelo qual ele substituiria Sarney. “Ou o governo demonstra que é isento ou patrocina a reeleição.” Até pouco tempo atrás, ainda no velho estilo FHC, Lula se manifestava contra a reeleição. “O João Paulo não quer ser um deputado comum. Na certa vai querer meu lugar depois”, disse o presidente numa conversa com Rebelo e José Dirceu e os líderes Mercadante e Fernando Bezerra (PTB-RN). Dois deles confirmaram a declaração.

O racha embaralhou as votações e tanto Sarney quanto Renan se empenharam em mostrar que podem infernizar Lula. O líder operou para reabrir a discussão do mínimo. Já os aliados de Sarney votaram contra e, junto com a oposição, ressuscitaram os bingos e caça-níqueis. Quatro ausências do PT – entre eles Mercadante – contribuíram para o vexame. O clima ficou tão ruim que a líder do PT, Ideli Salvatti (SC), ameaçou entregar o cargo. O maior temor é que a fissura rebata na economia, especificamente no salário mínimo.

André Dusek / ailton de freitas/Agencia O Globo /  André Dusek

Sarney briga com Renan (ao lado); Paim, Tasso e Rodrigo Maia vão cuidar do salário mínimo e a vitória dos bingos no Senado: governo na defesa

Já tramitam no Congresso mais de 100 emendas para aumentar o valor do mínimo – várias do próprio PT –, e o relator da comissão que analisará a medida provisória do salário mínimo acabou sendo um deputado de oposição, Rodrigo Maia (PFL-RJ), filho do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL). A escolha de Rodrigo para relator e de outro opocionista, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), para presidente também foi resultado da guerra Renan/Sarney alimentada pelo próprio Lula. O vice-presidente da comissão é o senador Paulo Paim (PT-RS), um governista que também quer aumentar o mínimo. Ameaçado pelo apoio do Palácio a Sarney, Renan acabou comparecendo à reunião da comissão, dando quórum à escolha da dupla Rodrigo/Tasso para comandar as discussões do mínimo. Lula agora quer esfriar os ânimos.

Para aplacar a fúria de Renan, o presidente o convidou para uma conversa na terça-feira 11. Deve repetir o que disse na reunião com os presidentes de partidos na quinta-feira 6: “Não quero me intrometer e o governo não está operando a reeleição.” Mesmo assim o Palácio do Planalto monta um balaio de ofertas para tirar Renan do páreo sem retaliações. Após a eleição municipal, o governo faria outra reforma ministerial, entregando o Ministério da Previdência para um indicado do senador, anteciparia o apoio para que ele dispute o governo de Alagoas e ainda lhe daria a vaga de líder do governo, despachando Mercadante para a Esplanada dos Ministérios, possivelmente na pasta da Saúde. O peemedebista rechaça os prêmios de consolação e garante que vai disputar o Senado. No final todos podem perder.