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TRAJETÓRIA
A vida de Hobsbawm confundiu-se com os acontecimentos do século XX
 

O Brasil é o melhor país do mundo para se viver, se você é rico”, disse o historiador inglês Eric Hobsbawm numa entrevista à ISTOÉ em 1978. E, em seguida, completou: “Vivo me perguntando como pode alguém ser brasileiro sendo pobre…” Era a segunda vez que ele visitava o País. Irônico e bem-humorado, o maior historiador contemporâneo deixava claro que, além das paisagens das praias cariocas, havia se impressionado com a desigualdade brasileira. O estilo certeiro das frases era o mesmo que sempre permitiu a Hobsbawm tornar compreensível e palatável sua impressionante obra, definitiva para o entendimento da caminhada da humanidade pelos séculos XIX e XX. O olhar atento sobre a vida da sociedade que havia visto por aqui também era o mesmo que ele empregava, com rigor marxista, para fundamentar suas análises e estudos. Hobsbawm gostava de se imaginar como um observador postado “num ângulo ligeiramente oblíquo em relação ao universo”.

Morto na segunda-feira 1o, aos 95 anos, Eric John Ernst Hobsbawm foi um pensador brilhante, uma espécie de Einstein da história, que conseguiu conquistar o grande público. Em sua última passagem pelo Brasil, na Feira Literária de Paraty de 2003, comparou-se ao popstar Mick Jagger ao ser abordado por gritos de “I love you” e pedidos de autógrafos. Como historiador, considerava-se especialista apenas no século XIX, que dividiu em três eras: a das revoluções, a do capital e a dos impérios (nomes de seus três principais livros). Já o século XX, ele dizia ter “vivido”, não apenas “estudado”. Sobre esse período publicou “A Era dos Extremos” e “Tempos Interessantes”, sua tocante e crítica autobiografia. Hobsbawm não nutria uma admiração especial pelo que presenciou nos últimos tempos: “A marca realmente importante na história da segunda metade do século XX não é a ideologia nem as ocupações estudantis, e sim o avanço dos jeans.”

“Sou um antiespecialista num mundo de especialistas, um intelectual cujas convicções políticas e obra acadêmica foram dedicadas aos não intelectuais”, afirmou Hobsbawm em “Tempos Interessantes”. Ele sempre preferiu exercer um olhar elevado. Debruçava-se sobre o significado e os mecanismos que definiam um tempo histórico.

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A história particular do historiador se confunde com os principais feitos políticos e sociais do século XX. Hobsbawm nasceu em 1917 – ano da Revolução Russa e durante a Primeira Guerra Mundial – em Alexandria, no Egito, uma das cidades-berço da civilização. Aos 14 anos, durante a Grande Depressão europeia, perdeu os pais e foi morar com um tio em Berlim, na Alemanha, onde viu florescer o regime nazista e conheceu a via alternativa do comunismo. Tudo isso, segundo ele, moldou seu modo de entender a sociedade. Apesar da idade avançada, seguia produzindo. Ele deixou pronta uma coletânea inédita de ensaios chamada “Tempos Fraturados: Cultura e Sociedade no Século XX”. Escreveu as últimas linhas no hospital. O livro deve chegar às livrarias em 2013.

Por isso, o escritor obteve um feito difícil. Declaradamente comunista, foi, em vida, admirado até mesmo por quem estava do lado oposto do espectro político. Em 1998, por exemplo, o primeiro ministro britânico Tony Blair concedeu a Hobsbawm uma honraria rara, a de “Companion of Honour” – um grupo seleto de 65 pessoas reconhecidas pela realeza britânica por sua contribuição nas áreas de artes, literatura, música, política, ciência ou religião. 

ENTREVISTA À ISTOÉ EM 1978

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Foto: Anne Katrin Purkiss/Rex Featur