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Antes mesmo de ser concluído, o julgamento do mensalão delineia um novo destino para outras ações penais que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra políticos. A interpretação dos ministros sobre crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro mostra a disposição da corte de flexibilizar as exigências para as condenações. Essa mudança coloca na berlinda pelo menos 30 congressistas acusados desses delitos e que até então davam a absolvição como certa. Entre eles, os senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Jader Barbalho (PMDB-PA), João Ribeiro (PR-TO) e Gim Argello (PTB-DF), e os deputados Paulo Maluf (PP-SP) e Eliseu Padilha (PMDB-RS).

Em decisões e votos repletos de opiniões críticas às tentativas dos réus de ocultar a origem e o destino de recursos desviados, os ministros deixam clara a intenção de punir com rigor. Mesmo que isso signifique modificar a jurisprudência que até então vigorava no País e reduzir as exigências de provas para enquadrar o réu na prática de um crime. No caso de lavagem de dinheiro, por exemplo, o processo do mensalão fará com que a Justiça dispense a comprovação do destino do dinheiro ilegal, a partir do momento em que a origem da verba é ocultada. Na defesa de 13 parlamentares que são réus em ações penais por lavagem, o argumento é justamente o de que não há provas do caminho percorrido pelas quantias desviadas. O novo posicionamento dos ministros para a lavagem de dinheiro coloca em pânico no Senado, além de Barbalho, Argello e Ribeiro, o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), que também é investigado por esse crime. Na Câmara, quem pode ser enquadrado na nova interpretação é Paulo Maluf (PP-SP), acusado de lavar dinheiro em um dos 18 processos nos quais é réu.

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Em outra interpretação que atinge em cheio congressistas com mandatos, os integrantes da corte entenderam que, para provar o crime de corrupção passiva, não é necessário um ato de oficio ou a comprovação de que alguém recebeu vantagem para fazer o que tinha obrigação, em razão da natureza do cargo. Por anos, houve a exigência do ato de ofício para configurar a corrupção. Agora, o novo entendimento dos ministros coloca uma pá de cal nas esperanças de parlamentares enredados nesse crime. Eles alegavam nos processos a ausência de provas da relação entre a conduta criminosa e o ato de ofício, uma vez que não seriam obrigados a votar ou a fazer lobby em favor de determinados segmentos. A linha dura do STF deverá valer, por exemplo, na última ação penal pendente de votação referente ao mandato do ex-presidente Fernando Collor na Presidência da República. Na acusação, o Ministério Público alega que o atual senador praticou corrupção passiva ao se beneficiar do desvio de recursos públicos por meio de licitações direcionadas a empresas de publicidade. De acordo com a denúncia, o dinheiro de propina servia para pagar despesas de filhos do então presidente. O caso está nas mãos da ministra Carmen Lúcia, que não tem poupado os acusados. “A corrupção ameaça a democracia”, frisou. No Senado, além de Collor, essa interpretação mais flexível sobre as provas dos delitos atinge em cheio Gim Argello, que, além de lavagem de dinheiro, também é investigado por corrupção passiva em processo que corre em segredo de Justiça. Na Câmara, respondem a ações penais por corrupção passiva deputados como Eliseu Padilha (PMDB-RS), João Magalhães (PMDB-MG), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Nilton Capixaba (PTB-RO). Costa Neto, depois de ser condenado no mensalão, ainda terá de enfrentar outro processo no qual é acusado de receber dinheiro indevidamente. “Essas posições do STF sem dúvida mudarão o desfecho de muitas ações que tramitam atualmente. O que se percebe é a tendência de reduzir as exigências para a configuração de um crime e isso resultará em mais punições”, avalia Víctor Gabriel Rodríguez, professor de direito penal da Universidade de São Paulo. A lista extensa de políticos encurralados pela Justiça e pelas novas interpretações dos ministros do STF sobre os delitos é um sinal de que o cerco aos corruptos se fecha.

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O tom crítico aos desvios e à conduta dos mensaleiros permeou toda a semana de votações no Supremo Tribunal Federal. Ao avançar no julgamento do núcleo político do processo, os ministros condenaram 12 dos parlamentares denunciados por lavagem e corrupção passiva. Nas discussões, a maior divergência é sobre a condenação por ambos os crimes, já que alguns ministros entendem que um decorre do outro. “Condenar duas vezes seria um erro porque a lavagem só existe porque a corrupção aconteceu”, alega Marco Aurélio Mello. O grande dilema é que a maioria dos integrantes da corte está disposta a enquadrar os réus em ambos os delitos, especialmente porque lavar dinheiro impõe uma pena superior. 

Foto: Márcia Kalume; Valter Campanato/ABr; CLAUDIO GATTI/AG. ISTOÉ; Waldemir Barreto; Roberto Castro/AG. ISTOE