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FÉ E POLÍTICA
Dom Odilo (à esq.) promoveu na quinta-feira 20 um debate com
os candidatos a prefeito de São Paulo. Russomanno não foi.
Abaixo, Gabriel Chalita, José Serra, Soninha e Fernando Haddad
 

A Igreja Católica, na figura de um de seus maiores expoentes, se colocou no epicentro da disputa eleitoral de São Paulo. Ao liderar uma ofensiva contra o partido de um candidato a prefeito ligado a uma denominação neopentecostal, o cardeal arcebispo de São Paulo dom Odilo Scherer abandonou seu estilo comedido e discreto e usou o púlpito das igrejas paulistanas para se defender e fazer pesadas críticas. Essa guerra religiosa dividi católicos e protestantes, ao contrário do que ocorreu nas eleições presidenciais de 2010, quando ambos promoveram uma campanha que associava a então candidata Dilma Rousseff à liberação do aborto. A atitude de dom Odilo foi uma reação a um texto de maio de 2011 do pastor da Igreja Universal do Reino de Deus Marcos Pereira, presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB) e coordenador da campanha de Celso Russomanno, líder das pesquisas na capital. No texto, que voltou a ser divulgado por meio das redes sociais, Pereira associava a Igreja Católica à criação do chamado “kit gay”, material didático anti-homofobia criado em 2010 pelo Ministério da Educação. Nominalmente citados pelo cardeal, Pereira e Russomanno não alimentaram a discussão. O candidato, inclusive, tentou um encontro com a autoridade religiosa, sem sucesso. Em meio à polêmica gerada por suas declarações, dom Odilo afirmou, na abertura do debate com os candidatos a prefeito promovido pela arquidiocese na quinta-feira 20 – sem o candidato do PRB, que não compareceu – que “não é função da Igreja apoiar ou indicar candidatos para o voto nas eleições.”

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Ao ser questionado sobre os motivos de ter reagido à manifestação do presidente do PRB apenas um ano e meio após o texto ter sido publicado, dom Odilo afirmou só ter tido conhecimento dele na noite de segunda-feira 10, alertado por um assessor. Sua resposta veio por meio de uma nota de repúdio no site da arquidiocese, na quinta-feira 13. Mas o contra-ataque mais contundente foi desferido no dia 16, quando um texto do arcebispo foi lido em 300 igrejas da capital. Sob o título “Política, com ofensas à Igreja, não!”, sacerdotes leram, durante as celebrações dominicais, frases como: “…Muito nos entristeceu, no contexto da propaganda eleitoral partidária, ver a Igreja Católica Apostólica Romana atacada e injuriada, de maneira injustificada e gratuita, justamente num artigo do chefe da campanha de um candidato à Prefeitura de São Paulo. Coisas ali ditas sobre a Igreja Católica são difamatórias e beiram ao absurdo, merecendo todo o repúdio…” Apesar de o cardeal afirmar que a reação foi uma defesa da instituição que representa, a leitura geral foi de um ataque a uma denominação religiosa, um partido, um candidato. “Ele não diz em quem votar, mas está claro em quem não votar”, afirma Leonildo Silveira Campos, professor de Sociologia da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Outro candidato, indiretamente, também se sentiu atingido com o vigoroso ataque católico. Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), teria ficado desconfortável com o reavivamento da discussão do “kit gay”, que, de tão polêmico, deixou de ser colocado em prática à época.

O texto de Marcos Pereira foi um recurso usado pela Igreja para marcar território. Afinal, é a primeira vez que um candidato a prefeito de uma grande capital – com chances reais de ganhar – está associado a apenas uma denominação religiosa e não diluído em várias coligações cristãs. “Não é uma luta contra o Russomanno, pois ele até se declarou católico fervoroso”, afirma Cláudio Couto, professor de administração pública da Fundação Getulio Vargas (FGV). “É um embate de instituição contra instituição, tanto que o chefe da Igreja de São Paulo usou as missas para discursar.” O que também está em jogo, e incomoda as lideranças católicas, é a territorialidade: em quais avenidas serão feitas as marchas evangélicas e as grandes celebrações católicas, por exemplo. “O cardeal também quis marcar posição e mostrar sua força internamente”, afirma o filósofo Gedeon de Alencar, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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Calcula-se que cerca de 600 mil pessoas ouviram a declaração de dom Odilo no domingo 16 – ele está publicado no site da arquidiocese, assim como a nota de repúdio. Padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, celebrou a missa das 12h30 na Nossa Senhora do Brasil, no Jardim América, zona oeste da cidade. Segundo o sacerdote, o texto foi lido junto com os costumeiros avisos antes da bênção final. Apenas lido, sem nenhum espaço para comentários. Outras igrejas consultadas por IstoÉ reafirmaram o mesmo procedimento. O objetivo, segundo padre Valeriano, é que cada fiel fizesse sua “síntese”. “Por que eles (o texto do pastor Marcos Pereira) promoveram um ataque tão injusto, e justamente nessa hora?”, diz o religioso, ao justificar a necessidade de a Igreja reagir. Questionado se a iniciativa da arquidiocese paulista influenciaria o voto dos fiéis, respondeu: “Sinceramente, não sei.”

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não quis se pronunciar sobre a atitude de dom Odilo, mas afirmou que ela está de acordo com as diretrizes deste que é o órgão máximo da Igreja Católica no Brasil. A própria CNBB nunca se manifestou contra o texto do pastor Marcos Pereira, ou as acusações dos evangélicos. Mas a atitude de dom Odilo não foi unanimidade na Igreja de São Paulo. Dom Fernando Figueiredo, bispo da Diocese de Santo Amaro, conhecido por ser o líder espiritual do padre Marcelo Rossi, que celebrou o casamento e batizou os filhos de Russomanno, veio a público defender o candidato do PRB, a quem chamou de “boa pessoa”. Um das maiores lideranças sociais da cidade, padre Ticão, pároco da Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo e fora da jurisdição de dom Odilo, acha que deveria ter havido um debate antes de a nota ser divulgada. “Esse tipo de atitude estimula um certo fanatismo, justamente o que combatemos na Igreja do partido que o cardeal criticou.” Resta saber o quanto o rebanho paulistano ainda segue seus pastores.  

Foto: Antonio Milena/AE
(*) em toda a capital, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010


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