Dias & Riedweg – Até que a rua nos separe/ Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, RJ/ até 30/9


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CIDADES MÓVEIS
“Caminhão de Mudança” estacionado no centro Rio"

Se partires um dia rumo a Ítaca, faz votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras, repleto de saber. Assim aconselha o poeta grego Constantino Kavafis ao se referir à ilha que é o destino da viagem de Ulisses, na “Odisseia”. Assim afirmam os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg ao realizar seu mais recente trabalho, a videoinstalação “O Espelho e a Tarde” (2012). Aqui, um morador do Complexo do Alemão, no Rio, carrega um espelho por suas alamedas, ruelas e praças, seguido pela câmera.

Ao acompanhar o caminhar do personagem, multiplicado pelo reflexo do espelho e editado em três telas na instalação, vivenciamos a sensação labiríntica do traçado da favela. Há muita vontade de saber aonde o caminhante vai chegar. Mas existe apenas uma progressão evidente nesse caminho: ele começa de dia e termina de noite. Nunca para, segue sempre em processo. Como na Ítaca de Kavafis, a meta é o caminho.

Semelhante às vias e moradias do Complexo do Alemão, a construção da obra de Dias & Riedweg, é cotidiana e continuamente inacabada. Talvez por isso eles elegem o cronista João do Rio como um fio condutor entre as 13 obras expostas na mostra “Até Que a Rua nos Separe”, em cartaz no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. “Flanar é a distinção de perambular com inteligência”, escreveu João do Rio na primeira década do século XX, sobre a “alma encantadora” das ruas do Rio de Janeiro.

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ESPAÇO SIMBÓLICO
“Funk Staden” reencena ritual tupinambá no Morro Dona Marta"

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“Devotionalia” (1994-2004), primeiro trabalho realizado pela dupla, é também sua primeira declaração de amor às ruas. O projeto foi constituído por um ateliê móvel que rodou a cidade em 1995, do qual participaram 600 meninos de rua. Entre eles, Sandro do Nascimento, depois de sobreviver

à chacina da Candelária e antes de morrer no episódio do sequestro do ônibus 174. Nas oficinas, as crianças realizaram reproduções em cera de seus pés e mãos, e para elas dedicavam um sonho ou desejo. Esses objetos, que adquiriram o significado de ex-votos, compõem o trabalho ao lado de um videodocumentário sobre todo o processo de realização do projeto.

Em “Caminhão de Mudança”, projeto em andamento desde 2009 e permanentemente inacabado, a cidade do Rio é conectada a Bruxelas, Nova York, Lisboa, Cidade do México, Houston e Copenhague. O trabalho consiste em um caminhão que circula pelas ruas de uma cidade. Filmado, esse perambular é depois projetado em outro caminhão em trânsito em outra cidade, de modo que um é projetado dentro de outro, que é projetado dentro de outro, e assim por diante. “Esse projeto contextualiza no espaço o destino de toda imagem em movimento: ser apagada pela imagem seguinte”, afirma a dupla em texto do catálogo.

No percurso proposto pela exposição, o flanar do visitante vai dar no espaço simbólico do baile funk, acionado em duas instalações que ficam no terceiro andar da instituição. Em “Universo do Baile”, três ícones nacionais – o hino, a bandeira e a Constituição – são distorcidos a fim de apontar para os mecanismos de exclusão social. Em “Funk Staden”, Maurício Dias e Walter Riedweg reescrevem a história de canibalismo narrada por Hans Staden no século XVI, contextualizada no Morro Dona Marta, em 2007.  


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