Aquele chefe ranzinza que se descabela diante de imprevistos, treme ante mudanças, explode quando contrariado e baseia sua autoridade apenas no poder concedido pela hierarquia está realmente com os dias contados. Os testes de personalidade, aptidão e inteligência sempre foram instrumentos usados pelas empresas na hora de escolher seus candidatos, mas agora ganharam valor decisivo, principalmente para cargos de comando. Uma pesquisa realizada pelo Grupo Catho, de São Paulo, no ano passado, entre 9.174 executivos demonstrou que o uso desse tipo de ferramenta quase dobrou nos últimos quatro anos. Dos entrevistados em cargos de presidência e diretoria, 42,85% foram submetidos a esses testes em 2001. Até 1998, o índice era de 23,33%. Entre gerentes, supervisores e profissionais especializados, a aplicação dos testes cresceu de 10% a 15%.

A lógica das empresas é simples: quanto maior o salário, menor deve ser o risco do escolhido não corresponder às expectativas. É preciso achar a pessoa certa para o lugar certo. Cada vaga e cada empresa têm o seu próprio perfil, mas, nessa busca, há um denominador comum: o funcionário ideal passa longe do sabe-tudo autoritário incapaz de valorizar e motivar seus subordinados. Boa formação acadêmica, preparo técnico e o domínio de uma segunda ou terceira língua são o básico. O candidato tem que mostrar iniciativa, jogo de cintura, motivação, enfrentar desafios e se relacionar bem e eticamente com as pessoas. “Ninguém contrata só por causa de um teste de personalidade, mas é um instrumento eliminatório”, afirma Thomas Case, do Grupo Catho.

Num país onde o desemprego chega a índices recordes, essa nova exigência leva a situações paradoxais. Há empresas que não conseguem preencher suas vagas. A consultoria TBM América Latina, por exemplo, não consegue contratar cinco consultores empresariais no Brasil. Motivo: os candidatos apesar de bem preparados e com experiência, não apresentam o perfil ideal. A vaga pede alguém empreendedor, persistente, sociável, eloquente e auto-suficiente, mas que saiba seguir regras. “O desafio é encontrar o equilíbrio entre essas qualidades. Somos exigentes porque um consultor é um agente de mudança na empresa de nossos clientes. Além disso, a contratação e viagens para treinamento custam cerca de US$ 100 mil”, explica Jairo Ramalho, 55 anos, diretor-superintendente para a América Latina.

Porta-retrato – Na TBM, os candidatos são avaliados pelo teste Personalysis, da americana Manatech – apenas um entre tantos à disposição de head hunters e empresas de recolocação. Em 104 questões, o profissional informa como e em que gosta de trabalhar, como se vê e como reage sob pressão. É um sistema curioso. A partir de informações da empresa, a Manatech traça o perfil ideal para a vaga. Ao receber o teste, nos Estados Unidos, cruza as respostas com o perfil ideal. Se aprovado, o funcionário ganha um mapa de sua personalidade, com porta-retrato para manter bem na mesa de trabalho. À primeira vista parece um meio devassador, mas a TBM funciona como um facilitador. Todos têm o mapa de todos. “Mostrar-se como é ajuda a conviver. As pessoas sabem o que podem esperar de mim e vice-versa. Também ajuda a delegar, sei quem é ideal para resolver tal problema”, explica Ramalho. Outro teste bem conceituado é o Quantum, da Quantum Lep do Brasil, que assessora empresas na seleção de candidatos e no melhor aproveitamento de seus talentos. Utilizado nos Estados Unidos, México, Itália e França, o teste foi criado no Brasil, com base nos estudos sobre o funcionamento neurológico e emocional feitos nos anos 20 pelo psicólogo William Marston. O método mede o modo de ação e de comunicação do indivíduo, seu ritmo de trabalho e como ele responde a regras e padrões. Revela a flexibilidade, qualidade apreciada hoje. O teste está disponível na Internet (www.metodoquantum.com.br) e custa R$ 240.

Apesar de esse processo escrutinador não ser tão explícito em muitas empresas, ele está lá. E tem gerado forte angústia tanto para quem está em busca de um emprego como para quem quer conservar o seu. Afinal, perceber que tem de fazer um curso ou até um MBA é mais digerível do que notar que seu jeito de ser está emperrando a carreira. Não é fácil admitir-se inflexível, temeroso ou impulsivo. Alterar personalidades é em si uma polêmica. O senso comum diz que é impossível mudar o jeito de ser de alguém. É uma meia verdade. Podemos entender a personalidade como a somatória de características herdadas e de aspectos gerados pela educação e pelo meio ambiente. Há uma parte estrutural, mais difícil de se alterar, e uma parte periférica, que podemos e até devemos mudar. É nessa porção maleável que podemos agir. “Assim como um automóvel, que tem marcha a ré para que não atole ou emperre em um beco, o ser humano tem padrões múltiplos de comportamento. É o que lhe permite agir de formas diferentes quando a situação exige, ainda que dentro de seus próprios padrões”, explica Cláudia Riecken, da Quantum.

Mas o caminho para consertar “falhas” de personalidade não é óbvio e vem abrindo espaço para empresas e sites que oferecem orientação profissional, aconselhamento de carreira, curso de neurolinguística e workshops de oratória, relacionamento e marketing pessoal, entre outros. Os profissionais que se dedicam a essa nova tendência são unânimes em afirmar que a solução passa pelo auto-conhecimento – e não é chavão de psicólogo. Não há como melhorar sem identificar os entraves. O primeiro passo é analisar a carreira, depois fazer o diagnóstico dos pontos fracos e criar estratégias para o “conserto”, ou seja, a busca de treinamento e reflexão para a mudança de atitudes. “Estamos na era dos relacionamentos. O que faz a diferença hoje é o como as pessoas agem e reagem. A personalidade virou o diferencial”, ressalta a psicoterapeuta Rosângela Casseano. Ela é consultora em carreira do site Bumeran.com.br, do Terra.

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Todos os cursos têm como objetivo tornar o candidato “empregável”, mas seduzem também os que apreciam o emprego e querem incrementar a carreira. O carioca Miguel Neme, 40 anos, gerente de relações internacionais de uma empresa de telecomunicações, por exemplo, fez um workshop de empregabilidade. O curso treina para participar de dinâmicas – verdadeiro bicho-papão para os candidatos –, simula entrevistas, versa sobre apresentação pessoal e sobre o mercado. “Quero melhorar sempre. Descobri, por exemplo, que posso falar mais devagar, já que a pressa pode sugerir ansiedade”, conta ele. Neme descobriu que poderia expor-se mais na empresa e aprendeu a vender melhor suas idéias. O que o levou a assumir novos projetos.

Qualidades – O curso de marketing pessoal leva a pessoa a redescobrir suas qualidades. Não era o caso de Neme, mas depois de uma demissão é comum sentir-se abalado e confuso sobre o próprio valor. A auto-estima vai lá embaixo. Estado de espírito que não permite a avaliação adequada da realidade – tende-se a supervalorizar os “defeitos” e esquecer o próprio valor. “A pessoa vai derrotada para uma entrevista de emprego, com o foco no que não tem. Fica insegura, tentando camuflar suas deficiências e não mostra suas competências”, alerta a psicanalista Mariá Giuleese, diretora executiva da Lens & Minarelli, consultoria de outplacement (recolocação de executivos) para empresas. Além disso, há a paranóia do “tem que”. O profissional tem que ser bem informado, tem que saber se a Bolsa sobe ou desce, tem que dominar a informática. Isso cria pavor da concorrência e um absurdo sentimento de incapacidade. O medo paralisa e a paranóia cria o que a psicanalista Mariá batiza de executivo-esponja – aquele que absorve tudo que ouve do mercado e fica tentando correr atrás. “Não se pode saber de tudo. Numa batalha, lutamos com as armas disponíveis e não ficamos inventariando o que falta”, compara ela.

Os programas ajudam no diagnóstico, mas cabe ao profissional traçar as estratégias de desenvolvimento, que podem ser voltar a estudar, fazer mestrado, começar uma análise e até mesmo alçar vôo solo, como aconteceu com a dupla Sigrid Sant’Anna, 49 anos, e Maria Cristina Cinopoli Gomas, 39. Assistentes sociais em boas empresas, elas desejavam mudar. Depois de um programa de reavaliação, descobriram que, juntando suas competências, podiam realizar o sonho comum de ter a primeira consultoria em serviço social do Brasil, que funciona 24 horas com uma rede de 80 colaboradores nas principais cidades do País. “Sou diplomática, boa para fazer contatos, abro portas, enquanto Cristina é empreendedora, organizada e ótima negociadora”, diz Sigrid. A psicanalista Mariá Giuleese lembra oportunamente que o problema não é a personalidade que se tem, mas o uso que se faz dela. “Há sempre algo que as pessoas fazem tão bem e com tanta facilidade que nem identificam como uma qualidade, subestimam uma habilidade que pode ser o seu diferencial competitivo”, resume.


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