Japeri é um dos municípios mais pobres da Baixada Fluminense. Pode parecer estranho, mas é ali que centenas de crianças e adolescentes estão começando a praticar um esporte nem um pouco comum em comunidades carentes: o golfe. Nada de roupas caras, sapatos especiais e equipamentos sofisticados. O uniforme desses jovens se resume a um par de chinelos geralmente bem gastos, camisa regata e short. A única semelhança entre eles e os endinheirados adeptos do esporte é o talento. Os acessórios são caríssimos. Um taco bom custa R$ 2 mil e o equipamento completo pode chegar a R$ 5 mil. O inusitado campo de golfe na Baixada é a ponta mais visível de um fenômeno cada dia mais comum para os jovens carentes do Rio: a prática de esportes exclusivos da elite.

Os golfistas de Japeri treinam em um pasto. Pedras, grama alta e até estrume são obstáculos permanentes. O terreno deverá passar por uma obra e a Associação Golfe Clube de Japeri, recém-fundada, espera ganhar um campo de primeira linha no ano que vem. A área é usada há quase dez anos para treinamento de caddies (carregadores de tacos) do Gávea Golf e do Itanhangá Golf Club, redutos da alta sociedade da zona sul carioca. Recentemente, no entanto, o terreno passou a pertencer à associação, doado pela Prefeitura de Japeri e equipado pela multinacional de seguros e previdência, Nation Wide.

“Eu levo duas horas para chegar ao trabalho e quando volto ainda dou três horas de aula para os pequenos, mas compensa”, orgulha-se o professor Jair Medeiros, 29 anos. Sempre que pode ele leva os tacos usados do clube onde trabalha para os novos adeptos do esporte. Carlos Alberto da Silva, o Chiclete, 26 anos, também é professor em Japeri e sonha alto: “Vou me transformar no maior nome do golfe. Quero ser igual ao Tiger Woods”, sonha, referindo-se ao atleta mais importante do golfe mundial.

Os golfistas mais talentosos de Japeri são Gabriel Martins, nove anos, Reginaldo Gomes dos Santos, da mesma idade, e Adriano Campos, 13. Eles treinam três horas por dia, chova ou faça sol. Com o mesmo sonho: “Ganhar muito dinheiro para poder ajudar a família”, afirmam em coro. Apesar da paixão pelo esporte, eles não conhecem nenhum jogador famoso. Os torneios só são transmitidos em canais de tevê a cabo, aos quais eles não têm acesso.

A 100 quilômetros de Japeri, sem sombra nem árvores, as dificuldades são ainda maiores. Além do forte calor e da pobreza, a violência impera no Complexo da Maré, zona norte do Rio. É sob essa atmosfera que jovens de diversas idades estão se destacando no tênis, num projeto conjunto da Prefeitura do Rio, do governo federal e da Petrobras. Ricardo Sant’anna, 41 anos, é o professor mais antigo da Maré e treina mais de 250 alunos. “O que mais me impressiona neles é que, apesar das dificuldades, não falta disciplina. Eu até choro quando meus meninos vencem”, emociona-se. Douglas Soares, 32 anos, é instrutor na Maré há dois anos e conhece bem os alunos da região. “O interesse vem aumentando. Quando o Guga ganha, as aulas lotam”, explica.

A comunidade da Maré dispõe de duas quadras de piso rápido (cimento) e um paredão para os que estão começando. Para fazer parte da equipe é necessário estar frequentando a escola e obter média 7 em todas as disciplinas, explica o professor Nilo Gonçalves. “Nosso objetivo no início era apenas tirar os menores das ruas, mas com o tempo descobrimos verdadeiros talentos”, conta ele. Um dos mais engraçados tenistas da comunidade é Marcos Paulo da Cruz, oito anos, o Guguinha. “Já venci garotos bem mais velhos e não aceito perder. Quando isso acontece, quebro tudo”, afirma Guguinha. Em abril, houve o segundo Maré Open de Tênis. A vencedora da categoria até 12 anos foi Débora Viana, outra grande promessa. “Já fui a terceira colocada no ranking carioca. Quero chegar mais longe”, diz Débora. A intenção dos professores é ampliar o calendário de competições e formar um celeiro de craques.

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Outro passaporte para o sucesso é o projeto Navegar, criado pelo velejador e secretário nacional de Esportes, Lars Grael. No início, eram apenas sete núcleos, com professores de canoagem, remo e vela. Agora já são 36 núcleos espalhados pelo Brasil. Mais de nove mil alunos receberam noções náuticas avançadas e aulas de preservação do meio ambiente. Para fazer parte basta ter de 12 a 15 anos e estudar na rede pública. As turmas têm 160 alunos, com aulas práticas e teóricas quatro vezes por semana. A subgerente do projeto, Fernanda Lima, 26 anos, descreve sua missão como a realização de um sonho. “Estamos criando talentos do esporte”, orgulha-se. Helena Ferreira, 13, de Ribeirão Claro (PR), é um exemplo. Ela é a atual campeã brasileira na categoria infanto-juvenil. “Eu me sinto realizado, tem sido fantástico acompanhar o sucesso dessas crianças”, emociona-se Lars Grael.


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