André Dusek

“Essas taxas só medem o desemprego nas regiões metropolitanas, não no interior, onde mais se ampliou o emprego”

Ichiro Guerra

“A economia não está parada. Se compararmos o primeiro trimestre de 2004 com o de 2003, estamos muito melhores”

O ministro do Planejamento, Guido Mantega, aposta no crescimento e, na entrevista que se segue, reage aos principais cenários negativos sobre o futuro do País que surgiram nos últimos tempos. Para ele, o mercado constrói mitos.

ISTOÉ – Há um clima de sinistrose no ar?
Mantega
– Existe, sim, um clima que não corresponde à realidade. Por exemplo: o PIB do primeiro trimestre, a ser divulgado nos próximos dias, será positivo; uma sondagem da Fundação Getúlio Vargas junto a indústrias de transformação mostra que boa parte do setor tem a intenção de contratar no segundo semestre. As previsões do setor para a evolução da demanda global são as melhores desde julho de 1994, na edição do Plano Real.

ISTOÉ – Mas as taxas de desemprego, um indicador importante, só pioram.
Mantega
– Essas taxas só medem o desemprego nas regiões metropolitanas,
não refletindo o interior, onde mais se ampliou o emprego. Podem estar superdimensionadas. Além disso, a redução do desemprego se dá algum tempo depois que há uma retomada do crescimento. Também há uma sazonalidade típica do primeiro trimestre.

ISTOÉ – Existe uma avaliação no mercado de que, dadas as perspectivas internacionais, a janela para baixar juros é estreita e está se fechando.
Qual a sua opinião?
Mantega
– Muitas vezes, o mercado constrói hipóteses que não se realizam. São os mitos do mercado. Um fala e todo mundo começa a papagaiar. De repente, você passa pelas situações e nada acontece. Está todo mundo dizendo: “Quando vier a eleição americana, o juro vai subir, o crescimento vai cair.” É uma hipótese. Para nós, claro, é melhor que a economia mundial esteja crescendo. Mas, mesmo na hipótese de uma restrição internacional, o investidor, não tendo onde aplicar lá fora, poderá vir para cá, já que o Brasil estará oferecendo condições propícias: compromisso fiscal, estabilidade com inflação baixa, dívida sob controle e oportunidade de investimentos. Fechou a janela? Abriu a porta.

ISTOÉ – Que efeito o sr. espera do aumento dos juros americanos?
Mantega
– Pode haver uma recomposição, mas o impacto não será grande. Mesmo que o FED (o banco central americano) suba meio ponto a taxa, não será algo tão substancial que valha a pena abandonar o Brasil. A diferença de rentabilidade é brutal, seja a aplicação produtiva, seja a financeira. Como eu disse, nossos fundamentos econômicos são sólidos.

ISTOÉ – Sendo dependente de empréstimos externos para fechar suas contas, o País não deve passar por dificuldades?
Mantega
– Nossas exportações cresceram até mesmo quando o comércio internacional não estava crescendo. Nossa competitividade é forte e vai continuar assim. Vamos fazer um superávit comercial na casa dos US$ 24 bilhões neste
ano. A vulnerabilidade externa continua sendo reduzida e assim seguirá, seja
qual for o juro americano.

ISTOÉ – O sr. é favorável à proposta do senador Aloizio Mercadante (PT-SP),
de ampliação das metas de inflação para abrir espaço para uma queda maior
dos juros?
Mantega
– A intenção dele é positiva, tem a preocupação de compatibilizar o crescimento com a política de metas. Só tenho dúvidas de que seja necessário mudar a meta de inflação. A margem de flexibilidade hoje é de 2,5%, o que não é pouco.

ISTOÉ – Mas o BC parece temer usar a margem e ter sua credibilidade golpeada.
Mantega
– O discurso do BC não pode ser muito diferente. Ele tem que dizer que vai perseguir a meta, é sua obrigação persegui-la. Mas, se o resultado for 6,2% em vez de 5,5%, ele cumpriu. Não precisa nem fazer carta pública se explicando. O mercado já está precificando a inflação de 2004 em 6,2%. Se for assim, está bem. O importante é que o BC está reduzindo as taxas de juro. Para o próximo ano, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) prevê uma taxa Selic (o juro básico da economia) de 13%. Dá uns 7% de juro real, um nível bem razoável.

ISTOÉ – A discussão deste assunto não pode trazer ao mercado a desconfiança de que o governo está afrouxando na política econômica?
Mantega
– Há três temas que acabam causando uma
certa inquietação: juros, câmbio e inflação. Não há nenhum propósito do governo de alterar sua política atual. Nem
é isso que o senador Mercadante propõe. Ele sugere um ajustamento para deixar o processo mais flexível, de maneira que o governo não tenha que fazer um excessivo esforço de juros altos.

ISTOÉ – Como o sr. responde a afirmações de que o governo está fazendo um ajuste fiscal em vão, já que a dívida interna aumentou?
Mantega
– Nós passamos por um primeiro ano de ajuste. Tivemos que praticar uma taxa de juro alta porque a inflação estava alta. Mas agora a taxa já está bem mais baixa e a trajetória é de queda da relação dívida/PIB. Esse raciocínio não vale mais.

ISTOÉ – O sr. mantém a aposta de crescimento de 3,5% do PIB para este ano, mas os resultados estão demorando a aparecer.
Mantega
– O crescimento não é linear. É irregular, tem sazonalidades, férias, Carnaval. No último trimestre do ano passado, nós aceleramos fortemente a economia. É natural que a partir de fevereiro ocorra uma desaceleração. Daqui a pouco acelera de novo. Acho que os indicadores de abril e maio, já vão mostrar isso.

ISTOÉ – A demora em surgirem boas notícias causa angústia?
Mantega
– Se nada tivesse concorrido, eu poderia estar preocupado. Mas a economia não está parada. Se compararmos o primeiro trimestre de 2004 com o primeiro de 2003, estamos muito melhores. Há vários indicadores positivos: a
renda parou de cair, começa a se recuperar, o mercado se mexe um pouco, já
se tem investimentos em bens de capital, a indústria foi bem no segundo semestre passado inteiro, e mesmo neste semestre já surgem indicadores positivos. Não é difícil crescer 3,5%.

ISTOÉ – Os prazos não ficaram apertados, considerando o calendário eleitoral?
Mantega
– A eleição vai ser em outubro. Tem tempo. Mas eu não estou preocupado com eleição. Estou preocupado com a sequência.

ISTOÉ – Com os próximos anos?
Mantega
– O desafio é manter o crescimento sustentado não por um, mas por cinco, seis anos. Só conseguiremos se atrairmos um volume importante de investimentos neste ano. E estamos trabalhando nisso. Teremos taxas de juros compatíveis. Estamos implantando uma política industrial, botando os bancos públicos para funcionar, aumentando o crédito para pequenas e médias empresas. A flexibilização do cálculo do superávit, em discussão com o FMI, pode liberar estatais – por exemplo, a Petrobras – para fazer investimentos expressivos talvez ainda neste ano. Muitas empresas privadas também estão ávidas para fazer investimentos em parceria com o governo. Se estou angustiado? Não com isso. Talvez possa estar por ter que administrar o aumento do funcionalismo.

ISTOÉ – Os movimentos grevistas tiram o sono?
Mantega
– Temos que olhar isso com naturalidade. É da dinâmica social. Quando se tem o pleno exercício da democracia, os movimentos eclodem. Estamos em uma democracia estimulante, em que cada um vai em busca dos seus direitos. É a normalidade da democracia. Aqui e em outros países. Tem que olhar com naturalidade. As respostas já foram dadas. Não vamos dar mais.