Para o petista Luiz Inácio Lula da Silva vale o inverso do ditado segundo o qual depois da tempestade vem a bonança. Lula vinha navegando por águas tranquilas, assistindo aos concorrentes remarem contra a maré. Mais eis que começou a enfrentar uma verdadeira tormenta. A vida boa do petista acabou na terça-feira 14, com a divulgação de pesquisas mostrando o avanço de Lula, que chegou a passar 26 pontos percentuais à frente do segundo colocado, o senador José Serra (PSDB). Foi o sinal que detonou a artilharia tucana na direção do petista. Até então, os governistas consumiam todas as suas energias dentro de casa, conturbada pelas denúncias que atingiram o economista Ricardo Sérgio de Oliveira, o ex-caixa de campanha de Serra para o Senado. Lula estava sendo tratado quase como um companheiro. Era tido como o adversário ideal, fácil de ser derrotado, como aconteceu nas três eleições presidenciais anteriores.

Grande parte do crescimento de Lula deveu-se ao competente trabalho do publicitário Duda Mendonça, responsável pelo emotivo programa de tevê do PT. Os aplausos foram gerais, dos setores petistas que antes torciam o nariz para o ex-marqueteiro de Paulo Maluf aos próprios tucanos. Serra, por exemplo, qualificou o programa do PT de excelente. O deputado federal Milton Temer (RJ), representante das correntes de esquerda do PT, rasgou elogios: “O programa foi muito bom. Duda Mendonça tem o dom de falar para o público de fora do PT e ao mesmo tempo mobilizar a militância petista.” Numa campanha que promete ser dominada pela guerra entre marqueteiros, não poderia deixar de partir de um deles o contra-ataque. Um dos primeiros a atirar foi Nizan Guanaes, que acabou de assumir oficialmente a campanha de Serra. Numa entrevista à Folha de S.Paulo, Nizan disse que Lula parecia o clone de Serra, por ter assumido um discurso moderado, defendendo a estabilidade econômica e a responsabilidade fiscal. “O PT apresentado na tevê não é o que vota no Congresso. Há um PT do programa de governo e um PT do programa de tevê. Estamos vendo na eleição o que chamo de fenômeno Lucas e Leo”, disparou Nizan, referindo-se aos personagens da novela O clone, da Rede Globo. O problema é que a vida real está imitando a ficção. Lula vem agradando ao público da mesma forma que Leo, o clone, está ganhando corações e mentes, tomando o lugar de Lucas.

Incoerência – A blitzkrieg foi muito bem organizada pelos tucanos, que apontaram, em coro, a incoerência de Lula. “O programa de tevê do PT é a favor da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o PT no Congresso vota contra e vai até o Supremo”, atirou Serra, para quem “Lula é corintiano na tevê e palmeirense no Estádio”. Serra, torcedor do Palmeiras, também ironizou a nova imagem de Lula, de corintiano roxo, apresentada na telinha, e afirmou que ele não está disposto a mudar sua personalidade para agradar o eleitor. “Vou colocar todos os meus defeitos a serviço do país,” prometeu. Coordenador do programa de governo de Lula, Antônio Palloci, prefeito de Ribeirão Preto, saiu em defesa de seu candidato. “Não temos incoerências. Nós defendemos a estabilidade e a responsabilidade fiscal, mas temos algumas divergências. Será que os tucanos nos permitem divergir de algumas coisas?”, ironizou. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, também endossaram a crítica e cobraram coerência de Lula. “Todos (os candidatos) dizem, por exemplo: vamos preservar a inflação sob controle, mas, porém, contudo, todavia, isso dependerá de uma série de outras coisas. Isso leva alguns a terem dúvidas sobre a credibilidade desse compromisso”, criticou Malan. Outra tática dos governistas é relacionar um eventual governo petista ao caos econômico e social da Argentina e ao fim da estabilidade. Há uma semana já vinha sendo ventilada a tese de que o favoritismo de Lula na eleição teria sido o principal e único fator para a derrubada das Bolsas e para a alta do dólar. Mas, na quarta-feira 15, o mercado voltou ao normal, apesar da divulgação das pesquisas, como a do Instituto Datafolha, mostrando que Lula atingira seu maior índice na campanha, agora com 43%. A pesquisa foi realizada nos dias 13 e 14, com 3.410 eleitores.

O petista saltou 11 pontos porcentuais em 35 dias, enquanto Serra caiu cinco pontos, passando de 22% para 17%. O tucano ficou embolado com Anthony Garotinho (PSB), que teve 15%, e com Ciro Gomes (PPS), que ficou com 14%. Outro dado precioso para os petistas e preocupante para o governo – que passou a cogitar até mesmo a possibilidade de não haver segundo turno – foi a queda na rejeição de Lula: de 31% caiu para 27%. A taxa dos demais candidatos subiu. Serra passou de 18% para 23%, Garotinho, de 17% para 23%, e Ciro oscilou de 15% para 17%. Em outra aferição, a do Vox Populi, feita nos dias 11 e 12, com dois mil eleitores, Lula surge com 42% e Serra com 17%. Garotinho tem 15% e Ciro, 12%. No entanto, especialistas em pesquisas ressaltam que é muito cedo para os petistas cantarem vitória. A ascensão de Lula se deve a seu bom momento e à crise na candidatura tucana. “É como um programa de tevê sobre futebol que transmitisse os melhores momentos de um time e os piores lances de outro time e depois fizesse uma pesquisa entre os telespectadores para saber qual deles é o preferido do público. O que as pesquisas mostram agora não tem nada a ver com o que vai acontecer daqui a três meses, quando começa a propaganda eleitoral. Serra, por exemplo, terá mais tempo de tevê do que Lula, Ciro e Garotinho juntos”, observou o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas, Análises e Comunicação.

Charge – O público externo também está voltando os olhos na direção do petista. Lula atraiu nada menos do que 60 correspondentes estrangeiros numa coletiva que concedeu na segunda-feira 13, no Rio de Janeiro. Garotinho, que havia sido entrevistado antes, conseguiu reunir pouco mais do que uma dezena deles. O jornal americano The New York Times publicou uma charge ironizando a intromissão do governo americano nas eleições realizadas em outros países, na qual um personagem veste uma camiseta com elogios a Lula. “Por um Brasil melhor: Luiz Inácio Lula da Silva”, dizia a mensagem. Sabendo que uma das munições que os tucanos usarão serão os elogios que fez a Fidel Castro e a Hugo Chávez, Lula já antecipou a resposta, informando que nas suas viagens a Cuba e à Venezuela pediu a realização de eleições a Fidel e sugeriu que Chávez dialogasse com a sociedade. As administrações petistas que não estiverem cumprindo o papel de vitrine, como o governo do Rio Grande do Sul e a Prefeitura de São Paulo, serão mostradas pelos tucanos como vidraças. Além de evitar entrar no tiroteio, os petistas estão tentando não usar o salto alto. Afinal, Lula já experimentou em outras eleições o doce gostinho de liderar pesquisas, e a amarga sensação de morrer na praia. Foi o que aconteceu em 1994, quando o petista tinha em maio a mesma vantagem que ostenta neste ano. Acabou derrotado pelo Plano Real. Só que, agora, as condições de temperatura e pressão são bem diferentes. Os tucanos não têm na manga nenhuma carta tão valiosa quanto o Real, não contam com uma ampla aliança partidária e para completar carregam um candidato com problemas de decolagem.

Os mísseis do PSDB

1 – O fantasma da Argentina, onde a oposição venceu depois de oito anos de governo Menem.

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2 – O mercado financeiro internacional poderia inviabilizar o governo Lula, deixando de investir no País, além de contar com a antipatia do presidente George Bush.

3 – Cobrança de coerência entre discurso eleitoral de Lula, como a defesa da estabilidade econômica e do equilíbrio fiscal, e a prática do partido no Congresso. Discrepâncias entre as idéias do candidato e o documento “Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil”, aprovado no 12º encontro nacional do partido, em dezembro de 2001.

4 – O fato de Lula não ter exercido nenhum cargo no Executivo, não ter curso superior e não trabalhar fora do PT, o que é apresentado como falta de experiência.

5 – Problemas nas principais vitrines do PT, como os governos de Olívio Dutra (RS) e de Benedita da Silva (RJ) e de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo.

6 – Discursos de Lula, feitos até pouco tempo atrás, defendendo o socialismo e os governos de Fidel Castro, de Cuba, e de Hugo Chávez, da Venezuela.

7 – As estripulias do MST podem ser apresentadas como prévia do PT no poder.

8 – Ressureição de denúncias, como a de que o compadre de Lula, Roberto Teixeira, teria intermediado a favor da empresa de Consultoria CPEM nas prefeituras petistas.


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