Quando prestou depoimentos à Justiça e à CPI do Judiciário, o empresário Fábio Monteiro de Barros, responsável pela construção do prédio do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de São Paulo, assegurou não haver nenhum desvio dos recursos destinados às obras do juiz Nicolau dos Santos Neto. Ele negou que o prédio tenha sofrido qualquer tipo de superfaturamento e assegurou ter vendido um edifício com o preço fechado. Ou seja, de acordo com o depoimento do empresário, o patrimônio e a dinheirama encontrada no Exterior em nome do juiz Lalau nada têm a ver com a obra do prédio do TRT paulista. De onde, então, teria vindo a fortuna do juiz? Para a Justiça, Fábio Monteiro de Barros nada disse. Para dois advogados, porém, o empresário contou uma história reveladora. Ele revela que para defender o Plano Real o Palácio do Planalto promoveu diversos contatos políticos com o juiz Nicolau, então presidente do TRT-SP. Mais tarde, Fábio Monteiro de Barros expôs uma bem traçada rede de corrupção instalada há décadas na Justiça do Trabalho, o que justificaria o patrimônio de Lalau.

A CPI se centrou toda no prédio do TRT de São Paulo, mas o juiz Nicolau mexeu com milhões a vida inteira. E, por ocasião dos planos econômicos, aquele Tribunal virou um manancial de negócios. A Justiça do Trabalho é o único órgão que pode implodir um plano econômico. Na hora em que ela dá aumento nos salários, quebra qualquer corrente de estabilidade. O Plano Cruzado, o Plano Verão e o Plano Collor foram arrebentados pela Justiça do Trabalho, que deu aumento salarial. O presidente Fernando Henrique, percebendo isso, fez um link com a Justiça do Trabalho, via Eduardo Jorge (Eduardo Jorge Caldas, ex-secretário-geral da Presidência da República), e com o doutor Nicolau, que era a pessoa que liderava o tribunal”, disse Fábio Monteiro de Barros aos advogados José Carlos Graça Wagner e Murilo Alvez Ferraz de Oliveira, em julho de 2000. A reunião aconteceu em um sábado no escritório de Graça Wagner em São Paulo. O encontro durou aproximadamente quatro horas e tudo foi filmado, sem que os interlocutores tivessem conhecimento. ISTOÉ teve acesso à gravação da reunião, registrada em vídeo e depois digitalizada. Tanto a fita VHS como o CD foram submetidos à perícia e o foneticista Ricardo Molina Figueiredo atestou não ter encontrado nenhum indício que apontasse para montagem ou edição.

“Não minto. Muito menos em um escritório de advocacia, onde me comportei como se estivesse em um confessionário. Imagino que o advogado deveria estar preso ao sigilo assim como o padre está quando ouve uma confissão. Fui traído e isso é inadmissível”, disse Fábio Monteiro de Barros na quarta-feira 15, quando esteve na redação de ISTOÉ e tomou conhecimento do conteúdo da gravação. O empresário registrou um Boletim de Ocorrência no 78º Distrito Policial, e na semana passada assegurou que iria representar na Ordem dos Advogados do Brasil contra Graça Wagner. Na conversa com os advogados, Monteiro de Barros explica que, apesar de estar aposentado, o juiz Lalau mantém grande ascendência sobre os demais juizes trabalhistas e bom trânsito no governo. “São Paulo teve um papel preponderante (na manutenção do Plano Real) em não permitir aumentos. Eu assisti. Na greve de transportes coletivos em São Paulo, o tribunal estava pronto para dar a legalidade da greve para em seguida discutir qual seria o valor do aumento. O Planalto o dia inteiro no telefone: não pode, a greve tem que ser declarada ilegal, porque se der um por cento de aumento ferrou o Plano Real. E o doutor Nicolau virou a noite com os juízes para não dar o aumento. Greve no porto de Santos, a mesma coisa. Greve dos bancos, a mesma coisa.

Unir o útil ao agradável – Na versão contada aos advogados, Fábio Monteiro de Barros usou uma greve promovida pelos bancários de São Paulo para exemplificar como funcionaria o esquema que alimentaria as milionárias contas do juiz Nicolau. O exemplo, feito com contas de improviso, é bastante forte: “Existem 300 mil bancários em São Paulo? Com um salário médio, mínimo, mais ou menos de R$ 1,5 mil por mês. Se fizer essa conta, dá mais ou menos R$ 450 milhões por mês de folha de pagamento dos bancos. Isso vezes 12 e estamos falando mais ou menos de R$ 5,5 bilhões por ano, sem contar encargos, o que desencadeia um outro número monstruoso. Um por cento disso representa R$ 55 milhões. Se eu decreto a greve legal, eu me incompatibilizo com o Planalto e me incompatibilizo de certa forma com a Febraban. Agora, se der a greve ilegal, não permito o aumento, atendo ao Planalto e atendo aos patrões. Posso, então, perfeitamente, chegar para os demais juízes e unir o útil ao agradável. Um por cento de aumento representa R$ 55 milhões, dá para arrumar aí uns R$ 10 milhões, R$ 15 milhões. É 0,2% do aumento. Você vai atender a todo mundo. Você atende o Planalto que é uma beleza, e a Febraban vai ficar feliz da vida.

Em sua explanação, o empresário chega a contar detalhes do esquema e assegura que no caso das greves de bancários o interlocutor de Nicolau com os demais juízes era Leocádio Geraldo Rocha, ex-juiz do TRT paulista indicado pela própria Febraban. “O senhor sabe que a Febraban tem um juiz classista no tribunal. Ele se chama Leocádio, era diretor do Banco Noroeste e era diretor da Febraban. Se não me engano, chegou a ser vice-presidente da Febraban”, disse o empresário, dirigindo-se ao advogado José Carlos Graça Wagner.

Venda de greve – Fábio Monteiro de Barros conhece bem os meandros da Justiça do Trabalho em quase todo o País. Ele mesmo costuma dizer que o primeiro grande negócio de sua vida empresarial foi a venda do prédio do TRT na rua da Consolação, em São Paulo. Também não é segredo suas boas relações com os fóruns trabalhistas de outros Estados. Na conversa com os advogados, Monteiro de Barros deixa bem claro que as possíveis negociatas com as entidades patronais em casos de greve não seriam recentes nem exclusivas do juiz Nicolau. “O Pazzianotto (Almir Pazzianotto, ministro do Tribunal Superior do Trabalho), no governo Montoro (André Franco Montoro, governador de São Paulo de 1983 a 1987. No período, Pazzianotto foi secretário do Trabalho), foi exilado do ABC por causa disso. Dizem que ele, como advogado, vendia greve. Ele chegava nos sindicatos e fechava 7%. Depois ia até as montadoras e percebia que estavam dispostos a chegar a 11%, por exemplo. Então, ele dizia: se eu conseguir que os trabalhadores fechem em 7,5%, você me dá 0,5%. O Pazzianotto fazia isso e o Montoro descobriu. Então, mandou o secretário para Brasília. Então, é por aí que se explica os milhões do doutor Nicolau.

A explicação do escritório Graça Wagner para o grampo remete a outras histórias polêmicas. Em julho de 2000, quando houve o encontro com os advogados, Monteiro de Barros havia saído da cadeia há cerca de duas ou três semanas, acusado de participar do desvio de R$ 169 milhões nas obras do TRT paulista. Ele estava procurando um tributarista para questionar as multas que estava recebendo da Receita Federal e foi levado até Graça Wagner por Murilo Ferraz, seu antigo conhecido. “O Fábio precisava de advogado tributarista por causa das multas da Receita. Por causa disso, o levei até o Graça Wagner, um advogado bastante conceituado e meu amigo há mais de 40 anos. Jamais poderia imaginar que a conversa seria gravada”, reclama Ferraz. Na noite da quarta-feira 16, Monteiro de Barros reafirmou o que dissera na conversa grampeada, frisou que todas as suas declarações apenas confirmam a versão de que não houve desvio de recursos na construção do prédio do TRT paulista e lamentou que a divulgação da fita vai lhe dar mais trabalho exatamente no momento em que prepara sua defesa prévia no processo sobre os R$ 169 milhões.