Fim de ano, época de festas e férias. A idéia de presentes coloridos, viagens e mesa farta preenche o imaginário de todo mundo. Não por acaso, dezembro é o mês do 13º salário, um dinheiro extra que parece minguar diante de tantos sonhos. Mas que pode ser o início de um bom pé-de-meia. Quem guarda tem, martelam os especialistas financeiros. Saber ganhar, saber gastar e saber investir compõem a receita que está na ponta da língua de todos os consultores. E, dizem, garante a possibilidade da realização de um sonho maior de riqueza. Mas a conquista não é assim tão fácil. Poucos conseguem “fazer” dinheiro. Este é um dom para poucos, que começa, segundo a consultora Glória Maria Garcia Pereira, numa questão semântica. “Há uma grande diferença em ganhar e fazer dinheiro. Ganhar é um verbo passivo, pode-se ganhar mesada, aposentadoria, salário, prêmios. Agora, fazer é ativo. Devemos pensar em fazer dinheiro”, diz ela.

Glória, que é especializada em educação para adultos e autora do recém-lançado Talento, nova linguagem do dinheiro para realização pessoal (Editora Futura), afirma que os brasileiros levam uma desvantagem inconsciente ao serem, em sua maioria, induzidos pela própria língua a manter-se numa posição de espectador. “Em vez de dizer vamos ganhar dinheiro como nós, os americanos, por exemplo, dizem “vamos fazer dinheiro” (let’s make money). É uma ordem para a ação”, pontua ela.

Mesmo nos Estados Unidos, no entanto, ganhar o primeiro milhão continua sendo apenas um projeto distante para muitos.
No livro O milionário mora ao lado (Ed. Manole), os pesquisadores Thomas J. Stanley e William D. Danko mostram que toda a
riqueza americana se concentra em apenas 3,5% dos domicílios do país. Em 20 anos de pesquisa, eles entrevistaram pessoalmente 500 milionários e fizeram levantamento da
vida de 11 mil pessoas com alta renda. Descobriram quem é rico (desconsiderados aqui casos de herança e prêmios) e como
uma pessoa comum se torna rica. Comprovaram que 80% dos milionários dos
EUA são ricos de primeira geração, que quase todas as grandes fortunas vieram de negócios próprios e os maiores endinheirados não parecem ser o que são. Não desfilam com relógios de luxo nem com carros importados. A maioria vive com apenas 7% de sua riqueza e investe em média todos os anos 15% da renda da família em ações e fundos mútuos. Ou seja, a palavra ostentação não
faz parte do vocabulário da maioria dos grandes fazedores de dinheiro. Riqueza é aquilo que se acumula e não o que se gasta, ensinam.

As palavras-chave para fazer dinheiro são trabalho, otimismo, ousadia e persistência. Que o diga o festejado carioca Alexandre Accioly, sócio de 11 empresas nas áreas de entretenimento e serviços que fecharão o ano com um faturamento de cerca de R$ 25 milhões. A mais recente parceria é com Rogério Fasano, dono de alguns dos melhores restaurantes de São Paulo. Juntos, eles inauguraram no final de novembro a filial carioca do restaurante Gero. Quem vê o sorridente milionário nas colunas sociais, sempre ao lado de mulheres bonitas como Adriane Galisteu e Carolina Ferraz, acha mesmo que ele é um dos últimos playboys brasileiros. A impressão ganhou mais força depois da exuberante festa que deu este ano em comemoração aos seus 40 anos. Os 1.200 convidados, todos vestidos à moda dos anos 60, tiveram como palco para a folia nada menos que a histórica Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, local onde foi realizado o último baile da família imperial. A celebração era muito mais que pompa e fantasia. Accioly estava brindando ao próprio sucesso. Filho de um gerente de banco e de uma dona-de-casa, o multiempresário já comeu muito cachorro-quente na hora do almoço. “Não tomava nem refrigerante. Era refresco mesmo, dinheirinho contado”, recorda hoje em seu esplendoroso apartamento de frente para a praia de Ipanema, no Rio. Empreendedor desde a infância, aos oito anos já mostrava seu tino comercial. “A gente só realiza o que sonha”, receita ele. Com o patrocínio da avó, fez oito caixas de engraxate, contratou alguns amigos e ficou na supervisão do negócio. De lá para cá, experimentou de tudo um pouco, sem nunca ter se empregado. “Nunca tirei carteira profissional. Nem cursei faculdade, apesar de ter passado no vestibular”, conta ele. Fez figuração na Globo e logo passou a agenciar um elenco de figurantes. Depois montou concursos de beleza em boates, abriu uma agência de publicidade, criou um jornal que só era vendido no Maracanã em dias de grandes disputas, abriu uma churrascaria e até um parque de diversões.

As tentativas de Accioly foram tantas quanto os embates financeiros provocados pelos diversos planos econômicos dos últimos anos, mas o grande pulo- do-gato de Accioly foi a criação da Quatro/A, um callcenter, quando nem ele conhecia formalmente este conceito. No início dos anos 90, desesperado com o confisco do Plano Collor, Accioly resolveu vender assinaturas de revistas por telefone. Excelente vendedor de idéias, conseguiu um contrato com a Editora Abril. Começou o negócio com apenas seis linhas telefônicas em 1992. Oito anos depois, ele vendia, por uma cifra milionária, a empresa – já com 9.500 funcionários, uma vasta carteira de clientes e com o Unibanco como sócio – para a Atento, do grupo Telefônica, subsidiária da Atento Holding, de Miami, EUA.

Accioly é um apaixonado pelo trabalho e pelos seus negócios. “Ou você tem dinheiro ou tem que saber vender idéías. E assim como ninguém é capaz de amar ninguém sem ter amor próprio, também não se é capaz de trazer pessoas para o seu sonho se você não acredita nele”, filosofa. Esta paixão, este prazer na profissão, é outro componente fundamental na vida de um endinheirado. Os bons fazedores de dinheiro conseguem lucrar com o que gostam de fazer. Segundo a historiadora e professora Cássia D’Aquino, que trabalha com educação financeira para crianças e adolescentes em escolas, eles não vêem prazer apenas no dinheiro ou no trabalho, mas no jogo da conquista. “Essas pessoas fixam um objetivo e vão buscar. O trabalho para elas não produz sofrimento, e sim encantamento. Têm prazer em criar um negócio e não priorizam a compensação imediata. Elas abrem mão de prazeres cobiçados pelos outros porque gostam mais do negócio que criaram”, explica ela.

Aposta – Esse jogo a que se refere Cássia é algo excitante e divertido para os empreendedores. Por isso não têm medo de se expor. Eles gostam da sensação de risco e o vêem quase como uma necessidade. E apostam em si mesmos. Exatamente por isso, a trajetória de homens e mulheres que conseguem chegar ao seu primeiro milhão não é feita apenas de glórias. A diferença é que eles não valorizam as quedas. Assimilam os erros e fracassos como pedras comuns ao caminho. “As pessoas que alcançam o sucesso financeiro têm uma capacidade de resistência à frustração muito grande. Uma derrota não significa nada. É vista até como uma provocação da vida que os faz mais fortes”, define Cássia. Os que conseguem enriquecer também precisam de autodisciplina para exercer o pior papel, que é ser patrão de si mesmo, como lembra a historiadora. “Como os objetivos são fixados por eles mesmos, eles têm que ter autocontrole para fazer acontecer”, diz Cássia. O conceito é revalidado por Valentina Caran, 48 anos, que em apenas duas décadas construiu fortuna.

“Nunca gastei por conta. As pessoas nem vêem a cor do dinheiro e já pensam em que vão gastar. Eu não esbanjo. Pechincho muito e aplico sempre uma parte. Dinheiro chama dinheiro”, afirma ela. A empresária, dona de cinco imobiliárias em São Paulo, é uma boa fazedora de dinheiro. Dos nove aos 21 anos trabalhou na lavoura em Monte Mor, interior de São Paulo. Não tinha luz elétrica em casa e foi conhecer televisão aos 18 anos. Deslumbrou-se com a vida artística, fez um curso de atriz por correspondência e veio tentar o estrelato em São Paulo. Chegou a fazer figuração em algumas produções, mas acabou mesmo ganhando a vida vendendo enciclopédias. Ria das corridas que levava dos porteiros de prédios e das donas-de-casa. Era campeã de vendas e sua garra chamou a atenção de um corretor de imóveis a quem quis convencer a comprar os livros. Foi o início de sua carreira de sucesso. De empregada, logo passou a patroa. Há 25 anos montou sua própria imobiliária. Apesar de brincalhona e bem-humorada, ela se diz mão-de-ferro. “Não sai um alfinete da empresa sem passar pela minha mão”, confessa.

Intuição – Todo empreendedor bem-sucedido tem um pouco de visionário. Ele consegue enxergar o que ninguém vê e, o principal, acredita e investe nisso. Não precisa ser nada excepcional. Não é necessário exatamente pôr em pé o ovo de Colombo; muitas vezes
basta um jeito diferente de fazer a mesma coisa. “Um dos segredos
do sucesso financeiro é dar ouvidos à intuição. Estar no lugar certo
na hora certa, saber lidar com a emoção das pessoas e estar aberto
ao aprendizado. Tem que saber aprender a olhar as mesmas coisas
de forma peculiar”, pontua Mauro Halfed, ex-professor doutor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, autor de Investimentos – como administrar melhor o seu dinheiro
e do novo Seu imóvel – como comprar bem (Ed. Fundamento). Muitas pessoas já produziram biquínis num país tropical como o Brasil,
mas poucas conseguiram transformar seus produtos numa marca internacional, como fez o paulistano Amir Slama, dono da Rosa Chá.

Quando começou, em 1989, tinha um sobradinho com algumas máquinas de costura no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e hoje vende suas peças engajadas na Quinta Avenida, em Nova York. Sua marca já anda enchendo os olhos até mesmo no Oriente Médio. Caçula da família, Amir Slama não queria nem saber de tecidos, corte, modelagem, palavras
que se repetiam com frequência em sua infância, já que os pais tinham uma confecção de roupas populares. “Me formei em história e, como
todo jovem, queria mudar o mundo. Resisti o quanto pude, mas acho
que todo aquele ambiente de moda se internalizou”, explica. Ele
mudou pelo menos o seu mundo da moda, confeccionando peças comunicativas, criadas a partir da observação do cotidiano. “Não gosto do convencional. Uso minhas coleções como forma de comunicação.
Para mim, fazer moda é trabalhar com flashes de felicidade”, afirma, demonstrando o prazer que tem com suas criações.

Amir Slama agrega a suas peças muito do seu gosto pela história e
pelos costumes, mas o professor Mauro Helfeld gosta de lembrar que
o preparo intelectual não é exatamente uma exigência para o que
chama de educação financeira. “É uma lacuna na formação dos brasileiros. Em minha carreira universitária convivi com pessoas muito inteligentes e bem informadas que não sabem lidar com o dinheiro”,
diz ele. Isso não impede que noções sobre como fazer dinheiro sejam passadas de pai para filho naturalmente, sem a consciência formal
do aprendizado. Pode-se dizer que esse é o caso dos primos Neldi,
47 anos, e Valdir Mocellin, 49, fundadores da rede Porcão de churrascarias. “O lucro é uma consequência do trabalho honesto.
Mas tem que acreditar no que se faz. Quem planta bem hoje colhe amanhã os frutos”, ensina Valdir, repetindo as lições de seu pai.

Diferença – A dupla deixou a cidade de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul, para tentar a vida na cidade grande. Neldi veio primeiro. Aos 16 anos, deixou a agricultura para ser garçom no Rio de Janeiro. Um ano depois, o primo seguiu o mesmo caminho. Logo os dois decidiram trabalhar juntos num negócio próprio. Juntaram as economias
e abriram uma churrascaria.
“Como trabalhávamos neste ramo, sabíamos tudo que o cliente
queria”, conta Valdir. Foi numa época em que o conceito de uma boa churrascaria não era muito
bem delineado. “Nenhuma casa servia picanha nem outras carnes
nobres. Acompanhamento, então, nem se fala”, complementa Neldi.
Foi no serviço diferenciado que resolveram investir. E acertaram.
A qualidade da casa é apreciada por personalidades como o atual presidente, Fernando Henrique Cardoso, o futuro, Luiz Inácio Lula
da Silva, e muitos artistas. Aos poucos, outros primos e irmãos, como
o sócio Darcir, 45, foram se agregando. Hoje, 27 anos depois, a rede emprega 1.300 funcionários, tem nove unidades no Brasil e uma em
Lisboa e, em breve, terá duas em Miami. Tanto sucesso sem os dois fundadores terem chegado ao fim do ensino fundamental.

Uma característica importante na trajetória dos bem-sucedidos é saber lidar com as emoções alheias. Saber se relacionar bem e se colocar na posição do outro ajuda a entender as necessidades do mercado. O mineiro Cláudio Cássio Guimarães Gama, 38, por exemplo, conta que prioriza um estilo que considera poderoso para o sucesso: ser acessível e saber ouvir. É conversando diariamente com seus funcionários e clientes que ele melhora a qualidade de seu negócio – uma pequena firma de siderurgia que, em apenas três anos, se transformou num complexo de empresas em Contagem, Minas Gerais. Cláudio, que começou vendendo produtos de limpeza, comanda hoje cinco empresas de ferro e aço e uma de transportes. Esbanjando simplicidade, ele afirma: “A qualidade do produto final vem da satisfação de quem produz. É preciso aliar credibilidade naquilo que se faz com sinceridade e persistência. Envolver as pessoas no objetivo do empreendimento é fundamental”, enfatiza.

O histórico desses vencedores mostra que é possível fazer dinheiro
nas mais diferentes circunstâncias de vida, mas, segundo os consultores financeiros, o primeiro passo é aprender a administrar o dinheiro. E
lição mais importante é não gastar mais do que se ganha para poder ter algum para começar. Ou ao menos se animar. “A primeira preocupação
é atingir a independência financeira, ganhando mais dinheiro como empregado ou aumentando as vendas do próprio negócio para poder começar a poupar”, aconselha o professor Halfeld. Controlar os impulsos consumistas é essencial. Tentar decifrar os cadernos de economia também ajuda. Afinal, é preciso saber investir o pouco que conseguir guardar. Se não para ficar rico, pelo menos para realizar aquele sonho
de viagem mais sofisticado, bancar a faculdade dos filhos ou ter
uma aposentadoria mais tranquila. Afinal, um pouco de sombra
e água fresca também não faz mal a ninguém.