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VIDA NO CAMPO
Figueiredo gosta mesmo é de cuidar das vacas e dos cavalos de sua fazenda

Um prédio pequeno, sem placa à porta, na região central de Brasília, serve de gabinete improvisado para o economista Bernardo Figueiredo, alçado a posto-chave no governo Dilma Rousseff. Nomeado presidente da recém-criada estatal Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, Figueiredo será uma espécie de superministro, encarregado de coordenar os investimentos em infraestrutura de transportes. Ele comandará projetos estimados em R$ 133 bilhões, dinheiro a ser investido por meio de parcerias do governo com a iniciativa privada em obras de rodovias e ferrovias. Eventualmente, a estatal será sócia nesses negócios. O valor dos investimentos poderá alcançar R$ 180 bilhões, com o anúncio, em breve, da segunda etapa de concessões de portos e aeroportos. “O número não está fechado, mas é uma estimativa, baseada nos investimentos necessários”, diz Figueiredo.

Mineiro de Sete Lagoas, 62 anos, o assessor de Dilma para negócios bilionários cultiva gostos extravagantes – segundo define ele mesmo –, como torcer pelo time do Bangu, no Rio de Janeiro, e pela Portuguesa, em São Paulo, além do Cruzeiro, em Minas Gerais. Não gosta de usar gravata. “Tento não usar: me sinto mal, como se fosse ser enforcado”, explica. Só quando o protocolo exige, Figueiredo põe terno e dispensa o figurino predileto, de homem da roça, apreciador de cigarros de palha e dedicado a cuidar de vacas e cavalos na fazenda de 500 hectares (cinco quilômetros quadrados), onde mora há mais de uma década, nos arredores da capital, com a segunda mulher e parte dos sete filhos. Foi na fazenda que o novo presidente da EPL passou os quatro meses de quarentena, após ter seu nome rejeitado pelo Senado para um segundo mandato à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres, numa derrota imposta à presidenta Dilma Rousseff por 36 votos a 31, em março. “Fiquei quatro meses escondidinho lá”, conta. Impedido legalmente de trabalhar, ele saía da fazenda para participar dos debates do grupo encarregado de mudar o rumo do governo na área de transportes, abatida por escândalos e baixo investimento. “Foi fácil me cooptar: é um desafio”, diz o executivo.

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PONTE
Responsável pela coordenação do PAC, Maurício Muniz
foi quem levou Figueiredo para trabalhar no governo

Até 2018, prevê, o plano de concessões à iniciativa privada deverá mudar a estrutura de transportes do País, com mais dez mil quilômetros de ferrovias e 7,5 mil quilômetros de rodovias integradas a portos e aeroportos. Nesse prazo, o executivo também espera ver nos trilhos o trem-bala ligando Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, projeto polêmico do qual se tornou o principal defensor nos últimos anos. Os prazos do plano lançado por Dilma Rousseff são apertados. “Desafiadores, mas factíveis”, prefere Figueiredo, emendando o ditado ouvido do avô, na roça: “Carro apertado é que canta.” Entre as tarefas que o cargo lhe reserva está zelar pelo cumprimento do cronograma. A voz mansa do roceiro ajuda na negociação, mas foram os conhecimentos na área de transportes que conquistaram a confiança da presidenta. O economista foi chamado a trabalhar na Casa Civil em 2005 como assessor especial para monitoramento de ações na área. Foi levado por um de seus grandes amigos no governo, Maurício Muniz, hoje responsável pela coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento, no Ministério do Planejamento. O PAC seria lançado dois anos depois. Figueiredo conta que não escapou da folclórica zanga da chefe. “Levei muita bronca justa, de uma pessoa determinada, que gosta que lhe apresentem informações consistentes.”

Na passagem pela Casa Civil, participou dos primeiros estudos para o embrião da Empresa de Planejamento e Logística, mas a ideia não foi adiante. “Identificada a falta de projetos e de dados, o presidente Lula pediu estudos para recriar o Geipot”, conta, lembrando da extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, criada nos anos 60 como grupo executivo e fechada no governo Fernando Henrique Cardoso. O antigo Geipot marcou o começo da carreira de Figueiredo na área de transportes. No início dos anos 70, o homem dos negócios bilionários estudava economia na Universidade de Brasília e conseguiu um estágio no Geipot. Em 1973, passou em primeiro lugar no concurso para a empresa, onde chegou a chefe de projetos. O currículo de Figueiredo registra a passagem por estatais e concessionárias de ferrovias, inclusive a América Latina Logística, uma das maiores empresas do setor. Na iniciativa privada, também dirigiu a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, que representava interesses das concessionárias fiscalizadas depois por Bernardo Figueiredo, quando comandou a agência reguladora de transportes terrestres. “Sou um técnico que atua há 40 anos com transportes e nunca trabalhou com outra coisa”, diz, quando convidado a se autodefinir. A relação com ferrovias é anterior à carteira de trabalho. Os trilhos do trem passavam atrás da casa de Figueiredo em Sete Lagoas, a estação de trem ficava ao lado, e o apito da locomotiva marcou sua infância, antes de se mudar para Brasília.

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NO COLÉGIO
Figueiredo frequentou a mesma sala de Fernando Collor (foto)
na escola pública que reunia os filhos da elite brasiliense

A atuação de Figueiredo como fiscalizador das concessionárias de ferrovias não é, porém, ponto pacífico na sua biografia. Ele foi questionado duramente pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) no ano passado, durante sabatina a que se submeteu como indicado por Dilma Rousseff para um segundo mandato à frente da ANTT. Requião apontou falhas no relacionamento com as concessionárias. “Nem conheço a pessoa”, disse sobre o senador. “Entrei de gaiato nessa história”, completa, atribuindo as críticas de Requião a uma desavença com o ministro Paulo Bernardo, paranaense como o senador. Para evitar que eventuais resistências políticas atrapalhem o plano da presidenta das concessões bilionárias, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, reuniu líderes partidários para ouvir Figueiredo na terça-feira. “Se quiserem desfigurar a EPL por causa do Bernardo, troca o Bernardo”, disse o executivo numa rara demonstração de impaciência. “Não estou precisando de emprego.”

A relação de Figueiredo com o poder e a política é peculiar. Filho de um subprocurador da República e neto de presidente do Supremo Tribunal Federal, que renunciou ao posto em 1969, em protesto contra a ditadura, abandonou o sobrenome famoso Gonçalves de Oliveira e optou pelo Figueiredo, da mãe. No colégio, ainda era conhecido como Bernardo Gonçalves de Oliveira. Frequentou a mesma sala de Fernando Collor na escola pública que reunia os filhos da elite brasiliense. Mas sua turma era outra, mais à esquerda, que disputou e ganhou do time de Collor as eleições no Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem). O também colega de colégio e jornalista Hélio Doyle o levaria a se filiar ao PDT, nos anos 80, e, depois, a migrar para o PT. Recentemente, Bernardo Figueiredo foi pesquisar e descobriu que não havia participado do recadastramento petista e, por isso, fora excluído da lista de filiados. “Nunca tive militância partidária”, anota. Na ANTT, acolheu, a contragosto, diretores indicados por políticos. Na montagem da equipe da EPL, tem carta branca para optar por técnicos. A estatal deve trabalhar com cerca de 150 funcionários, três vezes mais do que os 45 cargos de que dispõe atualmente.

Figueiredo chegou a ser expulso em 1968 do Ciem, com outros 31 garotos, em meio a protestos. Mas, se as agudas diferenças entre direita e esquerda o apaixonavam na época do colégio, hoje considera “tolo” o debate sobre se o governo Dilma Rousseff está ou não privatizando a economia. “Vender ativo público, como foi feito no passado, não é a mesma coisa que fazer concessão de serviços públicos, mas tudo é privatização”, fala, esquivando-se do tema. “Estamos trazendo a iniciativa privada porque a capacidade de investimento do governo não permitia que coisas fossem feitas com consistência”, resume. Para atrair investidores privados para o trem de alta velocidade – sua obsessão –, Figueiredo convenceu o governo a bancar riscos que dizem respeito ao número de passageiros. “É mais vantajoso tomar o risco e ter um preço mais barato da tarifa”, raciocina. A depender da disposição do executivo e dos planos do governo, o trem-bala será apenas o primeiro de uma série.

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