Enfim, começou a tão esperada briga no julgamento da Ação Penal 470. As escaramuças antes reservadas aos bastidores da corte estão, agora, escancaradas. No ringue do Supremo Tribunal Federal, há dois pugilistas com formações opostas e, portanto, visões muito distintas do que ocorreu no chamado mensalão. Joaquim Barbosa veio do Ministério Público. Age e pensa, eminentemente, como acusador. Ricardo Lewandowski dedicou toda a sua vida à magistratura. E lembrou, na última sessão do julgamento, que o juiz é o “perito dos peritos”, a quem compete ouvir tanto a acusação quanto a defesa.

A diferença entre ambos ficou exposta nos votos. Enquanto o relator Joaquim Barbosa praticamente acompanhou a peça acusatória do procurador-geral Roberto Gurgel, Ricardo Lewandowski soube contestá-la em suas fragilidades. Exemplo 1: o bônus de veiculação, uma distorção do mercado publicitário brasileiro, não é dinheiro público; é uma comissão paga por alguns veículos de comunicação às agências de publicidade. Exemplo 2: a contratação de uma assessoria de comunicação, como fez João Paulo Cunha na condição de presidente da Câmara dos Deputados, não tem qualquer relação com o crime de peculato – e Lewandowski citou, inclusive, o caso do STF, que é idêntico.

Barbosa prometeu réplica e Lewandowski pediu tréplica. Mas as diferenças entre ambos estão também no estilo. O relator tem certa dificuldade com o contraditório. Já intimidou colegas, pediu censura a alguns advogados que o criticaram e, ciente dos complexos de culpa nacionais, já apelou para o argumento de que sua presença no STF incomoda muita gente, numa alusão ao fato de ser o primeiro negro na mais alta corte do País. Lewandowski, ao contrário, demonstrou que sabe ser firme em suas posições, sem perder a elegância. E que também não se curva ao clamor dos que pedem linchamento.

Essa divisão entre o relator e o revisor já delineia uma tendência no julgamento. Barbosa irá propor a condenação do núcleo político, abraçando a tese de Gurgel de que o mensalão foi o mais atrevido golpe às instituições em todos os tempos, enquanto Lewandowski acatará o argumento de que os saques no Banco Rural por políticos – o que não é o caso, por exemplo, do já condenado Henrique Pizzolato – estão relacionados ao pagamento de dívidas de campanha.

O resultado disso tudo? No que alguns consideravam ser o maior escândalo político de todos os tempos, os políticos profissionais têm uma chance de escapar, enquanto os operadores, como Marcos Valério, serão condenados.