Um dos mais respeitados símbolos da República Popular da China é a besta sibuxiang, um animal do período dinástico que tem cabeça de dragão, rabo de leão, chifres de veado e patas de boi. O animal sintetiza a complexidade e a diversidade do mais populoso país do mundo, com quase 1,3 bilhão de habitantes, que, mesmo depois de décadas a caminho da ocidentalização, ainda permanece uma incógnita aos olhos do Ocidente, principalmente na esfera política. Ao assumir na sexta-feira 15 como secretário-geral do Partido Comunista da China – o cargo mais importante do sistema político chinês –, o vice-presidente Hu Jintao, 59 anos, assegurou ser o próximo presidente a tomar posse em março de 2003, quando Jiang Zemin, 76 anos, deixará o poder. Teoricamente, porque depois de 13 anos na Presidência, Jiang articulou-se de tal forma que deverá permanecer, ao menos nos primeiros anos, como uma eminência parda em mais uma herança das dinastias, a de não abandonar completamente o poder. “O partido tem uma tradição hierárquica e é difícil de deixar o pódio”, afirmou Arthur Waldron, especialista em China
da Universidade da Pensilvânia. Além de permanecer como chefe da Comissão Militar Central- o maior Exército do mundo com 2,4 milhões
de soldados, Jiang conseguiu colocar seis aliados no Comitê Permanente do Politburo, que foi ampliado de sete para nove cargos.

Com um perfil discreto, Hu é um desconhecido até para os chineses. Engenheiro hidráulico, fez carreira política nas regiões distantes da China próspera, como Guizhou e Tibete, onde se tornou conhecido pela repressão aos movimentos pró-independência de 1988-89. Mas o fez de maneira contraditória. Usou a lei marcial para reprimir os separatistas tibetanos, mas foi pessoalmente dialogar com os estudantes rebeldes.
E Hu terá que mostrar habilidades de um bom negociador para driblar potentes inimigos. Um provável rival é Zeng Qinghong, que trabalhou
ao lado de Jiang para colocar seus aliados na nova cúpula. Entre os ativistas de direitos humanos, havia uma certa esperança de que Hu,
em seu estilo silencioso, pudesse introduzir reformas democráticas.
Em 1993, como chefe da Escola do Partido Central, Hu estudou formas
de revitalizar o PC chinês nos moldes da Europa do Leste.

O aspecto político é apenas uma das múltiplas faces de sibuxiang , e como Hu a domará ainda é um mistério. São movimentos separatistas, diversidade étnica, corrupção aumentando e o crescente abismo social que retratam a China de hoje. A idéia da China como uma das grandes potências mundiais, moderna, tecnológica que entulha o mundo com
seus milhares de produtos é a China costeira, onde estão as grandes cidades e, consequentemente, o complexo industrial. Um mercado tentador que deverá receber ao todo US$ 50 bilhões de investimentos estrangeiros apenas em 2002. Desde o final dos anos 70, quando
o dirigente Deng Xiaoping abriu as portas do país, a estratégia do
Partido Comunista Chinês tem sido a de atrair investimentos para
as cidades exportadoras do litoral. A política de Deng, mantida por
Jiang, que deverá ser seguida por Hu, é “deixar que alguns fiquem
ricos primeiro”. O resultado já foi constatado em 1999: dobrou
a disparidade de renda entre a costa e o interior. E o desemprego
e a dívida interna da China não param de crescer. Nas metrópoles,
o desemprego chega nos dois dígitos porcentuais.

Abismo social – Como receita, Hu declarou que irá seguir o “socialismo ao estilo chinês” determinado por Mao Tsé-tung, adaptado por Deng Xiaoping e ao qual ainda se somou a doutrina das “Três Representações” de Jiang Zemin, que se distancia cada vez mais da base operária e dos camponeses para dar lugar aos empresários. Cerca de 50% das empresas chinesas foram privatizadas nos últimos anos e a previsão
é de que haja um crescimento industrial de 15% nas áreas costeiras.
Mas cerca de 600 milhões de camponeses deverão permanecer à
míngua, ganhando 25% a menos que a renda nacional. Se Xangai
se assemelha como uma cidade com os privilégios de uma grande metrópole ocidental, Guangxi, no interior do país, parece mais uma
cidade pobre do sub-Saara africano. Sai governo e entra governo e
a elite chinesa troca de cadeiras, dizem os analistas. Metade da população contribui com menos de um terço do PIB de US$ 990 bilhões. “Se caminharmos estreitamente unidos, todo o povo da China e suas minorias étnicas, seremos capazes de construir a sociedade do bem-estar, acelerar o processo de modernização socialista e estabelecer um modelo com características chinesas”, afirmou Hu, quando apresentou
a “quarta geração de líderes”. Se as características chinesas forem aprofundar as diferenças, então a besta estará mesmo solta.


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